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A cláusula do “devido processo legal” encontra-se intrinsecamente relacionada ao sentido e alcance do princípio do contraditório e da ampla defesa, revelado por alguns doutrinadores46 como resultado da concretização desse postulado, observada sob seu aspecto substancial47 de acordo com os fins e valores do Estado Democrático de Direito.

46 Ada Pellegini (1975, p.18-19) afirma que ao conteúdo do due process of law, significa a garantia da ação e da

defesa em juízo, permitindo o desenvolvimento do processo com a observância do contraditório e dos meios processuais que possibilitem a igualdade entre as partes. No mesmo sentido, Dirley da Cunha Jr. (2009, p. 700) anota que a garantia do contraditório e da ampla defesa “complementam e dão sentido e conteúdo à garantia do devido processo legal, pois seria demasiado desatino garantir a regular instauração formal de processo e não assegurar o contraditório e a ampla defesa àquele que poderá ter a sua liberdade ou o seu bem cerceado; ademais, também não haveria qualquer indício de razoabilidade e justiça numa decisão quando não se permitiu ao individuo às mesmas garantias do contraditório e da ampla defesa. São assim, garantias que se casam numa união indissolúvel. O contraditório, numa acepção mais singela, é garantia que assegura à pessoa sobre a qual pesa uma acusação o direito de ser ouvida antes de qualquer decisão a respeito. A ampla defesa, a seu turno, é a garantia que proporciona a pessoa contra quem se imputa uma acusação a possibilidade de se defender e provar o contrário. É obvio que, para o sucesso dessas garantias, é necessário que a pessoa tome conhecimento dos fatos que lhe atingem para poder, ouvida a respeito, deles se defender e apresentar as provas necessárias. Negar essa possibilidade é abuso manifesto, é arbitrariedade, pois viola frontalmente a Constituição e o Estado Democrático de Direito”.

47 Carmén Lúcia Antunes Rocha (1999, p. 477-478) destaca o “princípio do devido processo constitucionalmente

O “due process of law” teve sua origem, ainda que de forma embrionária, através da Magna Carta do Rei João Sem Terra em 1215 na Inglaterra, e neste período medieval, não se imaginava o grau de importância que tal cláusula se despontaria no direito como sendo uma “suprema garantia das liberdades fundamentais do indivíduo e da coletividade em face do Poder Público” (CASTRO, 2006, p.5), após quase oito séculos depois.

Dessa época para atualidade, o postulado do devido processo legal passou por diversas transformações verificadas especialmente através da jurisprudência48 norte- americana. No início era traduzida como uma simples garantia processual que assegurava a regularidade de um processo previsto formalmente, entretanto, hodiernamente é entendida não apenas no seu sentido processual, o procedural due process, mas também no sentido substantivo49, o substantive due process (CASTRO, 2006, p.29).

O princípio do devido processo legal teve seu apogeu com os pronunciamentos jurisprudenciais na Corte dos Estados Unidos da América relacionados à atuação do poder do Estado, principalmente no controle dos atos legislativo e em face das decisões da administração pública, de modo que as primeiras discussões sobre o assunto estavam atreladas à limitação do poder público50, por conseguinte, afetavam as relações entre o Estado e o indivíduo (CASTRO, 2006, p.49).

segundo o que o direito determine, fazendo com que o desempenho dessa atividade se faça por uma relação tendo como um dos pólos o administrado, que participa da dinâmica administrativa; em segundo lugar, o direito do administrado de que essa relação se desenrole segundo os princípios que conferem segurança jurídica a seu patrimônio”. Esse princípio “passou a constituir a baliza na idéia democrática da limitação do poder público. E não apenas como limite formal, mas como limite positivo material, a dizer, não somente como forma de extrema negativa, além do qual o poder não poderia atuar por adentrar o patrimônio jurídico protegido de alguém, mas também como limite material positivo no sentido de que o conteúdo das decisões administrativas e a impositividade de sua prática justa e adequada ao sistema jurídico marcam-se e controlam-se pelo princípio do devido processo legal” (ROCHA, 1999, p. 477).

