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Indesejável Despedida

No documento Marcados Pelo Amor (páginas 32-39)

20 anos depois

Capítulo 07 Indesejável Despedida

Capítulo 07 – Indesejável Despedida

A opressão é violenta, é a precursora de terríveis tragédias, causa feridas nos mais fracos, machucados que não cicatrizam, que ardem a cada dia, que todas as manhãs despertam junto ao sol. Os oprimidos, sedentos por liberdade, desejosos por voarem e sobrevoarem aos limites da vida, angustiam-se frustrados, indignados por não alcançarem o privilégio de viverem uma vida plena, feliz, a vida que almejam.

Ana Albuquerque, apesar de ser filha do barão, sentia-se oprimida, acorrentada, presa por pensamentos tolos que decidiam sobre suas vontades, que ditavam os seus caminhos e definiam o seu destino. Era oprimida pelos conceitos da sociedade na qual o pai era venerado, temido, respeitado como um governante de imensos poderes.

Era oprimida por um sentimento fatal.

Cresceu acreditando que os negros eram bem cuidados, protegidos, que trabalhavam para sobreviver, que eram tratados da forma como mereciam. Contudo, conforme o tempo passava, sua mente amadurecia, permitia-se aos ensinamentos da mãe, declinava-se aos preceitos daqueles que, enojados, queriam mudar a história. A crença preconceituosa se desfez facilmente. Ainda que em segredo, ocultando de Frederico os pensamentos que a dirigiam para a postura resistente, a jovem moça se desvinculou dos preceitos desumanos e tomou para si as dores de um povo injustiçado, condenado a servir sua própria espécie.

A revolta ganhou maior intensidade quando Ana fez a mais angustiante ao mesmo tempo em que agradável descoberta de sua curta vivência nesse mundo, foi quando aceitou que era apaixonada por um alguém especial, que gostava de um rapaz que não deixava seus intentos, que amava o jovem Artur, o escravo odiado pelo barão.

Ainda crianças, nascidos praticamente ao mesmo tempo, descobrindo as curiosidades da vida juntos, Ana e Artur firmaram uma amizade unida, exemplar, uma amizade que suas mães não ousaram arruinar, ao contrário, uniram-se para que a saudável relação entre as crianças pertencentes a universos tão distantes pudesse se fortalecer e, quem sabe, ter a força necessária para alterar o sistema opressor.

Juntos vivenciaram as dúvidas e incertezas da adolescência, construíram planos, sonharam com futuras realizações, foi quando passaram a distinguir a realidade que os separava, que os tornava tão diferentes, que a uma privilegiava e ao outro arruinava. Porém, não deram importância ao surreal, mantiveram-se naquela relação que deixou de significar uma simples amizade para ganhar a forma do mais poderoso amor.

Ao descobrirem que se amavam, provaram de terrível amargura: as chances de juntos permanecerem, de terem a própria família, de viverem a mesma história, eram mínimas, praticamente não existiam, teriam que lutar uma batalha para a qual não se sentiam preparados, contra a qual não confiavam que venceriam. Tentaram se

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33 Capítulo 07 – Indesejável Despedida

afastar, tentaram dessa forma afogar um sentimento superior ao nosso entendimento, superior ao nosso controle, um sentimento que governa nossas ações e domina os nossos desejos.

Foram incapazes de derrotar o amor, a amarga distância teve que ser encurtada em nome do laço íntegro e verdadeiro que os unia, que os envolvia, que prometia prendê-los um ao outro por toda a eternidade. Tiveram que confessar a inviabilidade de viverem sem aquela intensa união, era preferível sofrer, chorar, agonizar pelo simples fato de se amarem.

Escolheram viver o amor.

Na hora certa levantar-se-iam contra todos que se opusessem, para eles não importariam as opiniões, os espantos, as ameaças. Apenas se interessavam por mostrar ao mundo que contra o amor não há conceito que prevaleça.

— Supliquei tanto pela sua vida, não poupei lágrimas enquanto mantinha os joelhos dobrados, meus pressentimentos eram ruins, sabia que era loucura enfrentar alguém tão insano, mas quem o convenceria disso? — na beira do rio que cortava a fazenda e seguia seu rumo, Ana passava o óleo no rosto do namorado, fazia o possível para que o ferimento cicatrizasse, fazia o possível para demonstrar a quem amava que sempre estaria ao seu lado.

