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PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR E A GARANTIA DO

5 EFETIVIDADE DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO PROCESSO

5.3 PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR E A GARANTIA DO

Este tópico será dedicado ao estudo do princípio do contraditório na relação jurídica desenvolvida através do processo administrativo disciplinar, isso porque a concepção deste princípio já foi retratada no segundo capítulo desta dissertação.

O processo administrativo disciplinar tem como principal fundamento o contraditório, baseado no método dialético167 e caracterizado pelo diálogo entre os participantes do processo, correspondente à bilateralidade entre tese e antítese. Dessa forma, se o “processo é constituído por duas partes contrapostas, a relação jurídica processual forma- se e desenvolve-se a partir da contraposição de ambas”, de modo que o sujeito a ser afetado com a decisão, deve contradizer no processo, assegurando a possibilidade de influenciar a formação do convencimento do julgador (BACELLAR FILHO, 2012, p.234-236).

No dizer de Romeu Bacellar Filho (2012, p.242) a “finalidade do contraditório é proteger a capacidade de influência dos sujeitos processuais (administração/servidor acusado ou litigante) na formação do convencimento do órgão julgador”. Isso porque, pela própria essência do contraditório exige-se a participação de, pelo menos, dois sujeitos processuais em lados opostos.

Com efeito, no processo disciplinar verifica-se que a administração, através do juízo parcial da acusação encontra-se de um lado, confrontando com o servidor-acusado, do outro, diante de um julgador imparcial que é a comissão processante. Com isso, a administração possui duas posições diversas no processo disciplinar: uma do “juízo parcial da acusação” que denuncia as irregularidades administrativas, e a outra do “juízo imparcial que é exercido pela Comissão de Processo Administrativo Disciplinar” (BACELLAR FILHO, 2012, p.239). Em síntese, essa relação jurídica processual administrativa se desenvolve através dos

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“O contraditório decorre do pressuposto da dialética processual, essencial no processo administrativo (sobretudo no apenador, como o disciplinar), desenvolvido num Estado democrático de direito e submetido aos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, por cujo efeito as decisões estatais que afetam interesses dos cidadãos (inclusive os servidores públicos) devem resultar de um procedimento conduzido e julgado sob uma ótica dualista” (CARVALHO, 2012, p.270).

sujeitos caracterizados como parte168 acusatória (Administração-Acusação), parte acusada (Servidor-Acusado) e julgador (Administração – Comissão de Processo Disciplinar).

A Comissão de Processo Disciplinar é instaurada no âmbito da função administrativa de qualquer órgão público169 para apurar os ilícitos praticados pelo servidor no exercício do cargo, portanto, a comissão possui o papel de julgador que analisa os fatos concretos e interpreta a norma jurídica, permitindo o contraditório e a ampla defesa entre as partes, e finaliza com a decisão administrativa da autoridade competente. No mais, a comissão atua na sua função de julgar, já que analisa os fatos concretos e indica a aplicação da penalidade administrativa170 ao servidor, portanto, deve exercer a atividade com todos os princípios processuais de imparcialidade, motivação, devido processo legal dentre outros171.

Na verdade, o processo disciplinar é o que mais se aproxima com o processo jurisdicional em suas formas e garantias172 (DINAMARCO, 1996, p.65). Entretanto, não se reconhece a imparcialidade do órgão estatal173 que conduz o processo, em virtude da

168 Interessante notar que alguns doutrinadores evitam utilizar o termo “partes” no exercício da atividade

administrativa, por visualizar uma relação unilateral do processo administrativo, assim, adotam a terminologia: subordinados, administrados, interessados e outros. Em oposição a esta doutrina, Odete Medauar (2008, p. 105) se manifesta argumentando que isso se deve a não aceitação teórica de confronto de argumentos, em virtude da supremacia da autoridade administrativa, ou ainda para distingui-la do processo jurisdicional.

169 A justificativa para adotar a terminologia “no âmbito da função administrativa” ocorre porque a Comissão de

Processo Disciplinar pode ser instaurada nos poderes executivo, legislativo ou judiciário, desde que seja para apurar ilícitos administrativos praticados pelos servidores de cada órgão dos poderes, portanto, no exercício da função administrativa.

170 É importante destacar que a decisão administrativa que aplica penalidade disciplinar é um ato composto,

porque é resultado do exercício de várias pessoas de um mesmo órgão: a comissão processante, que emite o relatório conclusivo com a fundamentação da decisão, e a autoridade administrativa competente, que profere a decisão motivada neste relatório. Nas lições de Carvalho Filho (2010, p. 144) “os atos compostos não se compõem de vontades autônomas, embora múltiplas. Há, na verdade, uma só vontade autônoma, ou seja, de conteúdo próprio. As demais são meramente instrumentais, porque se limitam à verificação de legitimidade do ato de conteúdo próprio”. Portanto, trata-se de um conjunto de atos que formam uma vontade final da administração, que “só podem ser considerados perfeitos e acabados quando se consuma a última das vontades constitutivas de seu ciclo. Embora, nos atos compostos, uma das vontades já tenha conteúdo autônomo, indicando logo o objetivo da Administração, a outra vai configurar-se, apesar de meramente instrumental, como verdadeira condição de eficácia” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 144).

