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A Educação na Constituinte de 1933-

4. A Segunda República (1930 – 1937)

4.3 As Propostas Pedagógicas dos Anos Trinta

4.3.5 A Educação na Constituinte de 1933-

Em 1° de novembro de 1932, através do Decreto número 20.040, Getúlio Vargas designou uma comissão para a elaboração do anteprojeto de Constituição, a ser apresentado pelo “Governo Provisório” à Assembléia Nacional Constituinte, que deveria ser eleita em 3 de maio de 1933 (as eleições se realizaram, de fato, em 26 de julho de 1933).

A Associação Brasileira de Educação (ABE), por sua vez, na Conferência Nacional de Educação realizada de 1932 na cidade de Niterói sob patrocínio do governo do Estado do Rio de Janeiro, havia decidido pela formação de uma “Comissão dos 10”, que deveria elaborar um estudo sobre “as atribuições respectivas dos governos federal, estaduais e municipais, relativamente à educação”. Tal estudo deveria ser referendado pela “Comissão dos 32”, composta pelos delegados- representantes de cada Estado. E assim foi feito. Anísio Teixeira, já como diretor da Instrução Pública do Distrito Federal, presidiu a “Comissão dos 10”. Fernando de Azevedo, como delegado de São Paulo, presidiu a “Comissão dos 32”. O estudo da ABE transformou-se numa proposta de anteprojeto para o capítulo sobre educação à Constituição (cf. Ghiraldelli Jr. 1991, pp. 83-84).

Não foi difícil para a ABE colocar sua proposta de anteprojeto na mesa de trabalho da comissão do “Governo Provisório” responsável pela elaboração do anteprojeto geral de Constituição. Temístocles Cavalcanti, secretário-geral da comissão, havia sido justamente o político influente que apresentou Anísio Teixeira para o interventor Pedro Ernesto, então prefeito do Rio de Janeiro, aconselhando a nomeação do intelectual bahiano para o cargo de diretor da Instrução Pública do Distrito Federal. O próprio Temístocles era amigo de Anísio Teixeira.

O anteprojeto da ABE, que ficou para a história em texto publicado pela própria entidade em 1934 com o título O problema educacional e a nova

Constituição, foi assinado por Fernando de Azevedo, representando a

“Comissão dos 32”, com uma justificativa assinada por Anísio Teixeira, representando a “Comissão dos 10”.

Na “Justificativa”, os traços do ideário liberal ficaram claros. A “educação nacional” deveria ser “democrática”, “humana” e “geral”, “leiga” e “gratuita”. Por “democrática” o documento entendeu a educação “destinada a oferecer a todos os brasileiros as mesmas opor- tunidades de ordem educacional limitadas tão-somente pelas suas diferentes capacidades”. Por “humana” o documento entendeu a educação “destinada à formação integral do homem e do cidadão”. E a educação deveria ser “geral, leiga e gratuita” para que não houvesse possibilidade de “restrição ou diversificação” entre os educandos de “ordem social, doutrinária, religiosa ou econômica” (cf. Ghiraldelli Jr., 1991, p. 84).

O documento apoiou-se, para a defesa de uma educação “democrática, humana, geral, gratuita e leiga” na “consciência brasileira”. O texto da ABE enfatizava:

Ora, os princípios assentados no anteprojeto encontraram a sua justificativa, exatamente, nesse grande esforço de “fugir às divisões e lutas de classes e de religião, para fundar, deste lado do Atlântico, uma nação livre, social e espiritualmente, e cujos filhos tenham, todos, oportunidades proporcionais às suas capacidades” (apud Ghiraldelli Jr., 1991, p. 85).

O anteprojeto da ABE fixou oito artigos. O documento não reproduzia todas as reivindicações que apareceram, quanto à política educacional, no “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” de 1932. A questão da “escola única”, que aparecia no “Manifesto”, pelo menos ao nível da rede pública, não foi assumida em nenhum momento.58 Pelo contrário, o documento previu a existência de “escolas comuns” e “especiais”, não especificando as diferenças entre tais formulações.