— Não precisa se preocupar tanto, nem se afligir, se fosse para ter essas delicadas mãos passeando em minha face, eu cometeria tamanha loucura inúmeras vezes — sentado sobre a grama, recebendo os cuidados daquela cujo aroma era capaz de acelerar sua alma, Artur sentiu também o coração se aquecer por ter a certeza de que era verdadeiramente amado, era enriquecido pelo amor de uma pessoa que em muito admirava.

— Sabe que é impossível não me preocupar, não me afligir, não derramar lágrimas quando sei que alguém que estimo corre riscos sobre os quais não possuo o mínimo domínio, sabe que tenho medo de perdê-lo — acariciando o rosto do rapaz não mais para espalhar o medicamento, mas em um gesto de profundo afeto, de doce carinho, a moça observou o olhar que brilhava apesar de tantas adversidades, o olhar que não perdia as esperanças sobre os dias de glória —. Sinto muito que tenha se machucado, sinto muito que tenha sido meu pai o causador desse incômodo, sinto muito que não possamos ser como tantos casais... — seus olhos se encharcaram, o peito se afligiu, sentiu vontade de chorar, por algum momento se sentiu incapaz de aguentar tantos sofrimentos em nome da felicidade.

— Não deve se culpar por nada que tenha acontecido, a escolha foi minha, eu quis enfrentar esses miseráveis, eu quis mostrar ao meu povo que passivos e calados nunca despertaremos do pesadelo... — levando os dedos ao rosto delicado, o jovem escravo não permitiu que a lágrima de sua amada caísse em vão, colheu-a dos olhos que remetiam ao pôr-do-sol —. E nem deve se preocupar pelas coisas que poderei sofrer, que poderemos passar, escolhemos juntos lutar pelo que queremos, estaremos juntos nas consequências dessa escolha!

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34 Capítulo 07 – Indesejável Despedida

— Precisa me prometer que tomará mais cuidado daqui por diante, que fará o possível para que não o firam — levou as mãos aos cabelos do amante, a sensação dos dedos por entre os fios era agradável à sonhadora Ana —. Pode me prometer que evitará se meter em confusões?

— Não posso desistir...

— Não quero que desista, mas se estamos mesmo juntos apenas quero que me ouça, que siga o meu conselho, com precipitação travaremos confrontos inúteis, mas preparados e organizados abriremos os portões e arrebentaremos as correntes para nunca mais sermos aprisionados!

A coragem que existia em Ana, a valentia, o desejo que alimentava por ajudar um povo que tantos desprezavam, eram valores que, aos olhos de Artur, embelezavam-na mais, deixavam-na ainda mais atraente e ele se apaixonava não apenas pela beleza física, mas pela alma valorosa.

Desejoso por aquilo, o jovem rapaz atraiu a boa donzela para si, encarou-a nos olhos, cedeu o sorriso que a balançava, beijou-a com ternura, saboreando o suave gosto do amor que quanto mais os anos passavam mais crescia, mais evoluía, mais se intensificava.

— É claro que prometo — repousou o rosto sobre o ombro da amada —. Faria qualquer coisa por amá-la...

No entanto, aquele momento de tão agradável paz e intimidade entre um casal que se amava apesar das circunstâncias para que experimentassem sentimentos contrários, precisou se encerrar quando da mata, por sobre as folhas caídas no solo, o som de passos pôde ser ouvido. Indesejavelmente, os jovens se separaram, escondiam mais uma vez o tesouro que guardavam.

— Aqui está você! — Sebastião, o capanga de Frederico, munido por armamentos que o deixavam com aspecto intimidador, fez soar a repulsiva voz aos ouvidos de Ana —. Seu pai está à sua procura.

— Diga que não demoro — molhando os pés na correnteza, Ana respondeu.

— Seu pai não gosta de esperar...

— Isso é um problema dele — sempre independente, não cedia aos caprichos de ninguém, de forma velada se mostrava alguém que mais cedo ou tarde questionaria os duvidáveis posicionamentos de uma sociedade tão hipócrita.

Insatisfeito pela resposta, Sebastião seguiu seu caminho.

Após alguns minutos de extremo silêncio, Ana gesticulou para que Artur saísse da água, esteve escondido na borda do rio.

— Preciso ir, mas estarei ansiosa para que o sol nasça outra vez e contemple o seu rosto.

— Passarei o dia pensando na mais bela das moças...

Beijaram-se sutilmente.

O beijo da despedida.

Indesejável despedida.

