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Prazer em Viver

No documento Marcados Pelo Amor (páginas 95-106)

Anos atrás

Capítulo 23 Prazer em Viver

Capítulo 23 – Prazer em Viver

Ao longo da vida, escrevemos o nosso livro. Alguns capítulos são cheios de alegria, são floridos, risos são irradiados, a paz domina sobre todos os parágrafos. No entanto, como tudo flui, o capítulo precisa mudar e aí nos deparamos com um enredo denso, com personagens sombrios e desenrolares indesejáveis. Infelizmente muitos perdem a esperança e esquecem as páginas em branco que aguardam ansiosas pelas reviravoltas, pela volta da paz e da alegria.

Rute, em dado momento de sua história, passou por capítulos tristes e desanimadores, capítulos aos quais se rendeu desacreditada quanto ao futuro, prendeu-se neles e não avançou em sua singular obra. Sofria por isso, desejava viver, respirar ar fresco, ver gente, sentir o toque do sol, mas o medo a travava e o passado barulhento a privava do melodioso e inspirador som de cada amanhecer.

Aquilo a consumia.

Matava-a.

— Que belo dia está fazendo! — Sara, sempre animada, sempre na intenção de agradar a pobre ama, entrou em seus aposentos, descansou sobre o criado-mudo a bandeja de café, abriu as janelas permitindo que a luz dissipasse as sombras —. Um dia perfeito para que celebremos a vida!

Atordoada, a amargurada mulher percebeu que se entregou ao sono por tempo demais, o vizinho já não tirava perfeitas músicas do violino e o sol forte anunciava a chegada do meio-dia.

— Celebrar a vida... — revirou os olhos sentando-se sobre a cama —. Já que perdi o horário deveria ter me deixado dormir, só assim encontro paz! — reclamou tomando posse sobre a bandeja.

Sara, notando que a cada dia Rute se mostrava mais descrente e desanimada, sentou-se aos pés da cama, encarou aquela a quem sentia muito dever, precisava insistir, precisava fazê-la acreditar que era sim possível ser feliz mesmo com tantos motivos para choros eternos.

— Não diga isso, não diga que apenas dormindo encontra paz, mesmo acordada pode desfrutar da mais pura e intensa tranquilidade.

— Não faz ideia de como têm sido os meus dias... — tomou um gole do líquido quente, lançou os olhos ofuscados sobre a adolescente que a cada dia se mostrava mais encantada pelo viver —. Olhe para mim, uma mulher desinteressante, fracassada, que vive aos cantos da casa, que não possui motivos para continuar nesse mundo, que não tem filhos, não tem... — interrompeu a própria fala, preferiu não declarar, mas sentia falta de nunca mais ter experimentado o amor.

— É uma pena que pense dessa forma, é uma pena que se desvalorize tanto enquanto possui inúmeras qualidades adormecidas, escondidas, que querem irradiar ao mundo, mas são acorrentadas por uma alma presa ao passado, aos dias que não

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96 Capítulo 23 – Prazer em Viver

foram bons, dias que passaram e que precisam ceder lugar a dias melhores! Ainda há tempo, não pode continuar desperdiçando o tempo que possui, mas que um dia perderá para sempre...

A mulher nada retrucou, concordou que precisava avançar, mas não o faria, não o poderia fazer, não queria sentir dores novas e ainda maiores, sofreu e não soube como enfrentar o sofrimento.

— O vizinho nos convidou para um jantar — Sara anunciou —. E eu disse que iremos.

— Enlouqueceu?! — Rute não escondeu a surpresa, o incômodo espanto —.

Como pode decidir assim e apenas me comunicar? — lembrou-se de quando agia da mesma forma e a mão aplicava seus sermões, a cada dia tinha mais certeza do quanto ela e Sara se pareciam.

— Se viesse consultá-la com certeza iria negar, ele foi gentil, é uma pessoa diferente das outras, alguém que pode se transformar em um grande amigo! — a jovem garota insistiu.

— Se quiser, vá sem a minha companhia — relutou.

— Não irá bancar a grosseira, sei disso, o compromisso já está marcado e aguarda que educadamente o cumpramos — argumentou de maneira irrefutável —.

Prepare seu humor e viste a melhor roupa, sei que terá momentos nos quais se esquecerá de tudo e sentirá o prazer da vida!