48 Carlos Roberto Siqueira Castro (2006, p.26-27) ao retratar sobre a origem e a evolução do devido processo

legal destaca que “em razão do seu enunciado elástico e amoldável às exigências cambiantes daquela sociedade vocacionada ao progresso e à evolução dos costumes, a garantia do devido processo legal experimentou profundas variações no tratamento jurisprudencial. Tornou-se, ao lado do princípio da isonomia (equal protection of the law), o principal instrumento de argumentação de que lançou mão a doutrina e a jurisprudência no vibrante processo de transformação do Direito Constitucional nos Estados Unidos da América. Sua evolução perpassa ao próprio sentido que a Constituição americana passou a assumir sob o influxo da metamorfose do Estado Liberal em Estado social, culminando, já hoje, em significar novas condições no relacionamento do Poder Público com os indivíduos e a sociedade civil, condições essas que refletem a visão do homem e do mundo acerca da liberdade e da solidariedade social nesse início do século XXI”.

49“O abandono da visão estritamente processualista da cogitada garantia constitucional (procedural due process)

e o início da fase “substantiva” na evolução desse instituto (substantive due process) retrata a entrada em cena de Judiciário como árbitro autorizado e final das relações de governo com a sociedade civil, revelando o seu papel de protagonista e igualmente “substantivo” no seio das instituições governativas” (CASTRO, 2006, p.49).

50 A evolução da cláusula do devido processo legal é muito bem retratada por Carlos Roberto Siqueira Castro

(2006, p. 31-64) através dos diversos julgados na Corte Norte Americana, diversos deles relacionados ao “devido processo legal” e a atuação do poder público no âmbito legislativo e executivo.

No direito brasileiro, a aplicação da cláusula do due process of law teve grande impulso com o advento da Constituição Federal de 1988, tendo em vista a consagração expressa no seu art. 5º, inciso LIV de que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Muito embora, já houvesse o reconhecimento de parte da doutrina51 como uma garantia implícita, o devido processo legal ganhou peso constitucional, abrangendo tanto a esfera cível como a administrativa, portanto, não se encontrava mais restrita ao campo do processo penal (LIMA, 1999, p. 174).

Grinover (1975, p.18), antes mesmo da Carta Constitucional de 1988, já sustentava que o “devido processo legal” representava “uma garantia constitucional, cujo conteúdo é o direito ao processo52”, não podendo ser entendido como “simples ordenação de atos”, mas como verdadeiro “instrumento público de realização de justiça” (GRINOVER, 1975, p.12), englobando o direito de ação e o direito de defesa. Inclusive, Grinover (1975, p.14) defende que o direito de defesa deve ser interpretado de forma ampla, não alcançando apenas o processo civil e penal, “mas todo e qualquer processo em que haja acusação e possibilidade de aplicação de pena: vale dizer, procedimentos disciplinares e administrativos53” (GRINOVER, 1975, p.14).

A propósito, as transformações ocorridas no papel do Estado, passando do Estado Liberal para o Estado Social e posteriormente para o Estado Democrático de Direito, também contribuíram para ampliação dos direitos fundamentais processuais dos cidadãos, ganhando a cláusula do devido processo legal uma dupla dimensão, sob o aspecto processual e substancial.

Rosynete Lima (1999, p.199-200) expõe dois postulados básicos do devido processo legal caracterizado pela igualdade das partes envolvidas no processo de litígio e a exigência de um julgador imparcial. E conclui afirmando que o devido processo legal, sob o enfoque procedimental, “concretiza-se por meio das garantias processuais oferecidas no

51 Ada Pellegrini Grinover (1975, p.8) já reconhecia a tutela constitucional do processo através da cláusula do

“devido processo legal”, antes da Constituição Federal de 1988.

52A autora continua: “Parece defluir, portanto, do texto constitucional, uma tutela jurídica menos genérica e

abstrata do que a mera obrigação de resposta do Estado, perante o pedido do autor: o texto também deve garantir a tutela dos direitos afirmados, mediante a possibilidade de ambas as partes sustentarem suas razões, apresentarem suas provas, influírem sobre a formação do convencimento do juiz, através do contraditório” (GRINOVER, 1975, p.19).

53 Interessante a anotação de Grinover (1975, p.13) que muito a frente do seu tempo já afirmava que “dentre a

estreita esfera que a constituição lhe atribui, o princípio do direito à ampla defesa não deve sofrer outras limitações; assim é que abrange não só os processos para apuração e punição de ilícitos penais, mas todo e qualquer processo em que haja acusação e possibilidade de aplicação de pena: vale dizer, os procedimentos disciplinares e administrativos (inclusive as sindicâncias e os processos fiscais)”.

ordenamento, visando ordenar o procedimento” e ao mesmo tempo “diminuir ao máximo o risco de intromissões errôneas nos bens tutelados”.

