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3.3 A ORIGEM DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

3.3.5 Ampla defesa e seus desdobramentos

Neste tópico, é importante compreender quais são os desdobramentos da ampla defesa, para determinar o seu alcance, assim podem ser resumidos: a) no direito de ter conhecimento da imputação; b) de apresentar alegações contra a acusação; c) de acompanhar a prova produzida e fazer contraprova; d) de defesa técnica por advogado, cuja função é essencial à administração da justiça (CF, art. 133); e) de recorrer da decisão desfavorável (GRECO FILHO, 1995, p. 47)79. No processo penal, esses instrumentos de garantias são mais criteriosos, por isso afirmar que o exercício da defesa deve ser amplo, sendo a obrigatoriedade da “defesa técnica” um desdobramento do princípio da ampla defesa (GRECO FILHO, 1995, p. 58).

Aliás, essa é a intenção do legislador constitucional ao estender o princípio do contraditório e da ampla defesa aos processos administrativos, ao equiparar aos processos judiciais, o legislador pretendeu ampliar as garantias, constituindo um núcleo processual comum.

Por outro lado há doutrinadores80 (GRINOVER, 1982, p.16; LESSA, 2009, p.193) que trazem a ampla defesa com dois desdobramentos, constituindo a defesa técnica e a autodefesa, entendida como ampla defesa para o âmbito do direito penal. Partindo deste entendimento, a ampla defesa pode ser exercida através da defesa técnica ou ainda através da autodefesa. A defesa técnica é aquela realizada através de um profissional habilitado, isto é, o advogado, enquanto a autodefesa é aquela feita pelo próprio réu, através sua atuação pessoal (TUCCI; TUCCI E CRUZ, 1989, p.63).

Nelson Nery (2010, p.252) preleciona que a “autodefesa consubstancia-se no direito de audiência e no direito de presença”. Portanto, isso não significa que a parte

79 Greco Filho (1995, p.47) conceitua o “processo” como uma garantia instrumental, porque serve de instrumento

de realização da justiça e da efetivação de direitos, considerando os meios de concretização da ampla defesa como: a) o direito de ter conhecimento da imputação; b) de apresentar alegações contra a acusação; c) de acompanhar a prova produzida e fazer contraprova; d) de defesa técnica por advogado, cuja função é essencial à administração da justiça (CF, art. 133); e) de recorrer da decisão desfavorável (GRECO FILHO, 1995, p. 47). Harger (2008, p. 144) traz também os principais desdobramentos do princípio do contraditório e da ampla defesa como: “a) motivação; b) audiência do interessado; c) revisibilidade; d) ampla instrução probatória; e) direito a ser representado; f) acesso aos autos; g) presunção de inocência”, entretanto, serão abordados neste tópico, apenas os desdobramentos da ampla defesa, haja vista que os demais já foram tratados como efetividade do contraditório e igualdade processual.

80“Quando se trata de defesa penal, é que na verdade essa defesa se desdobra em duas diversas garantias: a

defesa técnica, produzida por advogado, e a autodefesa, configurada pela necessária presença do acusado aos atos processuais. [...] No tocante a defesa técnica, a sua necessidade é absoluta, por ex., segundo julgados do STF, a falta de advogado” acarreta a nulidade do processo (GRINOVER, 1982, p. 16).

elaborará a sua própria defesa técnica, mas intervirá pessoalmente no processo através do interrogatório ou ainda com a sua presença em audiência.

Por isso afirmar que nesses processos, o contraditório deve ser efetivo, real e substantivo, por essa razão que o Código de Processo Penal exige a defesa técnica substancial do réu, ainda que revel, e determina que seja nomeado defensor público ou dativo, sendo a defesa técnica exercida através de manifestação devidamente fundamentada (NERY JUNIOR, 2010, p.212).

Seguindo esta linha de raciocínio, como o processo administrativo disciplinar também possui natureza punitiva, uma vez que a administração pública aplica sanções aos servidores, restringindo direitos e bens, através de uma decisão administrativa autoexecutável81. Por essas razões é que a exigência da defesa técnica com a presença do advogado deve ser realizada não apenas no processo penal, mas também nos processos sancionadores82 que visa à imposição de penalidade à pessoa do servidor, neste caso o processo administrativo disciplinar. No entanto, a interpretação dada ao Estatuto dos Servidores Públicos Federais83 (Lei 8.112/90) é da facultatividade da parte acusada de se fazer representar no processo através de advogado, bem como da elaboração da defesa técnica, sendo inclusive esse o entendimento confirmado pelo Supremo Tribunal Federal.

Dessa forma, em decorrência do contraditório substancial não é possível à aplicação de penalidade, sem que se dê ao acusado a oportunidade de se manifestar de forma concreta e efetiva no processo, permitindo a possibilidade de influenciar no resultado da decisão que para isso deve ser realizado através da defesa técnica, porém, não em qualquer processo administrativo, mas naqueles em que haja punição.