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35 Capítulo 08 – O Protetor

Capítulo 08 – O Protetor

Deitado sobre a relva molhada pelo orvalho da manhã, o adolescente despertou quando o raio de sol, atravessando os espaços por entre as folhas das copas corpulentas de árvores robustas, tocou seu rosto anunciando que a noite se fora, o dia chegara e com ele os perigos que o cercavam.

Espreguiçando-se, observando o ambiente ao redor na esperança de encontrar algum fruto que lhe servisse de café da manhã, Felipe, o filho de Adelaide, irmão de Artur, o foragido da fazenda de Frederico, aprumou a sacola nos ombros e passou a cambalear sobre as folhas que cobriam o solo.

Felipe era um garoto corajoso e sonhador, seu passatempo predileto era criar música, tirar som dos instrumentos que encontrava. Amava violino. Uma vez, responsável por buscar água no poço, deparou-se no caminho com o instrumento de cordas abandonado, levou-o consigo, fez os ajustes necessários e levou música à senzala. Porém, aqueles que dominavam e oprimiam os negros, não se sentiram confortáveis com o dom do adolescente, não se conformaram que alguém que subestimavam possuía um talento tão admirável. Silenciaram-no. Proibiram-no de fazer o que mais gostava, aquilo que o aliviava da cruel perseguição.

Nunca negou que amava a família, mas também nunca escondeu o desprazer que sentia por viver uma vida tão miserável. Queria se arriscar, queria ter a oportunidade de mostrar ao mundo que não servia apenas para puxar carroças, para trabalhar incansavelmente por um prato de comida, mas que tinha algo a oferecer, o seu melhor, a sua música!

Encorajado pela mãe, que o enxergava realizado, e motivado pelo irmão, que ansiava vê-lo voar, Felipe se alimentou de forças e esperança, aceitou a oportunidade de fugir, de se libertar, de fazer história e provar aos seus irmãos que eles não deveriam se render, aceitar calados a ignorância do homem branco, mas que precisavam lutar pelos próprios ideais, pela própria ascensão.

Não tinha nada a não ser a vontade de crescer.

Essa vontade o acompanhava na mata imensa.

Deveria seguir ao quilombo, lugar onde escravos foragidos se reuniam e viviam seguros da prisão, aguardavam por ele, asseguravam que lá teria condições de se desenvolver como o músico que sonhava. No entanto, seguindo nos passos tortuosos, ouviu vozes raivosas.

Interrompeu o caminhar.

Encostou-se na árvore volumosa.

Fez o mais absoluto silêncio que conseguira.

— Foi tudo planejado, não há a menor dúvida! Aproveitaram a confusão para que o insolente fugisse, mas não pode ter ido longe, não passa de um manco que

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36 Capítulo 08 – O Protetor

pensa ser digno de aplausos, pobre coitado... — um dos homens armados disse ao outro, trabalhavam para Frederico, estavam à procura do foragido.

Felipe conseguiu ouvir a ameaça, foi quando o receio soprou em seu ouvido, angustiou sua alma e trouxe dúvidas a sua mente. Deveria ter imaginado que era loucura, era insano, era imprudente seguir com o plano. A quem intencionava enganar? Ao poderoso barão? Ao homem cruel que não se rendia em guerra alguma?

Concordou que não passava de um manco, concordou que não deveria sonhar com a música, não era digno de reconhecimentos, deveria se reduzir à insignificância com a qual era tratado.

Prestes a desistir de tudo, recordou-se de uma promessa.

A mais importante.

Poucos dias antes...

Ao final da tarde, quando os escravos se dirigiam à senzala na ânsia de descansarem os corpos pelo árduo dia de labuta, Artur levou o querido irmão ao riacho onde se encontrava com Ana, contou a ele o que ali acontecia, a perigosa história de amor que vivia e o que o fortalecia para tal loucura.

— Não quero perder quem amo, quem garante prazer aos meus dias, quem me oferta sonhos tão prazerosos em muitas noites, não quero perder aquela que representa o futuro, a vitória, a eterna felicidade — encarou o adolescente —. Um dia você compreenderá que em nome do amor somos capazes de coisas das quais correríamos, coisas que evitaríamos, esse sentimento tão nobre é a arma do guerreiro!

— Sempre percebi que a filha do barão tem uma maneira diferente de nos tratar, mas nunca imaginaria que ela e meu irmão são tão próximos ao ponto de arriscarem suas vidas...

Vale mesmo à pena?

— Qual é o seu maior sonho?

— Você sabe... — levou o olhar juvenil às águas cristalinas —. Queria que as pessoas ouvissem minha música...