¤

Em uma sangrenta batalha o vencedor não é apenas o mais forte ou esperto, essas virtudes podem fazer a diferença, mas não desistir mesmo que cheio de feridas é uma ação corajosa que garante a vitória. Mesmo fraco, cansado, o segredo é não acreditar que o inimigo é mais poderoso, é não entregar a ele o cobiçado prêmio, mas persistir em derrubá-lo. Mesmo que a derrota chegue será com glória, não há pior derrocada do que a desistência.

No entrave que vivia, no confronto que para muitos poderia parecer impossível de vencer ou inútil de ao menos tentar, Laís se manteve firme e não desanimou, antes de declarar guerra e envolver pessoas que queria proteger, tentaria intimidar o marido, fazê-lo desistir da insana ideia de casar a filha com qualquer rapaz.

Seu esforço seria doloroso.

O barão também era persistente.

— Acho que fui bastante claro e nem deixei margens para discussões, a ordem foi dada, a decisão está tomada, não há porque e nem pelo quê voltar atrás! — em seu escritório, confrontando a esposa com o olhar severo, Frederico reagiu ao protesto da mulher quanto à sua escolha.

— Não percebe que nossa filha tem se afastado? Não percebe a tristeza em seus olhos? Não é capaz de notar seu isolamento? — a baronesa apresentou os fatos,

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97 Capítulo 23 – Prazer em Viver

tentaria mexer no sentimento do rígido homem, tarefa complexa —. Ela não quer se casar com aquele jovem, não quer se entregar a uma vida que não planejou!

— E qual seria a vida planejada? Quem seria o príncipe encantado? Vamos!

Quais são as opções?

Laís ficou emudecida.

Da ciência de Frederico coisas destrutivas eram omitidas.

— Eu sou o pai, eu sei o que é melhor para ela e já tracei seu destino. Agora está relutante, pensando bobagens, mas tão logo comece a viver a minha vontade, verá o quanto foi bom ter alguém que a guiasse.

— Guiar é diferente de arrastar! — discordou outra vez —. Guiar é ser paciente, cuidadoso, cauteloso, é deixar que andem com as próprias pernas, mas sempre por perto a fim de evitar quedas fatais. Mas arrastar é levar à força, com brutalidade, com impiedade, causando arranhões e cortes, despertando a raivosa relutância!

— Laís, não teime, será inútil, perderemos tempo com uma conversa cuja conclusão já sabemos: quero que Ana se case com Pedro e é o que inevitavelmente acontecerá!

— Como pode arruinar a história da própria filha?

— Seu pai arruinou a sua?

Pergunta direta.

Pergunta capaz de incitar perigosas respostas.

A mulher, repleta de conceitos, cheia de pensamentos que condenavam o homem repleto de ignorância junto a sociedade estacionado no tempo que não se permitia à luz, levantou-se majestosa, encarou o esposo, aquele que só respeitava por temer sua fúria, mas não o amava, medo e amor jamais se misturam.

— Não percebe que meu pai arruinou as nossas vidas? — deixou o homem solitário, apenas acompanhado pelos próprios intentos, pelas próprias dúvidas, pelas ameaçadoras desconfianças.

¤

Adelaide também possuía lembranças indesejáveis, memórias de humilhação, no entanto soube enfrentar o sofrimento e permanecer na batalha, acreditava piamente que a justiça não falharia. Relembrando o passado enquanto lavava roupas à beira do rio, confessou que era recompensada pelos dias difíceis, teve a sorte de construir uma família, plantar nos filhos a semente de seu legado, teve a oportunidade de ser amada incondicionalmente.

Tal certeza fez brotar o sorriso.

Sorriso que seria ofuscado.

Por entre a mata alguém sussurrou seu nome, chamou sua atenção, alguém conhecido, um antigo companheiro de senzala, um escravo fugido, sempre ligeiro, que alcançou a sorte de se juntar a outros do seu povo, que alcançou a proeza de ser escondido no quilombo.

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98 Capítulo 23 – Prazer em Viver

— O que houve com Felipe? — o homem questionou.

— O que tem meu filho? — a mulher se preocupou.

— Não iria enviá-lo a nós?

O coração da pobre mãe se apertou.

Viu o garoto partir. Acreditou que conseguiria.

Pensamentos desastrosos a possuíram.

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99 Capítulo 24 – Recomeçar

Capítulo 24 – Recomeçar

Muitos não acreditam, tantos desconfiam e se entregam aos pensamentos contrários, mas para que haja mais uma chance de recomeçar basta que estejamos vivos, que tenhamos o fôlego da vida, que tenhamos a consciência de um futuro melhor.

