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O Sonho da Liberdade

No documento Marcados Pelo Amor (páginas 117-124)

Anos atrás

Capítulo 29 O Sonho da Liberdade

Capítulo 29 – O Sonho da Liberdade

As coisas mais naturais são também as mais valiosas, no entanto esse valor só é revelado em momentos de escassez, quando a falta prevalece sobre a abundância e o fim é a única certeza. Assim é com a saúde, como o amor, com a paz. Assim é com a liberdade.

O homem nasceu para ser livre, para estar liberto de amarras, solto de correntes, para dar asas ao seu poder, à sua mente, à sua vontade. O maior castigo que um homem pode passar é a privação de sua preciosa e sagrada liberdade. É um ataque ao espírito criativo. É uma infâmia à alma sonhadora. É sufocante. É opressor.

É revoltante.

Estavam fartos pelos muitos anos de árdua servidão, estavam exaustos de serem amedrontados pela tortura, ameaçados pelos instrumentos de dor, coagidos pelos meios de insuportável sofrimento. Estavam cansados de imaginarem uma liberdade distante, liberdade que nunca chegava, que ao parecer próxima se revelava uma grande miragem. Queriam voltar a sonhar, a acreditar, a viver uma vida digna.

Aos gritos de guerra, aos clamores de luta motivados pela ânsia de glória, os homens voltaram a treinar golpes aprendidos com seus ancestrais. A senzala fervia, a esperança ressurgia.

As mulheres, ansiosas pela paz, desejosas por uma realidade justa e segura, juntavam-se naquela comunhão guerreira, naquela união que visava a derrocada do inimigo, a derrubada do opressor e o enterro de um sistema perverso, cruel, que fortalecia a liberdade de uns a partir da sangrenta prisão de outros.

No entanto foram descuidados.

Foram imprudentes.

Sebastião, atento ao agito da senzala, contemplando as sombras agitadas do ambiente iluminado pela fogueira ao seu centro, aproximou-se a passos sorrateiros, concluiu que levantavam um motim contra a fazenda, a partir dos golpes ensaiados teve a certeza de que dessa vez não atacariam precipitadamente, ao contrário, planejavam seus passos.

Comportando-se da bárbara forma como sempre agiu, o capanga correu ao encontro do poderoso barão, encontrou-o no escritório da casa grande, não hesitou em denunciar o que acreditava ser a intenção dos negros exauridos das muitas lágrimas.

Frederico, permanecendo em sua arrogante forma de viver e enxergar seus iguais, revoltou-se atrás da mesa abarrotada de papéis. Levantou-se furioso, exigiu a companhia de soldados, resolveria pessoalmente o impasse que se apresentava antes que a situação tomasse força e saísse de controle.

Disparos seguidos.

Os escravos se imobilizaram.

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118 Capítulo 29 – O Sonho da Liberdade

O sujeito impiedoso escancarou os portões revelando sua assombrosa presença.

Um silêncio estrondoso tomou conta da senzala, silêncio de temor e pavor, silêncio que ardia aos ouvidos de Artur, o rapaz destemido que interpretava tal quietude como consequência do pânico que constantemente afrontava o seu povo.

— Bando de ingratos! — o barão enraivecido esbravejou, sua voz rude causava arrepios nos oprimidos —. Comem às minhas custas, bebem por minha causa e abrem os olhos todas as manhãs porque assim permito e ainda ousam intentar um confronto? — espantou pela afirmação que fazia, pela ágil descoberta que fizera —.

Esquecem-se de que possuo em mãos o poder da morte? Ela pode ser tão rápida quanto prazerosamente demorada, tudo depende do meu humor, o qual, asseguro, não tem passado por bons dias! — angustiou.

O silêncio persistia.

Ninguém se atrevia a quebrá-lo.

— Quem é o insensato que estimulou essa loucura?

Ninguém se apresentou. Ninguém se apresentaria.

Artur, contudo, irado pelo duro pesar que assolava os seus irmãos, desejoso por conquistar a confiança daquela gente, fazê-la acreditar na própria força e, assim, liderar a batalha contra o cativeiro, colocou-se diante de todos, manteve a cabeça erguida e o peito aberto, encarou o tirano de igual para igual.

— Fui eu! — a voz cravou nos ouvidos de Frederico.

