• Nenhum resultado encontrado

Ninguém Resiste ao Amor

No documento Marcados Pelo Amor (páginas 87-95)

Anos atrás

Capítulo 21 Ninguém Resiste ao Amor

Capítulo 21 – Ninguém Resiste ao Amor

Há fatos que nos assustam, experiências que nos confundem, vivências que atraem e nutrem os questionamentos, momentos que levantam dúvidas, desconfianças e incertezas sobre o que é a vida, o que é viver, qual a segurança que temos de que a realidade é mesmo real.

São fatos intensos, que mexem com o nosso aparente imutável ser, que fazem nossos olhos contemplarem o vasto universo de maneira conflitante. Fatos para os quais não estivemos preparados, embora almejássemos, mas que nos ferem e nos transformam.

Ana sentia-se confusa.

Desde a noite de amor que tivera com Artur não teve coragem de encontrá-lo, encarar os seus olhos, ouvir sua voz e desnudar os próprios pensamentos. Naquela noite sentiu o quanto o amava, era imensurável e indescritível o tamanho de seu afeto por alguém que não se distanciava de seus melhores desígnios. Era amada da mesma maneira? Era estimada com a mesma violenta intensidade? Naquela noite descobriu que o desejava mais que qualquer outro anseio, era com ele que queria desbravar o futuro.

Se por um lado sentia medo de que não houvesse reciprocidade, por outro teve a certeza de que tal relação era perigosa, cheia de riscos e desafios imensos, poderia ser fatal. Enquanto rendida aos afagos de Artur, libertando-se de opressões e determinações, Ana chegou a concordar que seria capaz de qualquer coisa em nome daquele amor, por alguns instantes, ainda que em silêncio, confessou que poderia se encher de forças e ultrapassar os limites que acreditava contê-la, sentiu medo de si mesma, da momentânea disposição alimentada pela experiência que viveu, uma experiência que queria para sempre reviver, a experiência que concedeu instantes de paz e alívio. Tal disposição poderia incentivar loucuras irreversíveis.

— Ana... — Laís bateu à porta antes de entrar nos aposentos da filha, estranhava o isolamento da moça, a falta de alegria no rosto sempre esperançoso —.

Podemos conversar?

A própria companhia já não era o suficiente, a solidão já não trazia as respostas acostumada a obter, precisava desabafar, precisava revelar um segredo íntimo, algo que muitos repudiariam enquanto outros almejariam viver. Precisava conversar, ninguém melhor que a mão, a única na qual confiava, para que recebesse suas declarações.

— Mas é claro... — sentou-se na cama sendo acompanhada pela baronesa.

— Tenho notado certo distanciamento, desapontamento, desânimo... — acariciou o suave rosto da filha —. Como vão as coisas com Artur? Sabe que torço por vocês.

Marcados Pelo Amor escrito por Amilton Júnior

@Amilton.Jnior

@LivroWeb

88 Capítulo 21 – Ninguém Resiste ao Amor

Após um longo silêncio, enquanto buscava pelo jeito mais sutil possível para que fosse transparente, Ana encarou a boa mulher, segurou suas mãos, necessitaria de apoio.

— Deve saber o que sinto por estar sendo dirigida a uma vida que não almejo, deve conhecer meu desespero ao imaginar que acordarei todas as manhãs ao lado de um homem que não me desperta sentimento algum, deve compreender também que quanto nos desesperamos, quando não vemos mais a luz e nem contemplamos o horizonte, rendemo-nos aos nossos maiores desejos temendo não termos a chance de um dia vivê-los... — emocionou-se, deu liberdade à fina lágrima para percorrer sua pele —. Artur e eu passamos uma noite juntos, a melhor e mais decisiva da minha vida, eu o amo incondicionalmente!

Perante tão espantosa declaração, Laís recordou-se dos anos que se foram, quando na véspera de ser entregue ao pior dos pesadelos não pôde resistir aos seus mais íntimos e pessoais intentos, não pôde recusar aos toques de Heitor, às demonstrações de um carinho profundo e eterno, quando foi derrotada pela paixão e também alcançou uma certeza: aquele era o homem que a completava.

Emocionada, enxergando-se naquela que amava, a baronesa trouxe Ana ao seu ombro, abraçou-a com ternura, com compreensão, querendo esclarecer que em hipótese alguma a desampararia.

— E se não for verdade? — abriu o coração, deixaria passar as maiores preocupações —. E se ele não me ama dessa forma dolorosa? E se por causa desse sentimento avassalador for ferido, machucado, sacrificado?

— Minha querida, precisa se acalmar, precisa esvaziar essa mente repleta de confusões, ao entregar-se à filha do barão Artur assumiu um risco impensável, o que seria isso se não amor?