É compreensível que o medo trave as pernas e escureça os horizontes, passar por dores traumáticas não é nem um pouco vantajoso, diversas almas são afligidas por lembranças pesadas, memórias cruéis, nuvens que escondem a luz. Mas precisam ter esperanças, precisam ter forças, precisam ter crença que o dia de paz e alívio chegará se por ele buscarmos incansavelmente.

Rute, encarando-se no espelho, ajeitando os cabelos sob a luz do lampião, sentia o coração ansioso, sentia nervosismo, um misto de sensações entre coragem e temor, vontade e desânimo, força e fragilidade. Preparava-se para o jantar com o vizinho gentil, preparava-se para uma noite que transformaria sua vida, mudaria o padrão que há tantos anos repetia, traria novidade, poderia atrair de volta a luz que se fora.

Queria crer, queria acalmar a alma e se encher de paz, de certeza que merecia dias melhores, que merecia recompensa pelas muitas lágrimas derramadas, pela triste solidão a qual sucumbiu. Merecia contemplar novos olhares, novos sorrisos, ouvir novas histórias, criar amizades, voltar a viver. Porém o medo ainda existia, o medo de ser feliz, medo de se mostrar e servir de aberração, de zombaria, medo de ser vista como uma coitada, medo de ser rejeitada.

— Está linda! — Sara, acostumada a ver sua ama sempre vestida de preto e com os cabelos presos, espantou-se ao entrar em seu quarto e encontrá-la ainda com vestimentas escuras, mas com os fios soltos, libertos para acompanharem o vento em uma agradável dança, libertos para exibirem brilho, suavidade e elegância.

— Achou mesmo? — a pobre mulher, sempre negligente com a beleza desde que sua história tomou rumos inimagináveis, abriu um discreto sorriso motivado pelo elogio, o mesmo sorriso de quando mais jovem se preparava para os bailes da cidade e sua mãe a enaltecia com elogios imensos. Sentiu-se bem, como há tanto não se sentia.

— Se soubesse que se entusiasmaria tanto com uma noite diferente do habitual, teria marcado algo há muito tempo! — a adolescente celebrou —. Fico feliz que esteja vencendo seus anseios e se permitindo a momentos de novidade, precisa se convencer de que a vida flui, não é estática, sempre haverá boas novas!

— Tenho minhas dúvidas — levou os olhos ainda ofuscados à jovem adolescente —. Não me sinto tão segura quanto possa parecer, não sei se o que estou fazendo é o certo, mas também não poderia deixá-la sozinha, sei o quanto aprecia a música que soa aos nossos ouvidos e sei que possui certa simpatia pelo vizinho, mas ainda assim sinto medo do que possa ouvir, presenciar, de como reagirão...

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100 Capítulo 24 – Recomeçar

— Fico grata por se esforçar dessa forma, não acho que mereço, mas se é uma forma para que respire novos ares, não posso me arrepender por ser tão insistente — aproximou-se de Rute, apoiou as mãos em seus ombros, encarou-a através dos reflexos no espelho —. Não se importe tanto com os outros, não se incomode de maneira sofredora com as palavras de pessoas que nada sabem e nem representam, deve se preocupar apenas em estar feliz e fazer com que aqueles que ama sintam a mesma felicidade — aconselhou.

— Você é uma boa menina — a mulher cobriu a mão que a tocava —, sua mãe se sentiria muito orgulhosa — confessou o próprio sentimento, o que precisava encobrir, o que para sempre esconderia, queria evitar dores, choros, dissensões, queria evitar ser tida como fraca, vulnerável, alguém que não teve a capacidade de lutar pela única coisa que possuía.

O assunto mãe era algo que tocava Sara, conhecia a história lhe contada e acreditava nela, porém não dizia que desejava alcançar esclarecimentos maiores, que pudessem machucá-la, que lhe revelassem o porquê de ter sido renegada.

— Conheceu minha mãe? — questionou.

Rute, acompanhada além das memórias de um passado sombrio, tinha também a companhia de um segredo cruel. Incomodou-se com a pergunta, mas não pôde se desesperar nem se revoltar, tinha ciência de que um dia Sara se voltaria ao próprio passado, faria perguntas delicadas, todos almejam saber quem são e como chegaram onde estão.

— Muito pouco, nada extraordinário.

— E o que seria esse pouco?

— Era uma pessoa agradável, tinha os seus sonhos, não era dominada por maldades, mas foi ferida, não soube como reagir, não teve estrutura para acolher uma filha, foi quando suplicou a minha ajuda e o restante você já conhece...

— E quanto ao meu pai?