¤

Os pássaros, em cada amanhecer, cantam alegres e fervorosos, garantem música ao espetáculo do nascer do sol, do dissipar das trevas e do ressurgir da luz.

Porém, se forem aprisionados, injustamente encarcerados, o canto cessa, a música se encerra e a beleza do amanhecer perde uma importante parte de seu admirável fulgor.

Assim é com seres humanos privados da independência, perdem o prazer pela vida, a fulgência dos olhos, a vivacidade da alma.

Assim estava sendo com Pedro, o rapaz destinado a se casar com Ana, obrigado a se voltar contra sua própria felicidade, contra os seus próprios sonhos. Estava desesperançoso, descrente, desanimado, não era mais o poeta sonhador cujas palavras escritas ou faladas tocavam o coração de quem as ouvisse.

— Não vai falar nada? — durante o jantar, como há dias vinha acontecendo, o jovem permaneceu em sua mudez, comportamento que incomodava o pai, sempre acostumado com as boas conversas, saudoso pelo amigo que encontrara no filho embora não o confessasse.

Pedro agiu como se nenhuma pergunta fora feita.

— Já chega! — Egídio lançou os talheres sobre a mesa, atraiu a atenção do rapaz

—. Está agindo desse modo infantil apenas por que terá que casar com uma linda moça? Gostaria de compreender as razões para essa estranha revolta!

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119 Capítulo 29 – O Sonho da Liberdade

— Não me importo com belezas exteriores, nem com condições materiais, para mim o que basta é que exista uma alma nobre por trás de qualquer que seja o rosto! — respondeu citando a filosofia que cultivava.

— Está dizendo que Ana não é uma valorosa pessoa?

— Quero dizer que preciso amar para, então, me entregar a alguém ao ponto de construir uma vida, ter conquistas, escrever uma história! — encarou o severo olhar do homem que sempre se mostrara compreensivo, gentil, mas que se deixara encantar por palavras ardilosas de um sujeito desumano —. Não amo Ana, não a desejo como alguém com quem passaria o resto dos meus dias, esperava que compreendesse minha vontade...

— Não ache que sou um homem cruel, se aceitei essa proposta foi pensando no seu futuro, procurando valorizar seu talento para os negócios, a inteligência que possui, estar próximo ao barão é a garantia de ascensão!

— E acha justo usar as pessoas dessa forma? Acha justo mexer em seus sentimentos por uma razão tão simplória? É melhor ser miserável, mas feliz, do que ser o mais poderoso dos homens, mas submerso em lastimável melancolia! Além do mais, muito me espanta vê-lo de comum acordo a um homem que escraviza seres humanos e os trata com aperto.

— Não levante falsas acusações ao querer se defender!

— O tempo dirá se minhas palavras retratam a realidade ou se não passam de um desesperado argumento — retirou-se, deixou plantada a dúvida, só não sabia se era o suficiente para evitar que sua vida fosse conturbada por decisões alheias à sua vontade.

¤

Frederico se sentiu afrontado, desafiado, desrespeitado. Seus severos e obscuros olhos analisaram o filho de Adelaide, o rapaz que outras vezes já o desagradara, o escravo que em diferentes ocasiões se mostrara um rebelde destemido.

— Estou farto de suas perturbações! — cedeu um forte tapa contra o rosto de Artur —. Levem-no! Passou da hora de aprender a me respeitar! — proclamou —.

Quanto a vocês, passarão a noite trancados, terão muito tempo para recuperarem a sensatez e retornarem à certeza de que além de inútil é um ato suicida se voltar contra as minhas ordens! — deixou a senzala despertando o medo, a angústia, e a receosa curiosidade quanto ao que sucederia ao escravo destemido.

Abaixo da casa grande existia uma construção subterrânea, onde funcionava a masmorra, lugar de tortura, dor e calor opressor. Para lá levaram Artur, para os momentos de crueldade que teria que enfrentar, que desejaria amargamente esquecer.

— É tão difícil se comportar como o insignificante que é? — algemando o rapaz, Frederico o lançou contra o chão —. O que almeja ao me provocar?! — chutava o vulnerável escravo —. Por acaso é mais um dos pecadores que a partir da dor

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120 Capítulo 29 – O Sonho da Liberdade

alcançam prazer?! — seus pontapés causavam hematomas no corpo exposto —. Mas terá tempo e privacidade para reorganizar os pensamentos, acalmar esse espírito doentio e implorar por misericórdia! — ergueu Artur de maneira violenta, puxando-o pelos cabelos encaracolados —. Depois dessa noite duvido que voltará a me desafiar!

