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Símbolo de Resistência

No documento Marcados Pelo Amor (páginas 161-165)

Anos atrás

Capítulo 43 Símbolo de Resistência

Capítulo 43 – Símbolo de Resistência

Qual o preço de um ser humano? Pergunta descabível. Pergunta indigesta.

Pergunta que teve sua resposta em períodos tão bárbaros e grotescos na história da humanidade. Resposta miserável, dada por sujeitos arrogantes e soberbos que não se preocupavam com a saúde de seus escravos por serem bondosos ou prestativos, preocupavam-se com o dinheiro investido – um escravo morto representava prejuízo no injusto mercado humano.

— Como isso aconteceu?! — ao receber a notícia do falecimento de um dos negros, Frederico levantou-se rispidamente atrás de sua mesa, exigiu explicações —.

É pago para que evite imprevistos como esse!

— Não me culpe, não teria conseguido evitar — Sebastião se justificou —.

Encontrei-o estendido sobre o chão rodeado pelos escravos, perguntei quem o ferira, disseram que se sentia cansado pela lida e que almejava voltar para casa. Matou-se.

— Quer dizer que esses desgraçados acreditam que a morte os levará de volta para o buraco de onde saíram? — o barão riu desacreditado, tornou a se sentar, julgou ter assuntos mais sérios a tratar —. Deixe que o enterrem, quem sabe dão sossego...

— O senhor não agirá com energia? — o capanga indagou —. Ele era o mais experiente de todos!

— Acha mesmo que estou preocupado com a vida de um negro velho? Mais cedo ou tarde isso aconteceria, já não rendia o necessário para permanecer vivo, fez um favor.

— Não vejo como um favor, mas como gesto de resistência — Sebastião alarmou —. Todos o respeitavam, dispunham-se a me confrontar por sua causa, agora choram copiosamente sobre ele como se fosse um mártir, far-lhe-ão de personagem heroico e começarão a imitar o seu gesto na esperança de voltarem para casa e reencontrá-lo. Ainda acha que é um favor?

Envenenado pelo astuto discurso, Frederico exigiu que trouxessem o corpo, teria que agir se quisesse evitar perdas significativas, seus prisioneiros custaram dinheiro, um dinheiro que precisava de reposição através da perniciosa labuta.

Titubeantes, os escravos se reuniram em frente à casa grande, formavam um grande grupo, entre eles era possível ouvir murmúrios, cochichos de preocupação sobre o que estava para acontecer, sussurros que questionavam o que fizeram com o corpo do falecido.

Na sacada de sua esbelta construção, Frederico apareceu acompanhado por sua esposa e pela filha, encarou os negros com seriedade, com ira, tinha certeza de que os assustaria, de que ninguém jamais ousaria contra a própria vida.

— Bando de ignorantes medíocres! — começou o discurso com forte agressão — . Deveriam agradecer por terem tido a oportunidade de conhecerem o verdadeiro

Marcados Pelo Amor escrito por Amilton Júnior

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162 Capítulo 43 – Símbolo de Resistência

mundo, de conviverem com pessoas de verdade que possuem a verdadeira cultura, o que as fazem serem dignas de se chamarem seres humanos, mas, ao invés de gratidão, preferem pela tolice, agem na sombra da ilusão. Querem retornar à África?

Seria mais inteligente que nadassem sobre o mar, não que tirassem a própria vida esquecendo para trás os próprios membros — virou o caixote de cinzas sobre os escravos, viu o pó ser dominado pela dança do vento —. Para voltar para casa precisam do corpo inteiro — lançou uma piscadela ao capanga posicionado ao seu lado, o gesto com a cabeça autorizou que Sebastião lançasse no meio da multidão o crânio do velho tão amado —. Precisam, mais ainda, que a cabeça esteja presa ao pescoço! — ignorou as lágrimas de assombro, de amargura e ira —. Pensem bem nos atos que praticam! — esbravejou para que tivesse clareza —. Das minhas mãos ninguém alcançará misericórdia! — finalizou.

A revolta ganhou proporção nos corações daquelas que foram capazes de se conectarem aos oprimidos e provarem do fel ao qual todos os dias eram obrigados.

Não conseguiram manter o silêncio. Não era possível manter a neutralidade diante um ato tão ordinário.

— O que foi aquilo? — dentro de casa, antes que o pai saísse da presença de sua família e prosseguisse em seus negócios, Ana o confrontou destemidamente —.

