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O Prazer da Liberdade

No documento Marcados Pelo Amor (páginas 79-83)

Anos atrás

Capítulo 19 O Prazer da Liberdade

Capítulo 19 – O Prazer da Liberdade

A liberdade é a maior dádiva que pode ser concedida aos homens. Ser livre para viver a própria existência é um tesouro que muitos só dão valor quando o perdem, quando são forjados de seu poder de escolha, quando são ultrajados daquilo que nos garante a possibilidade de inventar, criar, refletir, decidir dentre as opções qual a melhor agrada.

Felipe, por sua vez, até poucos dias acorrentado por uma sociedade fria e injusta, aprisionado sendo inocente, encarcerado sem nada dever, agora aproveitava a chance que tinha para desfrutar da liberdade, não se cansava de exercer o dom que possuía, não se enfadava de agradar a própria alma a partir do melodioso som que tirava do violino.

Som que atravessava as paredes.

Som que tocava os corações.

Rute, vizinha de Victor, rendida aos dias de intensa solidão, sequestrada por um passado cruel que insistia em se fazer presente, ainda de manhã, quando o sol é agradável àqueles que sabem apreciá-lo, recostou-se na varanda de seu quarto, atentou-se a música que soava, que entrava em seus ouvidos e trazia calma ao seu espírito atordoado. Queria saber quem era tão talentoso músico. Queria saber por que nunca havia tocado antes, por que escondera por tanto tempo a preciosidade que era capaz de oferecer aos sedentos por paz.

— Linda melodia, não acha? — Sara adentrou o cômodo de sua ama, repousou sobre o criado-mudo a bandeja de café, aproximou-se da mulher mascarada —.

Nossas manhãs têm sido mais leves desde que decidiram nos presentear com som tão belo...

— Quando mais jovem, quando as coisas pareciam mais fáceis e o futuro se dizia um grande presente, amava tocar, meus dedos dançavam sobre o piano, ficava horas incansáveis protegendo minha mente de pensamentos estrondosos através de músicas sutis e envolventes, era um prazer... — nostálgica, mantendo os olhos fechados a fim de apreciar a mais discreta das notas, Rute fez uma visita ao passado, antes do tempo se fechar, antes das nuvens encobrirem o céu e o sol perder seu lugar.

— Adoraria vê-la tocar... — a garota se mostrou curiosa, sabia que o piano na sala era mais do que um enfeite, representava parte da triste história daquela que perdera a satisfação das coisas que antes não se imaginava sem —. Não pode deixar que os maus momentos levem embora sua alegria pela vida, nossa experiência nesse mundo é efêmera, não podemos perder o precioso tempo...

— Quando estiver mais velha compreenderá que feridas no coração custam a se fechar, ainda que cicatrizadas garantem sequelas profundas, é difícil voltar a acreditar... — abriu os olhos apagados, levou o olhar à garota cheia de sonhos e expectativas, cheia de vontade pela vida —. Meu tempo se foi, não tive sorte, mas

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80 Capítulo 19 – O Prazer da Liberdade

você ainda possui uma longa estrada a caminhar, pode ser forte e fazer valer os nobres pensamentos que possui — aconselhou Sara como a mulher que lhe dera a luz, ainda que não confessasse, ainda que não abrisse as cortinas, amava-a com o amor materno.

— Serei tremendamente feliz quando vir o brilho no seu olhar... — assegurou empática —. Tome o café, preparei com todo o carinho, em poucos minutos irei às compras, se quiser me acompanhar será um prazer — como sempre, fez o convite.

— Quem sabe um dia... — como sempre, negou —. Aproveite e compre um vestido para você, não se importe com preços, mas apenas com o seu gosto.

— Mas há poucos dias sugeriu o mesmo...

— É o mínimo que posso fazer, minha querida, se ainda estou em pé devo à sua companhia!

Ao dar a última nota, Felipe abriu um sorriso espontâneo. Quando provou da boa felicidade? Quando imaginou que faria o que mais gostava livremente? Parecia um sonho, mas tinha consciência de que vivia a melhor das realidades.

— Ainda não consigo acreditar que aprendeu a tocar apenas sendo curioso, com tanta perfeição fica difícil de convencer! — Victor, sempre espantado com a desenvoltura do jovem violinista, orgulhava-se por contribuir com alguém que via sentido na vida quando entre os dedos colocava o violino.

— Eu acredito que nascemos com algum propósito, uns o encontram de repente, outros precisam procurá-lo, mas todos temos algum objetivo — Felipe, permitindo-se aos belos encantos do filosofar, descobrindo que viver era muito mais do que servir, dava também conselhos, oferecia reflexões, inspirava o bom homem a prosseguir em seus intentos.