Impiedoso, o barão de São Pedro lançou o rapaz maltratado contra uma espécie de quartinho, era apertado, mal cabia o filho de Adelaide em pé, seu corpo sofreria com o desconforto de um ambiente espremido.

A porta de metal foi trancada.

Artur foi largado na indesejável solitária.

Continua...

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121 Capítulo 30 – Provação

Capítulo 30 – Provação

De tantas e inúmeras formas somos provados, desafiados, passamos por testes que colocam ao fogo nossa resistência, que mensuram o tamanho da nossa força. E durante tais provações o medo pode aparecer, o sentimento de desamparo pode nos assustar, a solidão talvez pareça nossa única companhia e a descrença quanto ao sucesso a única certeza.

Com as mãos imobilizadas, colocadas às suas costas, Artur via apenas a escuridão mesmo mantendo os olhos abertos, desesperados por um pouco de luz, desejosos por contemplar o mundo e sua liberdade. O ambiente além de apertado era quente, o silêncio horripilante permitia que o som de animais peçonhentos fossem ouvidos nitidamente. O suor começou a escorrer. A alma se apavorou. O choro assistido por ninguém e colhido por nenhuma mão foi derramado. A tortura era grande. A crueldade era intimidadora.

Sempre ouviu os conselhos de sua mãe e dos demais antigos escravos, conselhos que tentavam despertar o medo naquele espírito rebelde, conselhos que retratavam as desprezíveis experiências que homens guerreiros foram obrigados a viver, a suportar, muitos dos quais não tiveram a sorte de resistir aos infortúnios.

Porém, se acreditavam piamente que o torturando daquela forma causariam sua intimidação, estavam ironicamente enganados, ao invés de enfraquecerem seus braços enchiam-no de forças, de vontade por vencer, de calar os opressores para que nunca mais tivesse que ouvir suas ordens nefastas e suas humilhações arrogantes. O choro não era apenas pelo medo momentâneo que arrepiou sua pele nem pela sensação de indignidade que experimentava, ia muito além de suas íntimas questões, era derramado em memória daqueles que estiveram em seu lugar, que sofreram as mesmas dores, que foram entregues a vertigens ainda maiores, que morreram da forma mais indigna possível, sem estarem com o seu povo, sem terem a chance da despedida.

Reuniria coragem.

Sairia do lugar sombrio mais forte de como chegara.

¤

Em mais uma manhã de glorioso sol, à beira do longínquo rio que não se cansava de oferecer suas águas, Ana estava sentada sobre a relva observando os animais aquáticos que se agitavam de um canto ao outro. Estava sozinha, sem a costumeira e querida companhia, o que era curiosamente estranho já que Artur nunca se atrasava, ao contrário, era sempre o primeiro a chegar, era quem a recebia com o lindo sorriso estampado na face. A filha do poderoso barão descobriu o quanto

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122 Capítulo 30 – Provação

valorizava aqueles encontros, o quanto era especial ser recebida com afetos infinitos, percebeu que se algum dia aquilo acabasse nada mais teria razão.

Mas ao som de passos cautelosos seus próprios lábios desenharam a curva do contentamento. Os olhos brilhantes se viraram para trás. No entanto, o semblante alegre mudou a feição, ficou surpreso, não era Artur quem se aproximava, mas sua mãe vestindo um rosto angustiado.

— Deve estar se perguntando sobre o que aconteceu, temo não ter as melhores notícias — Adelaide, decifrando o olhar da jovem mulher, adiantou-se em falar —.

Artur não virá hoje, foi castigado por Frederico durante a noite e desde então não o vemos.

O anúncio soou como soa o furioso trovão.

Ana, perplexa pelo que ouvira, empalideceu-se instantaneamente, parecia provar de uma surra impiedosa, além do corpo, o coração se sentiu espremido.

— Não pode ser... — a voz embargou, os olhos se encheram d’água, a alma se apavorou —. Isso não pode acontecer... — encarou Adelaide como se quisesse mudar a verdade, como se tivesse a esperança de que tudo não passava de uma péssima brincadeira —. Precisa dizer que é mentira! — as lágrimas rolaram pelo rosto sereno, imaginar por quais dores passava o amado era altamente angustiante.

