• Nenhum resultado encontrado

Uma Escola Chamada “Summerhill”

7. O Regime Militar (1964-1985)

7.1 Leituras em Educação Durante a Ditadura Militar

7.1.2 Uma Escola Chamada “Summerhill”

Os escritos de Lauro de Oliveira Lima foram a síntese de uma época. Dependendo do interesse com que pegássemos nas mãos um livro dele, poderíamos ver fases da infância adaptadas a uma didática de acordo com a “dinâmica de grupo” ou fases da infância articuladas a uma necessária didática com técnicas ligadas aos processos de auto- aprendizagem skinerianos, de aprendizagem através de estímulos e respostas, tão ao gosto dos livros mais comportamentalistas.

Na verdade, haviam piagetianos que advogavam uma pedagogia articulada aos planos de trabalho muito bem determinados, detalhistas, e vinculados ao que se chamava na época de “aceleração da aprendizagem”. Haviam piagetianos que menosprezavam técnicas de aceleração da aprendizagem e entendiam que Piaget via a criança como um ser com fases de amadurecimento intelectual, moral e afetivo que caminhavam mais espontaneamente, que deveriam ser mais respeitadas e que não se ganharia nada com qualquer tipo de pressão do sistema escolar sobre os alunos muito jovens. Essa faceta do piagetianismo casou-se, em alguns momentos, com o que, na época, chamávamos de pedagogias não-diretivas  um título que mais atrapalhou nosso entendimento do que ajudou. Pois, afinal, nunca as pedagogias não- diretivas propugnaram o que os que as criticaram disseram que elas propugnavam, ou seja, a deseducação.

No livro A escola secundária moderna de Lauro de Oliveira Lima, em um prefácio acrescentado após algumas edições, podia se perceber que o autor tentava abraçar as correntes da época, quase que para não perder a capacidade de ampliar seu público. Uma vez que o não-diretivismo aparecia como casado com o piagetianismo em alguns livros estrangeiros, Lauro citou Carl Rogers no novo prefácio de A escola

secundária moderna. Rogers foi lido no Brasil como um dos principais

psicopedagogos advogados do não-diretivismo.

Rogers ressuscitou o mesmo argumento contido em Educação para uma

civilização em mudança, de Kilpatrick, um texto chave do escolanovismo

dos anos vinte. Todavia, ele mudou o enfoque do texto em um sentido especial. O que havia no texto de Kilpatrick (com o qual Anísio Teixeira havia estudado, quando também fora aluno de Dewey no seu mestrado nos Estados Unidos, nos anos vinte) era a idéia de que todos os conhecimentos que convencionalmente a escola ensina estavam se tornando rapidamente obsoletos e que, cada vez mais, pela rapidez da evolução tecnológica, isso iria suceder. Mas nem Kilpatrick nem Dewey, com isto, autorizaram qualquer pedagogia ligada ao que então chamávamos de pedagogia não-diretiva, muito ao contrário. O escolanovismo de Kilpatrick-Dewey previa uma preparação do professor, da arquitetura escolar e dos estudantes para que reproduzissem situações de vida real, aprendessem a usar os métodos de pesquisa

para atuar na prática da vida real, resolvendo problemas reais de maneira científica e não mais por um jogo de sorte e azar. Então, para se aprender a ser um cientista na vida, os alunos de Dewey e Kilpatrick seriam alunos dirigidos e controlados pelo professor para aprenderem de fato tais métodos, os métodos de resolução de problemas. Mas para Rogers, todos os conhecimentos iriam “sair de moda dentro de dez anos”, e isso não era a mesma coisa que Kilpatrick dizia quando ele falava em uma “civilização em mudança”. Podia mudar muita coisa, pensavam os velhos escolanovistas, mas algo que não mudaria tanto era o método científico, sempre pronto para solucionar problemas, por mais novos e inusitados que fossem. Não era isso que Rogers pensava. Ele pensava que o que a escola ensinava, fosse o que fosse, não poderia secundarizar um objetivo maior da escola: fazer as crianças se sentirem muito bem. E então, ele tirou daí a inferência de que poderia teorizar sobre o não-diretivisino e associar a ele uma base vinda de suas conclusões em psicologia  uma psicologia que via na criança exposta às pressões escolares normais mais um fator negativo que positivo (cf. Rogers, 1971).

Mas as experiências práticas em relação ao não-diretivismo, que fizeram sucesso quando relatadas em livros, foram as experiências de A. S. Neill, da escola Summerhill, na Inglaterra. Tratava-se de uma escola- comunidade, onde as regras e as tarefas eram decididas pelos alunos, em assembléias.

Na década de 1970 o que então chamávamos de não-diretivismo foi amplamente divulgado, chegando mesmo a ganhar status junto ao professorado como uma pedagogia de oposição ao regime político, frente ao conjunto de regras, técnicas e preparação de reuniões impostos pela pedagogia governamental. Assim, o debate diretivismo

versus não-diretivismo manifestava em relação ao trabalho didático a

problemática do autoritarismo versus não-autoritarismo colocado na sociedade. Foi um péssimo dualismo, mas, enfim, o professorado viveu isso e leu livros de ambos os lados.

Os livros de A. S. Neill foram bem aceitos por parcela do professorado jovem. O livro Liberdade sem medo trouxe para o público brasileiro o relato da experiência da escola Summerhill, orientada no sentido da organização escolar autogestionária. Tal texto chegou à vigésima terceira edição nos anos oitenta. Um dos prefácios de Liberdade sem

medo, escrito pelo filósofo Erich Fromm, um discípulo mais distante da

Escola de Frankfurt, revelou a essência da proposta do não-diretivismo (cf. Ghiraldelli Jr. 1990, p. 198).