Seu primeiro amor.

Sua primeira grande decepção.

— Estamos atrasadas — Rute se esquivou de mexer numa ferida ainda aberta — , teremos outras oportunidades para que alcance todas as respostas...

¤

É quando mais precisamos desabafar nossas angústias, recostar a cabeça num ombro amigo, ouvir palavras que confortem nossas almas contristadas, que recorremos àqueles que amamos, nos quais depositamos confiança, aos quais entregamos nossos maiores sentimentos e revelamos os mais íntimos segredos.

Quem nos ama de verdade sabe como nos acolher, mesmo que não digam nada, nem uma palavra, a fiel companhia assegura que não estamos sozinhos nesse mundo.

Artur, abalado, recorreu àquela que amava, àquela que dominava seus pensamentos e guiava seus desejos. Tão logo anoiteceu e cada um se colocou em seu

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101 Capítulo 24 – Recomeçar

lugar, o jovem escravo escalou a parede, pulou a varanda, bateu na porta de madeira ansioso por contemplar o meigo olhar que lhe transmitia segurança.

— O que houve? — nem teve tempo para se espantar, tão logo abrira a porta Ana acolheu o choroso rapaz, nunca o vira daquela forma, tão desesperado —. Sente-se — levou-o à cama, trancou a porta que dava acesso ao corredor do casarão, precisavam se proteger —. Acalme-se! — levou a mão ao rosto molhado, colheu as lágrimas, sentiu o peito arder —. Não é tão tarde, correu um grande risco, só pode ser por um importante motivo.

— E é... — recomposto, controlando as fortes emoções, Artur levou o olhar à atenciosa namorada —. Minha mãe recebeu uma notícia desagradável e intrigante, algo que nem queremos imaginar, mas é impossível de fugir dessa dúvida... — começou a revelação —. Naquela noite que tentamos vencer os homens de seu pai, aproveitando a distração de todos, minha mãe levou meu irmão à estrada, ajudou-o a fugir, estávamos confiantes de que chegaria ao quilombo... — o choro voltou —. Mas ele não chegou... Semanas se passaram e só agora ficamos sabendo que ninguém conhece o seu paradeiro... Pode ter sido capturado por outros fazendeiros... — respirou fundo —. Pode estar morto... — aquela era a hipótese menos desejada, mas a mais provável aos corações atribulados.

— Não pense dessa maneira, não cultive pensamentos de desesperança, não permita que seu constante otimismo seja abalado... — Ana, condoída pelo namorado, ofertou suas palavras esperançosas —. Ele é um garoto especial, talentoso, a vida não seria tão injusta...

— Vida? Nós não temos vida. Já nascemos sem ela — revelou o sentimento de tantos seres humanos tratados com crueldade, forjados de sua dignidade.

E mais uma vez, acompanhando o drama de um povo sequestrado de suas origens, capturado de seus costumes, privado de sua cultura, Ana se revoltou internamente, enquanto na sua realidade nasciam com um glorioso futuro a viver, do outro lado nasciam à espera da morte.

— Vai ficar tudo bem... — abraçou o amado —. Prometo que descobrirei o que está acontecendo, não se preocupe tanto, sempre terá a mim em tudo que precisar — era o que prometia, oferecia e cumpria.

Um pouco mais consolado, Artur se despediu da eterna amante, tornou a escalar a parede e pulou sobre o chão empoeirado. Antes de partir olhou para cima, sorriu ao encontrar o sorriso da bela moça.

Mas olhos astutos os assistiram.

Olhos maldosos e traiçoeiros.

Os olhos de Sebastião a tudo acompanharam.

¤

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102 Capítulo 24 – Recomeçar

Pela primeira vez após tantos anos de isolamento, Rute tornou a pisar na calçada da própria casa, tornou a sentir o ar livre, a brisa da rua, a sensação de liberdade. Libertava-se ao novo. Ao recomeço. Arriscava-se...

Continua...

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103 Capítulo 25 – Arriscar-se

Capítulo 25 – Arriscar-se

Arriscava-se...

Quem não quer sofrer nenhum risco, quem vive fugindo das adversidades que podem se levantar quando decidimos progredir e inovar no nosso caminhar, corre o maior dos riscos, arrisca-se a uma perigosa aventura, coloca-se à beira da ruína: corre o alto risco de paralisar-se na vida.

Viver é isso, arriscar-se às frustrações, às amarguras, às falhas, mas também é se arriscar aos sorrisos, à felicidade e ao prazer de em todas as manhãs ter o direito de abrir os olhos, libertar as pulsões e usufruir da nova oportunidade de escrever um lindo capítulo no livro da vida.

