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De Humano para Humano

No documento Marcados Pelo Amor (páginas 133-136)

Anos atrás

Capítulo 34 De Humano para Humano

Capítulo 34 – De Humano para Humano

Exercer o próprio talento, ser elogiado ao apresentar o próprio dom, trabalhar com aquilo que mais se ama, poderia existir liberdade melhor? O homem sempre desejou ser livre das amarras para criar e, a partir de sua criação, encantar, no entanto muitos foram algemados por mentes dominadoras que percebem no pensamento isento de correntes um escape para a opressão que buscam proporcionar.

Felipe sempre desejou criar música, mas o fizeram acreditar que não era digno.

Agora tinha a chance de voar, mas a recusava.

— Eu não posso, logo seria capturado, desapontaria aqueles que confiaram na minha capacidade para ser livre, teria de volta as amarras nas mãos — o adolescente, diante da proposta de se apresentar no baile de gala que seria oferecido aos mais ricos moradores de São Pedro, deixou-se guiar pelo medo, assumia postura irredutível.

— Não pode se imobilizar dessa forma, não pode se deixar dominar pelo medo, as chances de o pior acontecer praticamente não existem! — Victor, desejoso pelo sucesso do jovem garoto que com tanto apreço acolhera, insistia na proposta, tentava convencer que aquele que possuía nobre talento o esbanjasse ao mundo, mostrasse seu valor —. Tenho certeza de que outros negros participarão do espetáculo, todos acompanhados de seus senhores, você ainda terá a vantagem de receber o que tem direito.

— Agradeço pela bondade e sou grato por acreditar no que faço até mais do que eu, mas entendam, seria pego tão logo me apresentasse! — essa era a preocupação, embora fosse passar por escravo de Victor, Felipe temia que seu antigo senhor ou os homens que a ele serviam o flagrassem e levassem de volta ao tormento.

— Há uma maneira para que esse medo seja vencido — Sara, que também tentava convencer o mais novo amigo a aceitar o desafio, teve uma ideia —. E se mudássemos sua aparência? Podemos cortar seu cabelo, colocar no rosto alguns óculos sem efeito e um chapéu na cabeça! O que acham?

— Perfeito! — Victor vibrou —. Se você aceitar tomarei cuidado para escolher um barbeiro de confiança.

— Quanto a isso não se preocupem, minha ama sabe cortar e enfeitar cabelos, tenho certeza de que nos ajudaria.

— E, então, melhor assim?

Pensativo, usando alguns segundos para avaliar as sugestões, Felipe colocou um sorriso animado nos lábios, seus olhos denunciaram o entusiasmo, alegrou-se por estar rodeado de pessoas que demonstravam desejar pelo seu bem, impressionou-se por ter quem ao invés de lutar contra ele, lutava por ele.

— Recusar seria loucura! — para a alegria de seus admiradores, rendeu-se a oportunidade que teria para brilhar —. Mais uma vez sou grato, jamais imaginaria que seria tão encorajado como agora, se alguém me contasse não acreditaria que um

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dia seria tão incentivado a seguir meu sonho por aqueles que julgaria serem meus opositores, vejo que estava errado, nem todos se deixam levar por comportamentos impiedosos, sempre teremos ao menos uma mão estendida, uma palavra de ânimo!

— Não precisa agradecer, o que fazemos a você é o mais natural dos gestos humanos: ajudar — mais uma vez tocado pelo discurso que possuía respingos de uma servidão ingrata, Victor abraçou amistosamente aquele que admirava pela força e pela história.

— As pessoas falam tanto que gostariam de viver vidas melhores, mas não percebem que o verdadeiro prazer está em acolher nossos iguais e tratá-los como gostaríamos de ser tratados — também emocionada, Sara afastou o choro que por pouco não se manifestou, colocou de volta a alegria na face, estava animada pelo que em breve aconteceria —. Não podemos mais perder tempo, venha comigo e se transforme em uma nova pessoa! — puxou o amigo pela mão.

— Enquanto a magia acontece vou nos inscrever no baile, será um sucesso! — Victor enchia-se de confiança.