— Desde aquela noite não nos vimos, tenho sido receosa, agido com covardia, não pude estar ao seu lado — tornou a encarar os olhos de Laís, olhos que brilhavam como o mel fresco —. Sei que o que fiz não poderia ter acontecido, reconheço minha fraqueza, mas quem vence o amor?

— Exato, ninguém é capaz de passar por cima de um amor tão grande, não se culpe por isso, não se condene por amar...

— O que devo fazer?

— Fugir dos seus sentimentos é inútil, não quero mais que essa tristeza domine seu olhar, quero vê-la contente apesar de tudo, acreditando que sempre há um escape

— preferiu não revelar a proposta de Heitor, esperaria algum tempo, precisavam ser minuciosos, cautelosos e prudentes.

¤

Pode alguém escapar do amor? Inegavelmente, não. As pessoas podem recusar-se a um amor, tentar recusar-se esconder desrecusar-se recusar-sentimento que atravessa barreiras, mas o

Marcados Pelo Amor escrito por Amilton Júnior

@Amilton.Jnior

@LivroWeb

89 Capítulo 21 – Ninguém Resiste ao Amor

sentem, sentem-no tanto que, por medo, negam, vestem armaduras, endurecem os corações, mas no fundo sabem que amam e essa simples ideia as apavora.

Artur sabia que amava.

Tentava esconder que amava.

Mas amava imensamente alguém que, em certos momentos, questionava-se se era merecedor, se era digno, se não passava de insanidade.

Estranhava aquele distanciamento, há dias Ana não visitava o rio e no anoitecer não abria a varanda, aquele silêncio o ensurdecia, permitia que pensamentos contenciosos gritassem em sua mente, esbravejassem em seu peito e trouxessem amargas perguntas cujas respostas pareciam não existir. O que teria feito de errado? Seria uma única noite capaz de esfriar os ardentes afetos? Precisava saber o que acontecera, a falta de esclarecimentos o perturbava.

— Filho... — debaixo do céu estrelado, limpo de nuvens, Adelaide se colocou ao lado do rapaz pensativo, também fora capaz de perceber a mudança de comportamento, o silêncio recorrente, dispôs-se a ser o auxílio de um jovem repleto de sonhos, mas que estava impiedosamente aprisionado —. Sabe que não gosto de ver essa preocupação em seu olhar, sabe também que pode confiar em mim...

Sempre almejou por independência, ao invés de ser cuidado e protegido, queria ajudar e defender a amada mãe junto ao estimado irmão, acreditava ser forte, autossuficiente, mas confrontado pelo amor precisou voltar atrás e reconhecer sua fragilidade.

— Nunca imaginei que fosse afirmar tamanha loucura, mas estou sofrendo... — levou os olhos ofuscados à mãe —. Sofrendo por amar... — forçou o desanimado sorriso.

— O que houve?

— Não vejo Ana há dias e nem notícias tenho recebido, se ela soubesse o quanto essa situação me incomoda... — refletiu sobre o que diria, precisava de ajuda, um auxílio que somente alguém experiente poderia conceder —. As coisas ficaram estranhas, talvez o amor tenha acabado depois de uma noite que passamos juntos...

Adelaide se assustou, sentiu medo, cogitou repreender o filho e apontar todos os perigos aos quais se arriscou, mas foi compreensiva, conhecia a potente força do mais nobre dos sentimentos, ninguém o resistia, era impossível.

— Mesmo com todas as ameaças, com todos os perigos, essa moça se rendeu à sua companhia, deixou-se vulnerável à sua presença, ela o ama de forma corajosa... — recolheu a serena lágrima do rapaz que sentiu o coração se acalmar —. Seja paciente, o amor exige isso de nós...

¤

Se o amor tudo suporta nada o pode conter, prender, encarcerar, acorrentar... Se o amor tudo vence não é o tempo, não são as dúvidas, as incertezas nem o medo que o apagam, ele é forte, imbatível.

Marcados Pelo Amor escrito por Amilton Júnior

@Amilton.Jnior

@LivroWeb

90 Capítulo 21 – Ninguém Resiste ao Amor

Lançando pedras sobre as águas corriqueiras, sentado à beira do confidente rio, Artur sentiu o aroma inconfundível e as mãos sempre reconhecíveis pousarem sobre seus olhos.

Sorriram.

Encaram-se.

Beijaram-se saudosos.

Continua...

Marcados Pelo Amor escrito por Amilton Júnior

@Amilton.Jnior

@LivroWeb

91 Capítulo 22 – “Eu estou aqui...”

Capítulo 22 – “Eu estou aqui...”