Mas tanto foi o choro, imensa foi a for, ao ponto de Rute viver amedrontada, aturdida pelo medo do recomeço, pelo pavor de arriscar-se a virar a página. Mas respirou fundo, reuniu forças, mostrou-se disposta a tentar, pelo menos tentar.

Felipe, por tanto tempo coibido das belezas do mundo e dos prazeres da singular experiência do existir, desde que conhecera Sara e se encantara pelo seu olhar não conseguia idealizar outra coisa se não o jantar no qual teria a chance de conhecer alguém interessante e se mostrar a esse alguém igualmente atraente. Queria perfeição. Perdera a conta do número de vezes que verificou a afinação do violino.

Estava entusiasmado.

— Mas afinou não faz nem cinco minutos! — Victor, divertindo-se com a afobação do querido hóspede, provocou-o —. Todo esse cuidado por que uma garota o ouvirá? Não será a primeira vez e ela já demonstrou aprovação.

— Não é por ela, digo, não é apenas por ela — falou atrapalhado, envergonhado, como se desconfiasse de que o hospedeiro desvendara sua mente —. Virá acompanhada, preciso impressionar!

— Sei bem quem é que pretende impressionar — estreitou os olhos.

— Tem certeza de que sou o maior interessado em causar admiração? Nunca o vi tão bem arrumado! — foi a sua vez de levantar suspeitas —. Não seria por que a vizinha misteriosa finalmente se revelará?

— Não diga bobagens e aprenda que para receber convidados devemos ser elegantes e gentis! — no fundo sabia que era verdade, sabia que fora motivado pela curiosidade de conhecer a mulher que morava ao lado, o que não sabia era que seus sentimentos corriam o risco de se agitarem.

Suavemente, alguém bateu à porta.

Os rapazes se prontificaram à pronta recepção, mas Victor cedeu à vez, permitiu que o adolescente acostumado a rudes tratamentos experimentasse mais

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104 Capítulo 25 – Arriscar-se

uma coisa da liberdade: o prazer de receber pessoas queridas, amigas, pessoas que não oferecem açoites, pessoas que compartilham afetos.

Os dois jovens, já conquistados pelos poucos minutos que juntos passaram, permitiram que os sorrisos fossem trocados, aguardaram ansiosos por aquele reencontro, queriam e tinham muito a conversar.

Rute, receosa pelas reações que causaria, também se espantou ao contemplar Felipe, um espanto admirado, contente, apesar de se trancar no casarão sabia o que acontecia ao seu redor, conhecia a sociedade estagnada que perseguia tantas gentes em nome de razões repletas de ignorância. O anfitrião ganhou seu respeito, era alguém que pensava como ela, alguém que não pensava apenas, agia contra o impossível de entender.

— Sejam bem-vindas e sintam-se em casa! — cheio de gentilezas, Victor abriu passagem, estava contente, estava também intrigado pelo rosto cuja metade era coberta por uma máscara misteriosa e a outra metade permitia que as íris castanhas exibissem sua intensidade.

— É com satisfação que aqui estamos — Rute, conseguindo acalmar os pensamentos pessimistas, aceitou o cumprimento do anfitrião, estendeu-lhe a mão para que fosse respeitosamente beijada, sentiu-se aliviada por perceber que sua condição não era motivo para estranhezas.

¤

Em mais uma noite, repousando o corpo sobre a cama na busca pelo sono, os pensamentos de Laís foram levados a Heitor, ao quanto o amava, o quanto almejava tê-lo ao seu lado, usufruir da sua agradável e calorosa companhia, ter a certeza de que ao amanhecer seriam os seus olhos os primeiros a contemplar, sua voz a primeira a ouvir e seu toque o primeiro a sentir. Mas aquela não era a realidade. O seu sonho não fazia parte do mundo real. A verdade dos seus dias era outra, assolava sua alma,

Em mais uma noite, repousando o corpo sobre a cama na busca pelo sono, os pensamentos de Laís foram levados a Heitor, ao quanto o amava, o quanto almejava tê-lo ao seu lado, usufruir da sua agradável e calorosa companhia, ter a certeza de que ao amanhecer seriam os seus olhos os primeiros a contemplar, sua voz a primeira a ouvir e seu toque o primeiro a sentir. Mas aquela não era a realidade. O seu sonho não fazia parte do mundo real. A verdade dos seus dias era outra, assolava sua alma,

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