A destinação das verbas públicas para o ensino privado não foi levantada como pomo de discórdia na época. Tratou-se de, segundo o documento da ABE, no máximo, colocar para a União a tarefa de elaborar um “plano nacional de Educação”, determinar a forma de manutenção do ensino público através da fixação das percentagens da renda dos impostos da União, Estados e Municípios e, por fim, criar os Conselhos de Educação ao nível federal e estaduais.

Quanto ao ensino particular, o documento da ABE considerou que tal ensino deveria submeter-se, “na sua organização e funcionamento, às normas fixadas nas leis ordinárias da União e dos Estados”.

Diferentemente do “Manifesto”, a ABE não optou pela regionalização da escola. O texto assumiu que:

A tendência de descentralização administrativa não chegou, entretanto, a levar a comissão a entregar aos municípios a direção dos seus sistemas locais de ensino. Razões provenientes de nossa evolução histórica, do

58 É preciso lembrar que a noção de “escola única” não está afinada com a idéia de uma escola exclusivista, mas sim com a idéia de uma escola unificada. Hoje, este debate não mais aparece no contexto brasileiro. No entanto, durante vários anos ele mereceu atenção dos intelectuais e foi um ponto bastante polêmico, aqui e no exterior. O leitor interessado no assunto pode pesquisar o assunto nos belos livros de Lorenzo Luzuriaga, um dos mais destacados pensadores da educação da América Latina, bem como um importante historiador da educação, cujos livros formaram gerações e gerações de licenciandos e pedagogos no Brasil. Em especial, o leitor pode ver: Luzuriaga, L. A escola única. São Paulo: Melhoramentos, 1934.

estado embrionário da maioria dos municípios brasileiros, como ainda da necessidade de orientação especializada e técnica dos sistemas educacionais, militaram a favor da centralização parcial dos sistemas educacionais nos Estados (apud Ghiraldelli Jr., 1991, p. 86).

A comissão designada pelo “Governo Provisório”, que segundo avaliação da própria ABE compunha-se de “elementos representativos das classes sociais” — elaborou o seu próprio texto para o capítulo referente à educação (capítulo que, no anteprojeto desta comissão, vinha com o título “Da cultura e ensino”).

O texto da ABE chegou às mãos da comissão do “Governo Provisório” que, no entanto, preferiu optar por um documento menos detalhado. O texto da comissão governamental compôs-se de somente dois artigos: o de número 111, seguido de três parágrafos; e o de número 112, seguido de oito parágrafos.

O anteprojeto da comissão criada pelo “Governo Provisório” não fixou as percentagens de impostos que deveriam caber à educação. Retirou do Estado a tarefa de fazer crescer a rede pública de ensino  admitiu o ensino como obrigatório mas não fez nenhum adendo a isto; por exemplo, não propôs que o ensino fosse progressivamente uma incumbência das escolas oficiais. Também não valorizou o crescimento de uma rede de ensino particular, mas determinou a equivalência da educação primária “ministrada no lar doméstico” com o ensino oferecido em escolas oficiais e particulares. O ensino secundário e o ensino superior não seriam gratuitos e o Estado se incumbiria de estabelecer verbas para a manutenção dos “alunos aptos para tais estudos”. (cf. Ghiraldelli Jr., 1991, pp. 86-87).

Quanto à diversidade ideológica interna às escolas, o texto assumiu que deveria ficar “reconhecida a liberdade de cátedra, não podendo, porém, o professor, ao ministrar o ensino, ferir os sentimentos dos que pensam de modo diverso”. Por fim, o anteprojeto da comissão do “Governo Provisório” colocou a religião como “matéria facultativa de ensino nas escolas públicas, primárias, secundárias, profissionais ou normais”.

Diante deste documento do “Governo Provisório”, a ABE reiterou suas posições em novo documento. Para tal, a ABE montou um simpósio na cidade do Rio de Janeiro, em dezembro de 1933, donde saíram as aspirações da entidade em forma de um novo anteprojeto. Nesse novo anteprojeto fizeram-se presentes todos os itens do projeto inicial da ABE, acrescidos de um maior detalhamento dos parágrafos fixadores das percentagens dos impostos que a União, os Estados e os Municípios deveriam destinar à educação, além de estender a obrigatoriedade (e a gratuidade) à educação secundária (cf. Ghiraldelli Jr., 1991, p. 88). A luta interna durante a Assembléia Nacional Constituinte foi intensa.