Os verdadeiros amantes, aqueles que não fingem afeto nem forçam algo inexistente por interesse em segundas e egoístas intenções, sentem a distância como uma dor imobilizadora, sentem o silêncio como o estrondo de maus tempos, sentem a ausência como o prenúncio de tempestades cruéis, em nada sutis, em muito destruidoras.

Mas ao romper da distância, à cisão do silêncio e à quebra da ausência, voltam a sorrir, a sonhar, a acreditar no amor, a confiar em tal sentimento, a vivê-lo completos e despreocupados. Quem ama de verdade vence quaisquer obstáculos.

Artur e Ana venceram.

Contemplaram-se mais uma vez.

A filha do barão de São Pedro, mantendo os olhos erguidos a fim de contemplar as íris castanhas, próxima daquele que incitava seus tantos e profundos suspiros, sentiu o peito transbordar de contentamento, sentiu a esperança retornar, o beijo que rompeu com a distância fez renascer o sol.

— Não imaginava que pudesse sofrer tanto com sua ausência... Fui tola ao cair em questionamentos, não posso acreditar que cometi tão grave equívoco ao dar ouvidos a preocupações sem sentido... Para quê sentir medo se tenho a sorte de possuir a companhia do mais nobre dos cavalheiros?

Sentindo-se reconfortado, percebendo que não era o único a passar por conflitos incômodos, o jovem rapaz alisou os cabelos compridos, encarou os olhos que sempre o levavam ao dourado das folhas de outono, agradeceu em secreto pela dádiva de viver aquele amor.

— Não pode se culpar nem pense que eu a culparia, se conseguisse invadir minha mente e descobrir os inúmeros medos que aqui residem sentiria pena, também tenho receios, também tenho dúvidas sobre o porvir, mas mais que todas essas coisas possuo uma certeza que nunca se esvai, que nunca se abala, que nada pode diminuir:

eu te amo, entregaria minha vida por esse amor!

O coração da donzela balançou, sua alma foi docemente tocada e os olhos que brilhavam não puderam conter as lágrimas da sincera comoção que a tomara. Sentir-se amada de um jeito tão profundo era incomparável a qualquer outro prazer existente no universo.

— Não pode imaginar o quanto me alegro por ouvir tal declaração, isso apenas me fortalece e encoraja a permanecer em meu propósito, em confiar que terei a liberdade de viver ao lado do único que amo, do único que continuarei amando pela eternidade — levou as mãos discretas ao rosto cuja textura tão bem conhecia, tão grandemente apreciava —. Esses dias me trouxeram uma verdade dolorosa: sou incapaz de viver feliz se não o tiver junto a mim, sinto medo do que possa nos

Marcados Pelo Amor escrito por Amilton Júnior

@Amilton.Jnior

@LivroWeb

92 Capítulo 22 – “Eu estou aqui...”

acometer, sinto medo de que as forças opositoras sejam mais fortes que nós, o futuro deixaria de existir...

— Não se importe de sentir medo, não tente se privar dos receios, eles estarão sempre ao nosso encalço, mas não permita que tais angústias a afastem de mim, coloquem em incerteza o que não me canso de confessar, eu estou aqui... — cobriu a mão que acariciava seu rosto, envolveu-a afetuosamente, era um gesto de proteção, a promessa de segurança —. Esse amor que vivemos é mútuo, não queira carregá-lo solitariamente, precisa confiar em mim, quero que conte com meu auxílio, que ao menos procure nesse pobre apaixonado o conforto de que precisa, farei sempre o possível para ver um sorriso nesse rosto lindo — beijou amoroso a mão que não se enfadava de segurar —. Exatamente como esse que seus lábios acabaram de desenhar... — beijou-a romântico, transbordou todo seu afeto.

¤

Tememos por aqueles que amamos, não importa qual seja o tipo de amor que cultivamos, se amistoso, fraterno ou romântico, jamais desejamos o mal daqueles que estimamos, ao contrário disso não poupamos esforços em defendê-los, em protegê-los, fazê-los felizes.

Adelaide e Laís, duas mulheres que mantinham em oculto uma amizade leal, amavam seus filhos incondicionalmente e, por esse amor imenso, sofriam junto a eles a existência daquele sentimento coibido, daquela paixão que procuravam manter em segredo, mas que a cada dia se tornava mais impossível de esconder.

— Não sei se o que fazemos é correto, nem gosto de imaginar quais seriam as consequências se, por uma infelicidade, o pano se rasgasse e tudo fosse descoberto, mas também não posso aprisionar dois amantes, acorrentar jovens com tantas expectativas, com um desejo inspirador de se manterem em sintonia — Adelaide, enquanto abria a massa do pão que preparava, confessou à amiga aquilo que tirava seu sono, que apertava seu coração materno.