Em suma, o princípio do contraditório e da ampla defesa manifesta-se através de diversos desdobramentos como: o dever de individualização das condutas no ato de

81 “No caso específico do processo administrativo disciplinar, um aspecto assume especial revelo: as penalidades

administrativas aplicadas são, em princípio auto-executáveis, o que torna privilegiada a posição da administração”, por isso que é necessário que se permita ao administrado e ao servidor público elementos de defesa contra a máquina poderosa da Administração Pública (FERREIRA, 1972, p. 62).

82 Nelson Nery Junior (2010, p.253-254) advoga que a defesa técnica deve ser realizada em qualquer processo

sancionador, seja disciplinar ou não, desde que vise a imposição de penalidade à pessoa humana. “Em processos sancionadores, como ocorre com o processo penal e com o processo administrativo sancionador (disciplinar ou não), que visa imposição de penalidade à pessoa humana, ao servidor ou administrado, ressalta a importância de observar a garantia constitucional da ampla defesa, motivo por que nesses processos é imprescindível que a defesa do acusado seja técnica, isto é, feita por advogado. Por essa razão, não se pode ter como atendido o princípio constitucional da ampla defesa se não se der advogado ao acusado, no processo penal e no processo administrativo sancionador” (NERY JUNIOR, 2010, p.254).

83 No mesmo sentido, a lei que trata sobre Processo Administrativo Federal (Lei 9.784/99), também dispõe sobre

instauração do processo, a possibilidade de interposição da defesa previamente, o direito de ser ouvido, o direito de oferecer e produzir provas, o direito a uma decisão fundamentada, o direito à defesa técnica por advogado (BACELLAR FILHO; HACHEM, 2010, p.35). Entretanto, o objeto de estudo desta dissertação está delimitado ao direito de defesa técnica do acusado no processo administrativo disciplinar como concretização do direito fundamental ao contraditório e a ampla defesa.

Para essa compreensão, exige-se o conhecimento da distinção entre processo e procedimento, as semelhanças entre processo judicial e administrativo, bem como a tipologia dos processos administrativos e a sua relação jurídica de natureza processual, que será investigado no próximo capítulo, para que se determine o alcance da obrigatoriedade da defesa técnica nestes processos sem ofender o contraditório e a ampla defesa.

4 PROCESSO ADMINISTRATIVO

Como já exposto no capítulo anterior, apesar de o texto constitucional prever formalmente o termo “processo administrativo”, ainda existem controvérsias na doutrina processualista e administrativa sobre a utilização do termo “processo” no âmbito do direito administrativo. A doutrina debate sobre a conceituação de “processo” e “procedimento”, já que para a corrente processualista tradicional a denominação “processo” estaria intimamente ligada à função jurisdicional, exercida exclusivamente pelo poder judiciário, enquanto o “procedimento” seria inerente à atividade administrativa84.

Com as mutações sofridas pelo direito administrativo85, caracterizada pela aproximação das relações entre Estado e cidadão, constatou-se uma verdadeira mudança de paradigma, por conseguinte, a necessidade preeminente do cidadão de participar da decisão administrativa final, como resultado do Estado Democrático86. Essa participação se daria através da manifestação da parte no “processo”.

Partindo desse entendimento, a ideia de “processo” é mais ampla que processo judicial, primeiro porque é um termo que pode ser utilizado por qualquer ramo do direito, inclusive por outras disciplinas não jurídicas. Segundo porque o seu significado não é exclusivo da função jurisdicional, já que é originária do vocabulário latino procedere, decorrente da junção do prefixo pro (para adiante, para frente) e cadere (caminhar, cair), denota algo dinâmico, em movimento, traduzido em sentido genérico como a “sequência de fatos, atos e atividades com vistas a ser alcançado determinado fim” (CARVALHO FILHO, 2009, p.2-3).

84 Sundfeld (2002, p. 94-101) adota a terminologia procedimento administrativo para designar toda e qualquer

atividade da administração pública, inclusive a de aplicação de sanção administrativa, e assim defende que o processo “é o encadeamento necessário e ordenado de atos e fatos destinados à formação ou execução de atos jurídicos cujos fins são juridicamente regulados”, demonstrando que o termo “processo” estaria atrelado à atividade judicial. Entretanto, não enfrenta a essência da problemática, já que no “procedimento administrativo” também há um desencadeamento ordenado de atos e fatos destinados à formação da decisão administrativa que são regulados juridicamente. Em sentido contrário, Medauar (2008, p.18) afirma que “a idéia de processo como exclusividade da função jurisdicional pode significar negação de uma processualidade administrativa; ou pode expressar preocupação terminológica, como o fim de evitar confusão entre o modo de atuar da Administração e modo de atuar do Judiciário, reservando-se para o âmbito administrativo o vocábulo procedimento; ou, então traduz a inexistência de conscientização para um novo modo de atuação administrativa”.