Na perspectiva processual, o devido processo legal é caracterizado pela constitucionalização das garantias processuais verificadas neste século, correspondente a formalização das etapas ritualísticas processuais estabelecidas através da lei, aptas a justificar a atuação restritiva do Estado nos bens sob sua proteção, o que traduz em mero instrumento de controle da legalidade (LIMA, 1999, p.243).

No entanto, o devido processo legal deve ser visto de forma mais ampla, como expressão do Estado Democrático de Direito, associado ao sentido de justiça, este modelo, configuraria então o devido processo legal substancial. Esse aspecto substancial busca a promover uma efetiva proteção processual constitucional ao indivíduo contra eventuais abusos praticados pelo Estado, por isso, determina a participação significativa e satisfatória na tomada da decisão que o afeta (LIMA, 1999, p.245).

A acepção do devido processo legal enseja várias traduções, em decorrência do seu conceito elástico, evidentemente, fator que contribuiu para as diversas interpretações atribuídas pelos Tribunais e pela doutrina estrangeira. Como já esclarecido em linhas anteriores, o due process of law é um instituto secular importado do direito inglês e norte americano, brotado do sistema jurídico da common law, portanto, diferentemente do sistema adotado no direito brasileiro.

Por essa razão, o sentido e alcance do devido processo legal sofrem algumas adaptações, por vezes se assemelha ao contraditório e a ampla defesa, por outra se identifica com o postulado da igualdade, ou ainda se encontra associado ao princípio da proporcionalidade ou razoabilidade54, porém, o que se busca de forma unívoca, diante da diversidade da doutrina estrangeira e brasileira, é um processo justo, adequado e equânime, realizado de acordo com os valores do Estado Democrático de Direito55.

54 Convém assinalar que “o princípio da proporcionalidade não está expressamente positivado na nossa

Constituição Federal de 1988, figurando, porém, em sede legislativa ordinária, o que não inibe, por certo, que o mesmo seja aplicado com frequência crescente por magistrados de todos os cantos do País com vistas ao controle da legalidade dos atos estatais. É natural que certas cláusulas supralegais, a exemplo dos princípios da igualdade (equal protection of the laws) é do devido processo legal (due process of law), e assim também o postulado jurídico-diretivo da proporcionalidade, por consubstanciarem conceitos jurídicos indeterminados, mas determináveis pelos sistemas de concreção judicial, apresentem acentuadas capacidade expansiva e de solicitude para com a assimilação de novas realidades e valores civilizatórios em contínuo processo de mudança”. (CASTRO, 2006, p. 195-196).

55 Cretella Neto (2002, p.40) assevera que o devido processo legal está relacionado com os fins perseguidos pelo

Estado Democrático de Direito. No mesmo sentido, Lima (1999, p.291), Moreira (2010, p.267), Bonavides (2002, p.395) quando trata do princípio da proporcionalidade.

Dessa forma, será utilizada como ponto de partida a construção proposta por Egon Bockmann Moreira (2010), tendo em vista que o autor, adaptando às peculiaridades do direito brasileiro, trouxe de forma sistemática a compreensão da cláusula a partir de três requisitos extraídos da interpretação do texto constitucional, conjugando os seus aspectos processuais e substanciais.

Moreira (2010, p.293-299), preleciona que o “devido processo legal” deve ser interpretado, observando três requisitos: o primeiro requisito é o da existência de um processo prévio, já que ninguém será privado da sua liberdade ou de seus bens sem que haja um “processo prévio revestido das demais garantias previstas na constituição56”; o segundo

requisito é revestido do sentido substancial de processo “devido”, significando o seu desenvolvimento adequado de acordo com os valores e fundamentos da Constituição57, consoante os fins propostos pelo Estado Democrático de Direito; e por fim, o terceiro requisito que qualifica o “devido processo” em “legal”, é traduzido como um desdobramento do Princípio da Legalidade, que consiste na prévia definição legal de toda e qualquer previsão que vise limitar os bens e as liberdades dos particulares.