— Gostaria de atender ao seu rogo, mas jamais mentiria sobre algo tão estarrecedor... — a escrava, também aflita por aquele que gerou, alimentou e protegeu enquanto pôde, acolheu a moça em um abraço de consolo, o abraço que sempre necessitariam quando as adversidades se apresentassem —. Não se desespere dessa forma, acalme o coração e mentalize esperança, acredite que tudo ficará bem, que Artur está seguro...

— Seguro nas mãos daquele monstro? — Ana discordou completamente —. O que mais dói é saber que ele experimentará amargas angústias a partir da crueldade do homem que a vida me deu por pai, aquele que deveria se alegrar pela minha felicidade será quem atormentará aquele que mais amo, o único que verdadeiramente se fez especial na minha história! E o que eu posso fazer para evitar?! — dirigiu o olhar questionador à mulher que trouxera ao mundo o ser humano que fazia dos seus dias os mais românticos e floridos.

— Não se condene pelo que não pode fazer, sabe que seria pior — limpou o rosto molhado pelo pranto —. Aquilo que está ao seu alcance tem feito sem hesitar, tem amado o meu filho como ele merece, tem tornado essa realidade injusta um pouco mais suportável a ele e vê-lo tão feliz por possuir o seu amor é o que me conforta, é o que me ajuda a também suportar tanta desventura.

— Qual foi a justificativa da vez?

— Artur nos incentivou a treinar nossa luta, a nos prepararmos para embates futuros, mas o barão descobriu, exigiu que o responsável se apresentasse e o meu filho, sempre tão valente e honesto, colocou-se imponente perante aquele homem...

Sei que todas as manhãs se encontram nesse lugar, não poderia deixá-la sem

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123 Capítulo 30 – Provação

explicações, conheço o seu amor, tenho a certeza de que é verdadeiro, e a noção do quanto padece por ele.

— Farei o possível para encontrá-lo!

— É imprudente — a escrava alertou —. Haja com sobriedade, se em sua busca desenfreada acabar descoberta, nenhuma desculpa convencerá. Vá para casa, faça suas preces, tão logo Artur nos seja devolvido darei um jeito de avisá-la para que consiga ter paz.

Compreensiva, Ana deu razão ao conselho, entendeu que era perigoso sair à caçada, o mais sensato seria se manter em alerta e aguardar pacientemente.

— Perdoe-me por tudo isso, imagino o quanto esteja sofrendo — antes de partir, a jovem mulher suplicou o perdão daquela que teria por sogra.

— Não se preocupe com isso, não é você a responsável por essa loucura, é tão vítima quanto nós e desejo boa sorte na empreitada...

¤

Ainda cedo, quando a brisa da manhã era fria e suave, Frederico montou em seu cavalo pomposo, faria ele mesmo a ronda pela fazenda, verificaria se após a noite aprisionados os escravos estavam cuidadosos em seu comportamento.

— Quer que traga o rebelde? — Sebastião, acompanhando o cruel barão, lembrou-se do jovem escravo.

— Não ainda, quero que passe o dia todo com os próprios pensamentos, quem sabe assim aprenda a se recolher ao seu devido lugar? Terá sorte se sobreviver!

— Acredito que sobreviver não será difícil, ele é como os animais que para abater precisamos de árdua violência, mas também não acredito que vá sair do castigo agindo com humildade, vejo nele uma ousadia sem tamanho — sabia do que estava falando, conhecia o segredo tão bem guardado, há muito tempo sustentado —.

Das próximas vezes precisará ser mais enérgico.

— Não queria confessar, mas tem razão, domá-lo não será fácil, mas preciso fazê-lo antes que contamine os demais com essa valentia enojante — mantinha o olhar severo sobre os incansáveis trabalhadores, intimidava-os com sua cautelosa observação.

— O rapaz que ordenou que vigiasse Laís em sua ida à cidade trouxe informações, acredito que não se agradará delas — o capanga mudou de assunto, mudou o foco de sua astúcia à pobre baronesa.

— Com o que devo me preocupar agora?

— Ela visitou um homem, entrou em sua casa e com ele ficou não pouco tempo.

Frederico não disse nada.

O silêncio falava no lugar das palavras.

Estava enfurecido pelas imaginações que subiam ao pensamento.

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