85 Moreira Neto (2005) no artigo jurídico “As mutações de direito administrativo” trata sobre o tema.

86 Nas palavras de Ferraz e Dallari (2012, p.53) “a consolidação da ambiência democrática ensejou a regulação,

em todo o País, do processo administrativo. Estava criado o instrumento viabilizador da coparticipação da cidadania no desempenho da função administrativa. E daí a revolução verdadeiramente copernicana que a doutrina brasileira do direito administrativo passaria a vivenciar (embora com atraso de cerca de três décadas – demora dolorosamente invencível para os Países não hegemônicos): o núcleo da investigação migrou do ato administrativo para a relação jurídica administrativa”.

Considerando esses dois enfoques, o “processo” pode ser traduzido como um conjunto ordenado de atos e fatos praticados de forma sequenciada pelo poder público, abarcando o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, instrumentalizado através da participação dos pretensos interessados que visa alcançar determinado fim, como resultado da expressão do Estado Democrático de Direito.

O termo “processo” representa o meio pelo qual se oportuniza as partes de participarem democraticamente da decisão, importando um verdadeiro instrumento no qual o poder do Estado é exercido legitimamente87. Oliani (2007, p.22) destaca que o processo é um “instrumento pelo qual o poder é exercido, compreendendo-se, atualmente, que todo poder é exercido por meio de um procedimento, que se caracteriza como um processo, desde que seja realizado em contraditório”.

Por esses argumentos, não seria lógico reduzir a abrangência do termo a um determinado poder estatal, apenas pela justificativa de que poderia ser confundido com o “processo judicial”, que possui peculiaridades e especificidades próprias pré-determinadas pela Constituição e pela lei.

O grande problema na utilização da terminologia “processo” na seara administrativa se encontra nos países em que adotam o sistema de jurisdição dupla, aquele em que há uma jurisdição especializada e independente do poder judiciário para apreciar o contencioso administrativo, sendo mais adequada, nesses casos, a utilização das expressões “processo jurisdicional administrativo” ou “processo da jurisdição administrativa”, para especificar os processos em tramitação da jurisdição administrativa88 (MEDAUAR, 2008, p. 47).

Com efeito, não há como confundir o contencioso administrativo, que se desenvolve na justiça especializada independente e autônoma do poder judiciário, caracterizada pelo sistema de dupla89 jurisdição, o qual compete apreciar litígios em que a

87 Verificar a contribuição filosófica de Luhmann e Habermas sobre a legitimidade do procedimento através da

participação dos interessados no primeiro capítulo desta dissertação.

88 “A despeito do difundido uso do termo procedimento no âmbito da atividade administrativa, mais adequada se

mostra a expressão processo administrativo. A resistência ao uso do vocábulo processo no campo da administração pública, é explicada pelo receio de confusão com o processo jurisdicional, deixa de ter consistência no momento em que se acolhe a processualidade ampla, isto é, a processualidade associada ao exercício de qualquer poder estatal. Em decorrência, há processo jurisdicional, processo legislativo, processo administrativo; ou seja, o processo recebe a adjetivação provinda do poder ou da função de que é instrumento. A adjetivação, dessa forma, permite especificar a que âmbito de atividade estatal se refere a determinado processo” (MEDAUAR, 2008, p.44).

89O sistema de “jurisdição dupla” e “jurisdição única” são trazidos por Greco Filho (1995, p. 36-37) quando

administração é parte, com o processo administrativo que se desenvolve na esfera da atividade administrativa em qualquer dos poderes, de acordo com as peculiaridades do sistema jurídico adotado em cada país.

Apesar da resistência de alguns estudiosos, a terminologia “processo” é também aplicada no direito administrativo, isso ocorreu, por outro lado, em virtude da contribuição da doutrina estrangeira de Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da Silva, Adolf Merkl, bem como dos autores brasileiros expressos nas obras de Odete Medauar, Lúcia do Valle Figueiredo, Romeu Felipe Bacellar Filho, Marcelo Harger, Egon Bockmann Moreira, Sérgio Ferraz, Adilson de Abreu Dallari, Rafael Munhoz de Mello, José dos Santos Carvalho Filho, dentre outros.

Ao estudar o processo administrativo, é importante fazer a distinção entre a relação jurídica processual e relação de direito material, já que são independentes e autônomas. Neste trabalho, deve ser deixado claro que o direito ao processo, bem como a aplicação dos princípios processuais, não significa adentrar no mérito da decisão, correspondente à relação jurídica de direito material. Ademais, passa-se a estudar como se desenvolve a relação jurídica processual.