— Não se acha digno de tal conquista?

— Talvez...

— Talvez não, você é, nós somos! — colocou a mão sobre o ombro do irmão —. Não acredito que estejamos nesse mundo para vivermos como os animais, para sermos míseros serventes que satisfazem uma gente cruel e gananciosa, temos algum propósito e todo o esforço que fizermos por ele valerá muito a pena! — foi encarado pelo olhar do mais novo, o olhar que necessitava de coragem —. Ana me ama, sinto isso todas as manhãs, e eu a adoro, não posso negar o que sinto e nem permitir que me digam quem eu devo ou não amar, esse sentimento é independente de conceitos, apenas existe e se eu precisar sofrer por ele estou disposto a todas as dores porque acredito que sou um ser humano como todos os outros, sou digno de ser feliz!

— Está dizendo isso para me encorajar?

— Acredito em você, no seu tamanho, na sua força e quero muito vê-lo sobrevoar os limites impostos, quero que seja feliz, que possa esquecer as angústias desse mundo enquanto se

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37 Capítulo 08 – O Protetor

preocupa apenas com a própria realização — lançou um sorriso ao menor —. Quero dizer ao mundo que o meu irmão é o melhor violinista que poderia conhecer!

— Não sei se conseguiria deixá-los... — amava a família como seu mais precioso bem.

— Nossa distância será momentânea e a sua felicidade recompensará a saudade — trouxe o mais novo para um abraço cheio de fraternidade —. Promete que vai escolher aquilo que o fará feliz?

— Prometo que seremos felizes...

Se desistisse, se naquele momento de adversidade retrocedesse no caminhar, não garantiria alegria àqueles que confiavam no seu potencial, que seriam capazes de tudo para que ele realizasse seus sonhos.

Queria fazer a família feliz.

Mais do que o orgulho dos outros, queria orgulhar a mãe e ao irmão.

Respirou fundo.

Avançou.

Porém, os homens maldosos ouviram os passos apressados, gargalharam ao avistar o garoto manco caminhando desesperado, fizeram disparos aleatórios, instauraram pavor no coração do pobre Felipe que, perdendo o equilíbrio, tombou sobre o chão.

— A valentia de vocês, bando de imprestáveis, é uma verdadeira e incontestável piada! — um dos homens exclamou —. Pena que não gostamos de rir.

Os opressores avançaram.

Mas foram paralisados pela surpresa indesejável.

Montado no cavalo preto, vestindo a capa famosa pelas redondezas e escondendo o rosto atrás da máscara que muitos adorariam arrancar, o Protetor surgiu no meio da mata, galopava furioso, o animal relinchava poderoso.

Os homens se assustaram, conheciam a fama do sujeito impiedoso com os inimigos, cruel com aqueles que oprimiam e escravizavam seres humanos, bondoso com aqueles que precisavam de misericórdia.

Tentaram correr.

Mas o Protetor os cercou.

— O que pensavam fazer?

Ninguém respondeu.

— O que pensavam fazer?! — pulou do cavalo, tirou da bota esquerda o canivete afiado, o terror dos capangas.

Disparos altivos.

Era uma emboscada.

Tinham certeza de que o Protetor surgiria para defender o inofensivo adolescente, era a valiosa oportunidade que buscavam para colocar as mãos em alguém que por fazer o bem era terrivelmente odiado, homens pularam das árvores, fechavam o cerco.

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38 Capítulo 08 – O Protetor

Sem tempo para cobrar dos inimigos todo o mal que deviam, o Protetor assoviou para o animal que se colocou em posição de corrida, jogou o jovem escravo no lombo do cavalo, montou no quadrúpede em um gestou ousado, suplicou aos céus para que os tiros raivosos não os atingissem.

Já próximos da cidade, longe da fazenda do barão e de seus termos, o Protetor recomendou a Felipe que entrasse na primeira hospedaria que encontrasse, um amigo especial o receberia com conforto e segurança. Conhecendo aquilo que sempre acreditou que não passasse de um personagem lendário, o adolescente obedeceu, confiou no sujeito misterioso, não tinha ninguém mais em quem pudesse acreditar.

Voltando solitário para a mata, o Protetor adentrou a caverna onde escondia seu fiel companheiro, tirou a roupa de guerreiro, ajeitou os cabelos desgrenhados, agradeceu por ter tido a oportunidade de mais uma vez honrar a memória do pai.

O Protetor tinha um nome, uma identidade, uma história: chamava-se Victor Ferraz.

Continua...

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