Fromm se insurgiu contra as críticas de autores norte-americanos conservadores aos princípios liberais em educação, principalmente aos princípios escolanovistas. Ou seja, o livro que chegou no Brasil trazia uma reação à reação conservadora contra Dewey nos Estados Unidos. A

reação conservadora contra Dewey havia começado no final da década de cinqüenta. Os americanos conservadores contestaram a organização de ensino dos Estados Unidos, que comparada com a da União Soviética aparecia como uma organização que estaria desprivilegiando os conteúdos clássicos.102 E tal crítica conservadora havia se iniciado quando da partida da corrida espacial entre russos e norte-americanos, pois os russos haviam saído na frente e, então, uma parcela da sociedade começou a culpar a escola americana, que teria seguido Dewey até então, pelo fato dos Estados Unidos não ter gerado os cérebros necessários para enfrentar o que seria a supremacia soviética no campo científico-tecnológico. Fromm, por sua vez, reagia a tal crítica a Dewey e a tudo que se havia feito no sentido de privilegiar a liberdade nas escolas; e Fromm dava esta resposta no contexto das revoltas de juventude da década de sessenta no mundo todo e, também, nos Estados Unidos (onde isso se misturava ao conflito entre negros e brancos e ao protesto dos jovens contra a Guerra do Vietnã). Então, Fromm retomou os princípios liberais e escolanovistas e acusou os métodos soviéticos de antiquados e autoritários. Fromm estava quase que dizendo: americanos conservadores, ao criticarem Dewey, estão na verdade se espelhando na URSS, justamente o que não queremos ser! Não queremos ser uma ditadura, pelo contrário, queremos ser é uma democracia ainda mais aperfeiçoada, pensava Fromm (a Escola de Frankfurt, mesmo com um pensamento mais ligado ao socialismo, nunca compactuou com o socialismo soviético ou com qualquer forma de ditadura, socialista ou não)103.

Para Fromm, como também para Neill, a escola deveria estar mais voltada para o cuidado com as relações interpessoais e menos preocupada com a problemática da apreensão desta ou daquela matéria escolar em especifico. Neill, comentando suas simpatias em relação à psicologia freudiana, colocou que uma educação baseada naquela

102 Até hoje, no início do século XXI, educadores marxistas, influenciados por essa crítica conservadora a Dewey, insistem que a escola americana está em crise por causa disso. Tais autores não percebem que a escola norte-americana básica, por razões do desenvolvimento da colonização americana, sempre foi mais socializadora do que preocupada com conteúdos cientificos, dado que estes últimos vão ficando mais para a High School e, principalmente, para as Universidades. O que é decepcionante nessa críica dos autores marxistas à escola norte-americana é que eles, em geral, são da área de história da educação! E assim mesmo não se debruçam sobre a história da educação nos Estados Unidos de modo a perceber que esta formulação do sistema educacional americano funciona bem dentro dos padrões daquele povo que, não à toa, tem um padrão de atividades culturais que atrai os professores universitários europeus.

103 Para um aprofundamento sobre Escola de Frankfurt, o leitor pode ver: Ghiraldelli Jr., P. O corpo de Ulisses – Materialismo e modernidade em Adorno e Horkheimer. São Paulo: Escuta, 1995.

psicologia se encaminharia para só uma finalidade — a cura. E ao se perguntar sobre “que espécie de cura”, respondeu: “a única das curas que deveria ser praticada é a cura da infelicidade” (cf. Neill, 1984; cf. Ghiraldelli Jr. 1990, p. 198).

Uma geração saída da luta contra o autoritarismo, que foi a geração que se rebelou nos anos sessenta e que, de certo modo, tinha razão, pois a prática das famílias e da sociedade em geral em quase todo o Ocidente, na década de 1950, era uma prática que hoje nós estranharíamos muito, principalmente em relação às políticas de discriminação de minorias (negros, mulheres, homossexuais, indígenas, pobres etc.), não poderia exigir da escola outra coisa que não a liberdade e... a felicidade. O não-diretivismo não era uma pedagogia do “não fazer nada”. Era uma pedagogia do fazer tudo, coletivamente, mas para a liberdade, não para o enclausuramento, não para alimentar as ditaturas e a homogeneidade coletivista, era uma prática livre para se viver em sociedades livres, viver coletivamente sem se deixar de desenvolver sua individualidade.104

104 É interessante notar que, no Brasil (e em alguns países da europa democrática) muitos jovens que advogaram tais pedagogias, na prática se engajaram em partidos de esquerda de cunho autoritário, militarizados. Aliás, no Brasil, é curioso notar que mesmo os anarquistas, em vários momentos, optaram por um modo de vida que lembraria mais o acetismo dos monastérios do que a aceitação da vida pela qual diziam lutar. E isto, tanto no velho anarquismo, dos anos dez, quanto no anarquismo dos anos oitenta. Talvez o traço que mais marcou os teóricos da filosofia da educação tenha sido, de fato, sua formação em seminários, e menos as leituras que vieram a fazer posteriormente. Há de se notar que, até hoje, uma boa parte das pessoas que são formadas em filosofia e que se dirigem para a educação estão de algum modo ligados a certos preceitos disciplinares e de vida comunitária específica dos seminários, tanto de formação católica quanto de formação protestante. Se analisarmos os quadros de autores que temos nestas áreas, veremos que poucos são, ainda hoje, os filósofos da educação que vieram de uma formação completamente laica, liberal- democrática.