Segundo Cintra, Grinover e Dinamarco (2009, p.89) o conteúdo da fórmula desdobra-se em várias garantias constitucionais do direito processual, alcançados no âmbito civil, penal e administrativo, são elas: (a) dúplice garantia do juiz natural; (b) contraditório e ampla defesa; (c) igualdade processual; (d) publicidade e motivação; (e) impossibilidade de provas obtidas por meios ilícitos; (f) inviolabilidade do domicílio; (g) sigilo das comunicações e dados; (h) presunção de não-culpabilidade; (i) proibição de identificação criminal datiloscópica de pessoas já identificadas civilmente; (j) indenização por erro do judiciário e por prisão que exceda o prazo legal; (k) necessidade de a prisão ser decretada por autoridade judiciária competente; (l) direito à identificação dos responsáveis pela prisão ou pelo interrogatório; (m) liberdade provisória; (n) vedação à incomunicabilidade do preso.

56 Egon Bockmann (2010, p. 293) quando descreve esse texto faz referência à nota de rodapé demonstrando as

demais garantias previstas na Constituição como “ampla defesa, contraditório e recursos – art. 5º, LV; vedação às provas obtidas através de meios ilícitos – art. 5º, LVI; assistência jurídica – art. 5º, LXXXIV; legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade – art. 37; fundamentação das decisões – art. 93, IX e X; presença de advogado – art. 133”.

57 Para Castro (2006, p. 141) o devido processo legal não pode ser traduzido como mero postulado da legalidade,

mas representa a aplicação dos valores constitucionais representado pelo princípio da justiça, “isto é, consentâneo com o conjunto de valores incorporados à ordem jurídica democrática segundo a evolução do sentimento constitucional quanto à organização do convívio social”. Porém, será utilizado o conceito de “devido processo legal” proposto por Egon Bockmann Moreira (2010, p.292) considerando os três requisitos para a sua compreensão, no sentido de evitar abusos do poder em face da “liberdade ou bens” dos particulares. Pois, “não poderá haver aviltamento, ataque ou supressão desses dois direitos sem processo, que deverá ser adequadamente desenvolvido, tal como predefinido em lei”.

Compreende também o direito ao “procedimento adequado: não só deve o procedimento ser conduzido sob o pálio do contraditório, como também há de ter aderente à realidade social e consentâneo com a relação de direito material controvertida” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2009, p.88).

Rogério Tucci e José Rogério Cruz e Tucci58 (1989, p.15-16) apresentam a imperiosidade do “devido processo legal” como garantia outorgada pela Constituição, porque serve de instrumento para consecução da tutela dos direitos fundamentais, define o conjunto de elementos indispensáveis para compor os conflitos como: “a) elaboração regular e correta da lei, bem como de sua razoabilidade, senso de justiça e enquadramento nas preceituações constitucionais”; “b) a aplicação judicial da lei através de instrumento hábil à sua interpretação e realização, que o processo (judicial process)”; e por fim, “c) assecuração, neste, da paridade de armas entre as partes, visando à igualdade substancial”.

Nelson Nery Junior (2010, p.79) considera o devido processo legal como a norma base59 do direito processual civil, sobre a qual sustenta todos os demais princípios e regras, por conseguinte, as demais normas processuais seriam consequências desse princípio constitucional fundamental. Sob essa perspectiva, a doutrina traz diversos princípios decorrentes do postulado do devido processo legal: o da publicidade dos atos processuais, do juiz natural, do contraditório e da ampla defesa, o da proibição de utilizar provas obtidas por meios ilícitos, dentre outros. Dessa forma, o devido processo legal seria o gênero, enquanto, os demais princípios seriam espécies, logo, o contraditório e a ampla defesa seriam espécies desse princípio maior.

58 Os autores Rogério Tucci e José Rogério Tucci e Cruz (1989, p. 17) fazem uma interpretação restritiva do

direito ao processo, referindo-se apenas aos processos judiciais, porém, deve ser levado em consideração o tempo e momento em que a obra fora escrita, logo após a Constituição Federal de 1988, período em que ainda não estava difundida a processualidade no âmbito administrativo.

