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A Sociologia e a Teoria do Currículo

8. A Nova Democracia (1985 – 2000)

8.3 Novos Rumos da Literatura Pedagógica

8.3.1 A Sociologia e a Teoria do Currículo

A literatura brasileira de sociologia da educação teve clássicos que hoje, nem sempre são lembrados, mesmo pelos especialistas. Escreveram sobre sociologia da educação, entre outros, as grandes figuras da sociologia brasileira e, de certo modo, das Humanidades em geral, como Florestan Fernandes, Antônio Cândido, Marialice Foracchi e Luiz Pereira. Este último, inclusive, foi o autor de um texto muito importante, apresentado no II Congresso Brasileiro de Sociologia, em Belo Horizonte, no ano de 1962. Tal texto apareceu em várias publicações e até a década de 1970 era bem conhecido. Seu título era “Nota Crítica sobre o Pensamento Pedagógico Brasileiro”. Nele, Luiz Pereira queria mostrar que havia dois estilos de escrever em educação: o dos “educadores” (nos quais ele incluía os filósofos que se dedicavam à educação, penso eu) e a dos “sociólogos”. Ele notava que estava havendo uma crescente ‘sociologização’ do pensamento pedagógico brasileiro, e isto, segundo ele, era um aspecto positivo. Ainda que longo, vale a pena citar um trecho do texto:

Evidências da acentuada ‘sociologização” do pensamento pedagógico brasileiro — traço marcante do seu estágio atual  encontram-se em ocorrências, mutuamente complementares, observáveis tanto no lado dos cientistas sociais corno no lado dos que se autodenominam educadores. No primeiro caso, destacam-se três: o aumento da produção intelectual dos sociólogos referente a ternas educacionais “velhos” ou “novos”; a nascente preocupação dos economistas com temas da mesma natureza; e a ‘conversão” mais ou menos bem sucedida de antigos educadores ao “estilo de pensamento” pedagógico dos cientistas sociais. No caso dos educadores, as evidências dizem respeito ao que se chamaria de reação à crescente “sociologização” do pensamento pedagógico brasileiro, podendo-se indicar três modalidades dessa reação. A primeira delas, muito grave e a mais extrema, é a do desalento, da autonegação do educador como participante ativo, consciente, do processo de mudança: a educação, “nada mais é ela do que epifenômeno de forças muito mais profundas que controlam a sociedade... Enquando o País não se decidir sobre as suas próprias instituições democráticas e, para ser especifico, sobre o cumprimento de suas constituições, tanto a federal quanto as estaduais, votadas em 46 e 47 e até hoje à espera de execução, pouco podemos fazer, nós educadores, para ajustar as arcaicas estruturas

educacionais vigentes às novas estruturas econômicas, que o processo de industrialização, de qualquer modo, está construindo para o Brasil materialmente desenvolvido de amanhã”. A segunda forma de reação mostra-se, dentre todas, possuir o teor mais positivo. Ela implica, fundamentalmente, uma retração temática, quando comparada com as mais ambiciosas preocupações intelectuais típicas do “estilo de pensamento” tradicional dos educadores. A menor grandiosidade de suas concepções significa, em última análise, a abdicação às tentativas de o educador fornecer respostas acerca das relações dinâmicas entre instituições escolares e estrutura social global. Como que transferindo essa problemática para os cientistas sociais, o educador satisfaz-se com identificar as possibilidades de ajustamento das instituições escolares às necessidades sociais — quase sempre diagnosticadas previamente e em escala crescente pelos cientistas sociais — formulando planos de reforma escolar de amplitude variável e propondo medidas que promovam, por processo de racionalização da organização escolar, maior rendimento das instituições escolares. Não resta dúvida de que os educadores que se comportam nessa linha de investigação e reflexão estão, num certo sentido, identificados com o “estilo de pensamento” dos cientistas sociais e habilitados ainda que às vêzes precariamente, para o aproveitamento do conhecimento que estes vão fornecendo acerca das instituições escolares e de outros setores, componentes e processos mais gerais que ultrapassam o âmbito especificamente educacional. O terceiro tipo de reação dos educadores tem conteúdo conservador, flagrante ou disfarçado. No último caso, presencia-se a persistência do tradicional “estilo de pensamento” dos educadores, agora expresso sob cobertura dada pelo emprego de fraseologia tomada às ciências sociais. Trata-se, na melhor das hipóteses, de pretensas incorporações do conhecimento acumulado pelos cientistas sociais. Os exemplos são numerosíssimos, como aquele dos educadores que, afirmando investigar o tema “economia e educação”, na verdade realizam uma sondagem sociográfica do financiamento escolar e concluem, ao “velho estilo”, que “o investimento econômico em educação é o mais rentável”, o tema “educação e desenvolvimento nacional” tem-se prestado a persistências dessa ordem; e para muitas pseudo -

verdades enunciadas por cientistas sociais também... No caso do conservantismo flagrante, o lema “reconstrução social pela escola”, apoiado na já delineada “teoria geral da sociedade” em que se integra, basta para verificar como a manutenção do tradicional “estilo de pensamento” dos educadores pode ser utilizado como instrumento intelectual e mesmo operatório do status quo não obstante tenha tido caráter “progressista” quando se configurou décadas atrás — o que constitui fenômeno típico de mudança de funções sociais. Como se percebe, a decadência do tradicional “estilo de pensamento” dos educadores não se consumou. Defendido in- conscientemente por muitos dos antigos educadores, recusado por muitos dos novos especialistas em educação, mantém-se ele como componente da ideologia de amplas correntes conservantistas, das quais se afasta, em graus diversos, a maioria dos nossos cientistas sociais. Desse modo, os dois “estilos de pensamento” pedagógico, definidos em termos típico-ideais, aparecem como manifestações de divergências mais inclusivas, em curso na sociedade brasileira do presente, e que, no plano da consciência social, correspondem à fase de transição da estrutura social global (Pereira, L. 1971, p. 206-210).