Consegue definir o que foi esse comportamento nojento, diabólico e doentio? Essa falta de respeito já foi longe demais, tornou-se insuportável apenas para quem a assiste, fico imaginando o que representa para quem a vive!

— O que essa negrada insolente sente ou deixa de sentir não é problema seu, não venha defendê-los, não se compare a essa escória! — Frederico se aproximou da jovem mulher, fuzilou-a pelo olhar penetrante.

— Escória? Eles que construíram todo esse império, eles que possibilitam o seu enriquecimento, e é capaz de chamá-los de escória? — Laís defrontou o detestável marido —. Você! Você é o miserável! Você é o desgraçado! Desrespeita até mesmo a morte dessa gente que lhe entrega o sangue, não passa de um monstro desprezível! — estava descontrolada, não conseguia acreditar na feitura do sujeito desalmado, não acreditava na ameaça que dirigia ao povo tiranizado.

— Vagabunda dissimulada! — agrediu a face da esposa com força o bastante para propulsá-la sobre o chão —. Como se não bastasse agir como uma prostituta indecente traindo a mim ainda se coloca na posição de me enfrentar?! — a voz potente chamou a atenção daqueles que trabalhavam na casa, daqueles que tinham apreço pela amável mulher, daqueles que em suas preces pediram misericórdia à baronesa —. Essa será a última vez que me desrespeita, garanto que pensará infinitas vezes antes de me contestar! — embrutecido, levantou a baronesa do chão, pouco se importou com suas lágrimas desesperadas, passou a arrastá-la com violenta força.

— Deixe-a em paz! — apavorada pelo que aconteceria à mãe, Ana agarrou o homem cruel pelo braço, mas acabou arremessada contra a parede, sentiu a dor do impacto.

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163 Capítulo 43 – Símbolo de Resistência

— Não se meta! — o barão dirigiu-se à moça —. Se não quiser ver essa ingrata no tronco é bom que fique onde está, que não me importune, que siga o meu conselho!

Ninguém pôde conter o sujeito desgovernado.

Perceber que perdiam o temor sobre sua autoridade o atemorizou.

Precisava reassumir o medo que ofertava.

— Para onde está me levando? — pranteando enquanto era forçada a descer as escadas que eram engolidas pela escuridão, Laís implorou por esclarecimento, as lágrimas não cessavam, a angústia era ardente.

— Cala a boca! — Frederico não suportava mais ouvir os clamores desesperados da esposa que a cada dia se rebelava mais, interrompeu os passos, forçou-a contra a parede, bradou a plenos pulmões: — Não quero ouvir nem uma palavra! — prosseguiu no ato covarde, agressivo, assustador.

O barão abriu a porta de metal.

Lançou a mulher apavorada para dentro do apertado compartimento.

Trancou a passagem da solitária.

— Já que se comove tanto por aqueles negros, veja se é capaz de suportar as mesmas experiências, não hesitarei em lançá-la entre eles, aproveite esse tempo para refletir!

Ignorou as altivas súplicas por compaixão.

Trancafiou a própria esposa na masmorra.

¤

Além de fúnebre e sombrio, o clima na senzala era de revolta e desforra. Os negros, cabisbaixos, elevavam pensamentos à alma do velho companheiro, suplicavam para que seus deuses o recebessem de alguma forma. Vacilavam na própria crença. Davam ouvidos às ameaças do opressor e enchiam-se de temor pelo que poderia lhes acontecer após a própria morte.

Foi durante o estrondoso silêncio que Artur se levantou.

Desprezou o aviso do barão. Perpassou as lembranças do castigo.

Atraiu a atenção de seus irmãos mais uma vez.

— Foram longe demais, romperam os limites e desrespeitaram até mesmo o nosso descanso. Acham que são donos da vida? Acham que podem nos controlar até mesmo depois da morte? Não! — alçou a voz —. Talvez morramos, talvez percamos o fôlego e deixemos de respirar, mas antes lutaremos, os aniquilaremos e faremos com que temam os nossos nomes, a nossa história, mesmo após nossa partida! — alvoroçou os companheiros ansiosos pela liberdade —. Lutar! É o que faremos!

Naquela noite decidiram trazer a própria música, aprendida com os antepassados, para dentro da senzala. Misturaram o ritmo dos tambores aos gestos de dança. A quem visse era dança. A quem presenciasse era luta.

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164 Capítulo 43 – Símbolo de Resistência

Misturaram música com luta.

Os treinos seriam camuflados.

Em memória à morte do companheiro, trouxeram à vida a capoeira.

Símbolo de resistência.

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