Quanto à educação, não houve união daqueles que poderiam estar politicamente próximos. No entanto, diante da fragmentação de interesses em relação à questão educacional, a ABE, através dos deputados da União Progressista Fluminense (comandada, na questão educacional, por José Eduardo Prado Kelly, irmão de Celso Kelly que não só foi membro da ABE como também diretor de Instrução Pública do Estado do Rio de Janeiro, e quem sugeriu a realização da V Conferência Nacional de Educação em Niterói, sob patrocínio do governo estadual) e, posteriormente, através da Emenda 1.845, fez vingar a maioria das propostas da entidade, aprovadas na V Conferência de 1932.

A Emenda 1.845 foi subscrita por Prado Kelly, Amaral Peixoto (DF), Portos Vidal (MG), Godofredo Vianna (MA), Fernandes Távora (CE – “líder do Partido Social Democrático”), Carlos Reis (MA), Kerginaldo Cavalcanti (RN), Alberto Surek (“representante dos profissionais liberais”), Agenor Monte (PI), Waldemar Motta (DF), Álvaro Maia (AM) e Teixeira Leite (PE).59

Segundo a própria ABE, tal emenda, uma vez fixada na Constituição, deveria garantir “autonomia de direção nacional do ensino”, “competência dos Estados para administrar e custear os seus sistemas públicos de ensino”, “intensa atividade estimuladora e coordenadora por parte da União”, “possibilidade de uma autonomia municipal progressiva no assunto”, “objetivos sociais da educação”, “direito do indivíduo a recebê-la dos poderes públicos”, e, além disso, tal emenda deixava “em aberto a possibilidade do ensino religioso facultativo”, adotando “um ponto de vista moderado no assunto” (cf. Ghiraldelli Jr., 1991, p. 96). O texto aprovado pela Constituinte, e que se fixou no capítulo “Da educação e da cultura” da Carta Magna, garantiu a gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário integral, assegurou a idéia da “tendência à gratuidade do ensino ulterior ao primário”. O reconhecimento dos estabelecimentos particulares de ensino ficou condicionado ao fornecimento de um “salário condigno aos professores”; a ‘liberdade de cátedra” foi aprovada sem ressalvas; foi fixada em “nunca menos de 10%” a quantia a ser retirada dos impostos arrecadados pela União destinada ao “sistema educativo”. Pode-se dizer, portanto, que, em relação à primeira constituição republicana, a de

59 O leitor não deve estranhar ao notar que alguns constituintes eram representantes de estados, outros de partidos e outros, ainda, de categorias profissionais etc. Isso se explica por causa de que a Assembléia de 1933-34 foi criada sob a inspiração da idéia de “Estado Corporativo”, ou seja, um Estado representado por categorias e não por partidos. No entanto, não adotamos tal idéia na sua completude. Adotamos uma fórmula mista, que não incluía apenas categorias profissionais, como a direita (os integralistas, por exemplo) queria, nem exclusivamente partidos, como o liberalismo pregaria, nem exclusivamente representantes estaduais, como o regionalismo vigente desde a Primeira República pregava.

1891, a educação associada às idéias democráticas foram melhor acolhidas na Carta Magna de 1934.

Em relação à disputa entre ensino público versus ensino privado, a Carta de 1934 trouxe dois princípios, posteriormente repetidos em outras Constituições, que abriram espaços para que o fluxo de recursos públicos pudesse ser canalizado para entidades privadas. O art. 150, item “e”, colocou que à União cabia “exercer ação supletiva onde se faça necessária por deficiência de iniciativa ou de recursos e estimular a obra educativa em todo o país por meio de estudos, inquéritos, demonstrações e subvenções”. O art. 154, por sua vez, isentou de impostos os “estabelecimentos particulares de educação primária gratuita ou educação profissional gratuita”. Esses dois artigos, de certa maneira, praticamente “oficializaram” a rede de ensino particular e a estimularam, obviamente em detrimento da rede pública (cf. Ghiraldelli Jr. 1991, pp. 97-98).