— Precisamos fazer algo para que essa cidade o ouça. Você merece ser reconhecido pelo seu dom e as pessoas precisam entender que não importam as diferenças, somos todos de uma mesma família, temos muito a contribuir uns com os outros, precisamos nos enxergar como irmãos!

— Não quero reconhecimentos, quero apenas tocar minha música, permitir que meu coração fale...

— Se se mostrasse ao mundo poderia até mesmo encontrar um amor... — tentou encorajar.

O jovem garoto ficou pensativo por alguns instantes, nunca pensou em formar uma família, em construir com alguém uma história incrível, afinal, esteve condenado à servidão, fadado a viver por interesses alheios e egoístas, mas agora, desfrutando da liberdade, descobriu-se livre para pensar no amor. Mas ainda assim sentia receio, não queria arriscar, embora sentisse segurança ao lado daquele que tão bem o acolhera não se sentia preparado para lutar contra um povo preconceituoso, inflado em ódios incabíveis, em anseios perversos.

Preferiu mudar a resposta.

— Você encontrou o seu amor?

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81 Capítulo 19 – O Prazer da Liberdade

Victor ficou em silêncio, refletiu sobre os anos de vida, relembrou o passado, quando perdera os pais em nome da maldade, da perversão, em nome de interesses nojentos de homens desprezíveis. Não teve um amor que o ajudasse nos dias difíceis.

— Passei minha vida honrando a memória de meus pais, em alerta para que nenhum inimigo me atacasse desprevenido, vejo que não me atentei ao meu coração, os anos se passaram e sozinho estou...

Alguém bateu à porta.

O desabafo precisou terminar.

Simpático, como sempre o era, Victor não tardou em atender o inesperado visitante, não escondeu, também, o espanto

— Sara?!

— Estou indo às compras, mas antes precisava vê-lo, é meu dever agradecer por estar garantindo manhãs, tardes e noites mais agradáveis, sua música nos envolve de uma forma que nada pode se comparar... — a boa garota, amiga do educado sujeito há um bom tempo, exibiu toda a admiração —. O que me espanta é que tenha escondido todo esse talento!

Por uma questão de segurança, Victor pensou em esconder a verdade, aceitar os elogios e ser tido como um artista de ímpar sensibilidade, mas achou injusto tomar para si a glória daquele que de fato a merecia, considerou que Sara era alguém de confiança, mais que isso, alguém de nobre alma que não se incomodaria com a verdade.

— Importa-se de entrar por alguns minutos? Prometo não tomar muito do seu tempo.

— Alguns minutos não fazem mal — a jovem moça cruzou a entrada —, ainda mais se for para ouvir de perto o que tem confortado meus dias.

— Precisa saber que não sou eu o músico que tem alegrado suas horas.

— Mas poderia jurar que o som vem daqui.

— Sim, não está enganada, mas não sou eu o artista — o anfitrião conduziu a convidada até a sala de sua casa, ofereceu-lhe para que se sentasse —. Antes de lhe conceder o prazer de conhecer o verdadeiro autor preciso que me prometa guardar segredo, nem todos estão preparados para a descoberta que fará.

A garota assegurou que era de confiança, estava ansiosa por dar os parabéns ao merecedor de sinceros aplausos. O bom homem pediu licença, disse que voltaria em breves segundos, traria consigo o violinista que anonimamente encantava a vizinhança.

Felipe se apresentou.

Tímido. Acanhado.

Apresentou-se como o músico que impressionava, que encantava, que fazia suspirar, que fazia sonhar quem fosse agraciado pelo divino som que ofertava, o músico que também poderia se impressionar e encantar-se, o músico que se impressionou e se encantou pela beleza da admiradora que não sabia ter.

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82 Capítulo 19 – O Prazer da Liberdade

Sempre extrovertida, Sara parabenizou o jovem garoto pela bela arte que fazia, mostrou-se grata por alguém que de tão imensa nobreza compartilhar o de que melhor tinha a dar, mostrou-se também indiferente às diferenças, importava-se apenas com o ser humano.

Pediu uma música.

Felipe não negou.

Enquanto se entregava ao momento de pura emoção que apenas a música é capaz de causar, Sara percebeu algo estranho em seu ser, passou a observar o músico que tinha a sua idade com olhos que iam além da admiração, com olhos de carinho e interesse, um interesse que não conseguira explicar, apenas sabia que era agradável de sentir.

Da liberdade nascia um novo amor.

Continua...

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