Depois de tantos anos sem saber o que era receber uma agradável visita, Rute abriu as portas de sua casa para o humilde Felipe, o prazer da vida retornava ao seu ser, a crença de que há felicidade após a tormenta era acrescida no coração. Ouvindo toda a história e qual era o plano formado, a mulher vestida de preto animou-se com sua participação, depois de tanto tempo exerceria o que gostava de fazer, aquilo que tão bem exercia.

Buscou pelas ferramentas.

Ajeitou o garoto sobre a cadeira.

Prometeu que o deixaria ainda mais galanteador.

Os cabelos avolumados caíam sobre o chão, davam lugar a um corte mais raso e moderno. Felipe começava a sentir os efeitos da transformação, uma nova pessoa estava prestes a surgir, uma pessoa que precisaria deixar no passado a sofrida história que fora obrigado a viver, uma pessoa que a partir daquele importante momento tomava posse sobre a pena e, com as próprias mãos e a partir das próprias palavras, escreveria o próprio livro.

Colocaram os mencionados óculos no rosto do adolescente, vestiram-no também pelo chapéu que lhe garantia um aspecto mais amadurecido, estava finalizada a transformação.

— O que achou? — contente pelo trabalho realizado, Rute posicionou o espelho diante o jovem, sorria tranquila, um sorriso que Sara notou, o sorriso que revelava uma certeza: a alegria retornava à alma abatida.

— Esse sou eu? — divertido, Felipe exibiu o espanto ao encarar o próprio reflexo, não resistiu e lançou uma piscadela a si mesmo, vangloriou-se pela beleza que julgou existir naquela imagem inspiradora.

— Não poderia ser outro! — Sara, sendo contagiada pela satisfação do amigo cuja sofrida história a tocava profundamente, confessou em seu peito que se

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apaixonara ainda mais pela figura galante, seus sentimentos afloravam em um prazeroso despertar.

— Irreconhecível! — Felipe se definiu —. Agora ninguém pode me segurar! — esbanjou confiança divertindo suas ouvintes —. Agradeço enormemente por essa ajuda, fizeram por mim o que não achava ser possível, trouxeram a liberdade!

— Pelo pouco que nos conhecemos posso assegurar que você é merecedor disso e de muitos mais! — Rute, contente pelo regozijo daquele que ajudara gentilmente, mostrou que também era uma admiradora do jovem adolescente —. Nunca permita que alguém o impeça de ser feliz, sei o quanto isso pode ser difícil na sua condição, mas conte conosco para ter seus anseios alcançados! — a amizade despretensiosa que surgira de repente ganhava maior proporção, se fortalecia, surgia uma família unida muito além do sangue, unida pelo amor genuíno e incondicional de humano para humano.

De volta em casa, comemorando junto a Victor o sucesso do que idealizaram, Felipe se lembrou de um detalhe esquecido, algo que se apresentou como mais um empecilho, dessa vez difícil de contornar.

— Sou manco — a face de júbilo deu lugar à frustração —. Por algum momento me esqueci dessa verdade, estava tão feliz que ignorei o que carrego comigo, minha marca registrada, o que me colocaria em perigosa evidência...

— Fico feliz que tenha se esquecido desse incômodo, aliás, seria bom que se libertasse de todas as sofridas lembranças, daqui em diante um futuro luminoso o aguarda! — Victor deixou seu hóspede na sala por alguns segundos, voltou do quarto com um caixotinho em mãos, entregou-o ao adolescente —. Abra, espero que goste.

Curioso, Felipe desmanchou o laço, abriu o pacote, apalpou o presente e derramou-se em lágrimas de intensa emoção, de grande comoção, inexplicável felicidade. Era um par de sapatos personalizado à sua deficiência, esquecera-se do dia no qual o fiel amigo avaliara sua condição, não imaginava a nobre intenção.

— Já o agradeci por ser tão bom? — abraçou Victor, um abraço de sincera gratidão.

— Seja feliz, meu caro, é tudo o que merece: felicidade!

Felipe possuía uma perna mais longa que a outra, além do andar desajustado tal condição causava ferimentos doloridos em seus pés, mas os sapatos adaptados nivelavam os membros, permitiam ao adolescente um andar tranquilo, confortável e natural. Uma nova história lhe era oferecida.

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