O quadro descrito acima teve sua validade e, de certo modo, ainda tem. Não só o debate entre “cientistas sociais” e “educadores” ocorreu mais ou menos nesses termos previstos por Luiz Pereira mas o próprio debate geral da literatura pedagógica toda girou, muitas vezes, por entre esses três pontos levantados e enumerados no trecho acima.

Trinta anos depois, em uma publicação oficial do governo federal, através do patrocínio do Ministério da Educação e Cultura (MEC) e do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (INEP), dedicada a um balanço da sociologia da educação, os autores citados acima e mesmo este importante texto de Luiz Pereira não foram lembrados. Tal publicação era o Em Aberto, no seu número 49, do ano de 1990.

Os autores de tal número do Em Aberto estavam, de um modo geral, preocupados em definir o que vinha a ser o que eles chamavam de “a nova sociologia da educação”. Falava-se, é claro, em “teoria da reprodução”, falava-se, também, em “movimentos sociais em educação”  um objeto que se tornou importante em determinado momento para a literatura desta área , mas, de fato, o que aquela publicação marcou foi a presença de escritos de professores como Antônio Flávio Barbosa Moreira, Tomaz Tadeu da Silva e outros, dirigindo os olhares para a

relação entre uma certa literatura sociológica e a “teoria do currículo” ou “sociologia do currículo”.

A literatura da “sociologia do currículo” associada ao que passou a ser conhecido como “nova sociologia da educação” veio principalmente da Inglaterra. Os trabalhos pioneiros vieram de Michael Young. Depois seguidos por autores como Michael Apple e Henry Giroux; o primeiro ficou razoavelmente conhecido no Brasil com posições de crítica social e educacional contra aspectos negativos do “capitalismo e da industrialização”, o segundo já era, antes da fase de democratização, um autor lido no Brasil, dado que escreveu textos marcantes associando o pensamento da Escola de Frankfurt a Paulo Freire para discutir temas educacionais. Atualmente, Giroux tem usado Paulo Freire para associá-lo a uma “pedagogia com temas culturais”, como diferenças étnicas, de gênero, de grupos privilegiados frente a grupos não privilegiados e temas afins142.

Antônio Flávio Barbosa Moreira, ao sintetizar algumas conclusões de Young, colocou uma pauta que, de certo modo, foi seguida durante toda a década de 1990 nas discussões centrais da “sociologia do currículo” pelo autores brasileiros que se dedicaram ao tema. Em “Sociologia do currículo: origens, desenvolvimento e contribuições”, de 1990, ele escreveu:

Segundo Young, educação é uma seleção e organização do conhecimento disponível em um determinado momento, que envolve escolhas conscientes ou inconscientes o que significa dizer que um currículo não tem validade essencial e que reflete a distribuição de poder na sociedade mais ampla.

Para Young, encontram-se, nos currículos, conhecimentos mais ou menos estratificados, mais ou menos especializados e mais ou menos relacionados entre si, Young preocupa-se, especialmente, com a estratificação do conhecimento e a relaciona com a estratificação social. Pergunta ele: que critérios têm sido usados, em uma dada sociedade, para atribuir diferentes valores a diferentes conhecimentos? Como relacionar esses critérios a estratificação deles resultantes às características da estrutura social?

Algumas conclusões são apresentadas. Em primeiro lugar, para o professor, maior status é associado ao ensino de conhecimentos que são:

a) formalmente avaliados; (b) ensinados às crianças mais

142 Sobre isso o autor pode consultar o verbete de Giroux na Enciclopédia On Line de Filosofia da Educação: http://www.educacao.pro.br/cultural_studies.htm

capazes; e c) ensinados em turmas homogêneas e que apresentem bom rendimento. Em segundo lugar, os conhecimentos socialmente mais valorizados parecem caracterizar-se por: a) apresentarem caráter literário; b) serem fundamentalmente abstratos; c) não se relacionarem com a vida cotidiana e a experiência comum; e d) serem ensinados, aprendidos e avaliados de modo predominantemente individualista. Em terceiro lugar, o currículo acadêmico corresponde a uma seleção de conhecimentos socialmente valorizados que responde aos interesses e crenças dos grupos dominantes em dado momento. E a partir dessa seleção que se definem sucesso e fracasso na escola. Uma seleção diferente implicaria, diz Young, uma redefinição desses rótulos. Além de levantar questões sobre as relações entre a estrutura de poder e o currículo, sobre a estratificação do conhecimento e sobre as funções do conhecimento em diferentes tipos de sociedade. Young propõe ainda que os dogmas da ciência e da racionalidade se tornem alvos de investigação (Moreira, 1990, p. 75).

Mais tarde, no decorrer da década de 1990, alguns brasileiros que estiveram envolvidos com essa discussão da teoria do currículo, optaram por ler o filósofo francês Michael Foucault (1926-1984), e se distanciaram um pouco dessas preocupações iniciais, na medida em que suas leituras foram se envolvendo com o neoestruturalismo. Mas, neste caso, todos já estavam mais ou menos, necessariamente, com um pé na filosofia da educação.

8.3.2 Filosofia da Educação, Psicopedagogia e Teorias