59 Cretella Neto (2002, p. 45) classifica como “mega-princípio, pois permeia e coordena toda a complexa

função jurisdicional do Estado, fazendo com que os princípio processuais atendam aos critérios da proporcionalidade e da razoabilidade, harmonizando-os entre si e garantindo a eficácia da Justiça. Permite, pois, que se chegue ao processo justo”. “As principais observações que podem ser feitas a respeito do alcance do devido processo legal são: a) abrange todas as esferas do poder; no caso do Poder Legislativo, revela-se como devido processo legal substancial (substantive due process), que veda a promulgação de leis em violação aos direitos fundamentais assegurados na Constituição; b) em relação a todos os Poderes, veda, igualmente, a edição de quaisquer atos normativos contrários às garantias constitucionais; c) a observância ao devido processo legal não se resume a um contexto de legalidade estrita, em que “ninguém estará obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (CF, art. 5º, inciso II): trata-se de obedecer a leis sempre elaboradas em conformidade com o due process of law sobre o processo é que ele deverá ser conduzido de acordo com o conceito de processo justo e équo, pautado por normas claras e preestabelecidas, em conformidade com todos os demais princípios processuais constitucionais” (CRETELLA NETO, 2002, p. 44-45). E destaca que as garantias constitucionais que permite chegar ao processo justo, são a do juiz natural e competente, da ampla defesa e contraditório, e a motivação das decisões judiciais, acrescenta ainda o duplo grau de jurisdição (CRETELLA NETO, 2002, p.45).

Em sentido contrário, Lima (1999, p. 178) não concorda com esta interpretação, sob o argumento de que reduziria o alcance do devido processo legal, restringindo a sua atuação apenas ao âmbito do judiciário60 e que não poderia considerar os demais princípios processuais consagrados pelo constituinte ordinário, como subespécies de princípios, retirando a sua importância.

Lima (1999, p.181) registra que o princípio do contraditório e da ampla defesa “não são corolários, deduções, ou consequências do princípio do devido processo legal61, mas

princípios, que têm um grau de concretização mais elevado e que são chamados a concretizar o devido processo legal”. A autora denomina de subprincípios, e não subespécies do devido processo legal. Na realidade, observa-se uma independência desses subprincípios, já que “podem servir para concretizar, ou realizar, mais de um princípio, além de poderem gozar também de outros subprincípios que o concretizem”. Nesse contexto, o princípio do contraditório e da ampla defesa serve para concretizar tanto o devido processo legal como o princípio da isonomia.

Atualmente, não há dúvidas que a aplicação do “devido processo legal” não se limita ao âmbito do Judiciário62, por esse motivo, não teria sentido a interpretação reduzida de que da citada cláusula não alcançaria o legislativo e a administração. A norma é dirigida ao poder público como um todo, alcança o Poder Judiciário, o Executivo e o Legislativo. Enfim, o devido processo legal é uma garantia de proteção do cidadão contra o arbítrio do Estado na sua acepção ampla, que serve como instrumento de defesa do cidadão perante as intervenções estatais, contribuindo para a efetividade do Estado Democrático de Direito consagrado no texto constitucional (LIMA, 1999, p.189).

60 Nelson Nery Junior (2010, p.79) defende que “bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do

due process of law para que daí decorressem todas as consequências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e a uma sentença justa”. Neste sentido, o autor estaria restringindo o devido processo legal ao âmbito do judiciário, porque somente este órgão profere sentença, logo, estaria limitando o postulado à decisão judicial justa. Entretanto, essa conotação deve ser ponderada, pois na própria obra o autor dedica um tópico afirmando que no “processo administrativo igualmente incide o princípio do contraditório, os demais princípios constitucionais do processo (devido processo, duração razoável do processo, proibição de prova obtida ilicitamente, motivação das decisões administrativas, duplo grau de jurisdição, ampla defesa etc.), bem como todos os princípios fundamentais da administração pública [...]” (NERY JUNIOR, 2010, p. 214). Portanto, Nelson Nery Junior também concorda com a aplicação de todos os princípios processuais constitucionais no âmbito do processo administrativo contencioso, demonstrando que houve, de acordo com a unidade do texto, uma impropriedade terminológica.

61 Diferente do posicionamento de Nelson Nery Junior (2010, p.79) que defende o contraditório como decorrente

do devido processo legal.

62 Lima (1999, p.214-215) rebate a doutrina tradicional de J.J. Calmon de Passos, diga-se de passagem, anterior à

Constituição Federal de 1988, e de Geraldo Brindeiro que entendiam a expressão do “devido processo legal” associado ao processo judicial, mas atualmente a corrente é minoritária, aliás, das obras estudadas, a exceção dos