— Não queira se preocupar dessa forma, minha amiga, o que estamos fazendo de abominável? Não acredito que lutar pelo amor seja motivo de condenação e, mesmo que pegas, mesmo que perseguidas, ainda valeria a pena cada segundo de dor, ao menos teríamos a certeza de que possuímos uma alma pura enquanto muitos se corrompem em ódios infundados... — a baronesa, aproveitando a ida de Frederico à cidade, ajudava a escrava na cozinha, preparava o recheio dos pães, sentia-se realizada ao cozinhar, ao exercer um talento que herdara da mãe.

— Como consegue ser tão ousada? — a negra questionou —. Não teme perder a vida?

— Pelo amor vale qualquer sacrifício.

— Muito me admiro por defender de maneira assídua algo de que foi privada.

— Do amor ninguém nos priva, pensam que sim, mas não conseguem, não são capazes — levou o olhar à curiosa mulher —. Como sabe, casei-me com Frederico

Marcados Pelo Amor escrito por Amilton Júnior

@Amilton.Jnior

@LivroWeb

93 Capítulo 22 – “Eu estou aqui...”

amando outro homem, mas o que não contei é que ainda o amo, ainda sinto o gosto desse amor, o prazer dessa paixão. Não esfriaram o que compactuo por ele. Não puderam encerrar nossa história. Se preferem serem feitos de ingênuos, que assim seja! — riu divertida.

— Por isso me convenceu de que é inútil tentar afastar nossos filhos...

— Eles se amam, Adelaide, quanto a isso nada podemos fazer, apenas ajudar.

¤

Talvez nunca tenham ouvido, talvez nunca alguém se encheu de coragem para encará-los nos olhos e confrontá-encará-los com uma verdade irrefutável, a acusação exata, a denúncia que os condena: cada um de vocês faz parte de uma sociedade hipócrita e injusta, governada por homens bárbaros, ardilosos e aproveitadores!

É incompreensível a forma como tratam sua própria espécie, seus iguais, é absurdamente repudiável a vida que concedem a homens, mulheres, crianças, jovens e idosos que de diferente apenas possuem a cor da pele, mas que são tão humanos quanto o mais forte dos reis, isto é, se este compreender que ser humano é compartilhar amor, fraternidade, lealdade, dignidade, respeito e compreensão. Quem repudia esses valores indispensáveis não passa de animal!

Os negros não são inferiores a nenhum de nós, ao contrário, somos nós os desprezíveis ao acreditarmos que eles existem para nos servir, para satisfazerem nossos egoístas intentos.

Se alguém me perguntasse quem são os animais eu responderia com toda a firmeza: os verdadeiros inúteis são aqueles que seguram chicotes nas mãos.

De que lhes vale frequentar a missa? De que lhes agrega ouvir a leitura bíblica se ao saírem das igrejas, onde vestem-se de falsa santidade, permanecerão em seus comportamentos mesquinhos, miseráveis e abomináveis? Vocês não entenderam nada e pagarão essa ignorância provando do calor do inferno!

Nossos irmãos, os negros, pessoas dignas de respeito e acolhimento, exigem liberdade!

O autor não importa.

Com tão agressiva publicação circulando nas mãos dos moradores de São Pedro, a província entrou em alvoroço, uns repudiavam a petulância do escritor, acusavam-no de heresia, de covardia por não assinar seu nome, por não se levantar nas praças e encarar a sociedade nos olhos fazendo seu discurso traiçoeiro; outros, porém, aplaudiam as duras palavras, elogiavam a coragem do desconhecido autor em expor aquilo que elas também pensavam, aquilo pelo qual almejavam lutar, começavam a se motivar.

Frederico, contudo, assim como outros poderosos, ao receber a publicação saindo do banco onde guardava suas economias, blasfemou contra o ousado literato, rasgou o folheto cheio de fúria, pisou sobre os recortes como se pudesse matar as palavras, mas não era capaz, ninguém nunca poderá extinguir as palavras.

Marcados Pelo Amor escrito por Amilton Júnior

@Amilton.Jnior

@LivroWeb

94 Capítulo 22 – “Eu estou aqui...”

O escritor secreto, por sua vez, sabia exatamente qual era seu objetivo:

incomodar, enlouquecer e, por fim, revolucionar.

Marcados Pelo Amor escrito por Amilton Júnior

@Amilton.Jnior

@LivroWeb

95

No documento Marcados Pelo Amor (páginas 87-95)