171 O sistema processual administrativo, no Estado de Direito, regido por garantias e grandes princípios

constitucionais instalados, inclui a limitação do exercício do poder, definidos os seus limites numa ordem de legalidade que assegura a prevalência da cláusula due proces of law; existem formas institucionalizadas nos procedimentos administrativos, que não podem negar a participação do interessado (ou interessados), nem o respeito à igualdade quando pertinente (licitações públicas), nem a ampla defesa (processo disciplinar) (DINAMARCO, 1996, p.71).

172 Dinamarco (1996, p. 71) assevera que o “poder exercido pela administração” através processo administrativo

com o resultado da decisão, é o “mesmo poder que os juízes exercem sub specie jurisdictionis”, verificando um verdadeiro processo estatal.

173 Rodolfo Pamplona Filho (2006) realiza a distinção entre neutralidade e imparcialidade do julgador,

enfatizando o mito da neutralidade do juiz. Na verdade, a função do juiz é atuar com justiça, o que se espera dele “é que ele se comporte dentro dos parâmetros e regras estabelecidos pelo sistema jurídico num Estado de Direito”, porque é impossível esperar a neutralidade de um ser humano. A imparcialidade do juiz “é uma exigência fundamental para a realização do devido processo legal e ela é garantida através da segurança do princípio do contraditório, que é uma das garantias processuais básicas do Estado de Direito, sendo assegurado

imposição da autoridade Estatal, o que de fato afasta a existência de partes em igualdade de posições conflitantes, verificando ainda uma situação impositiva do poder do Estado.

Na verdade, encontra-se diante de uma relação de trabalho, com regime jurídico administrativo, tem-se o poder público como empregador e o servidor como empregado, em que as partes se encontram em situação de assimetria, ou seja, em posição de desigualdade. Nas lições de Edilton Meireles (2007, p. 3) “as partes contratantes estão numa situação assimétrica, justamente em decorrência do “poder” exercido pelo empregador, que coloca o empregado enquanto subordinado, em estado de sujeição, ainda que por força do contrato”. No regime jurídico administrativo, apesar da estabilidade do servidor, não é possível se alcançar a isenção e a imparcialidade da comissão, em virtude dessa relação de poder exercido pelo chefe superior, além do que a comissão não é dotada das mesmas garantias do Poder Judiciário.

Em sendo parte, a administração-acusação deve ser vista como sujeito processual nas mesmas condições de paridade com o servidor-acusado (BACELLAR FILHO, 2012, p.244), para que a relação processual seja realizada com igualdade, portanto, deve ser afastado o sentido de superioridade do Estado174. O equilíbrio do contraditório entre as partes do processo encontra-se na possibilidade do servidor-acusado utilizar os instrumentos de defesa para contrapor aos argumentos da administração-acusação.

Daí reside a grande questão. Na realidade fática, a administração pública exerce um grau de superioridade em relação aos seus servidores, inclusive sobre a comissão

constitucionalmente, conforme se infere da literalidade do art. 5º, LV, da Constituição Federal de 1988”. O autor ressalta que a“garantia do contraditório pode ser considerada, portanto, a medida da imparcialidade do juiz. O caráter de imparcialidade é inseparável do órgão da jurisdição. O juiz coloca-se entre as partes e acima delas: esta é a primeira condição para que possa exercer sua função dentro do processo. A imparcialidade do juiz é pressuposto para que a relação processual se instaure validamente. É nesse sentido que se diz que o órgão jurisdicional deve ser subjetivamente capaz”. Sendo, portanto, diferente da neutralidade, isto porque, “é impossível para qualquer ser humano conseguir abstrair totalmente os seus traumas, complexos, paixões e crenças (sejam ideológicas, filosóficas ou espirituais) no desempenho de suas atividades cotidianas, eis que a manifestação de sentimentos é uma dos aspectos fundamentais que diferencia a própria condição de ente humano em relação ao frio raciocínio das máquinas computadorizadas” (PAMPLONA FILHO, 2006). Dessa forma, pretende-se alcançar a imparcialidade do julgador nos processos disciplinares, como garantia decorrente do contraditório e resultado da lealdade processual.

174 Nas palavras de Edilton Meireles (2007, p.3) “não assegurar, por exemplo, ao empregado o direito de defesa

em casos de aplicação de sanções, partindo-se, tão-somente, da acusação do empregador para que sua vontade unilateral se concretize, é, sem dúvida, restringir bem (direito) do trabalhador sem respeito ao devido processo. Acusa-se e pune-se sem direito de defesa. O mesmo se diga em relação à despedida motivada, quando se acusa o empregado da prática de ato violador de seus deveres contratuais. Neste caso, a partir da simples acusação do empregador se priva o trabalhador de seus bens (de permanecer no emprego ou de receber seus direitos rescisórios) sem lhe assegurar o direito de defesa. Mais uma vez, acusa-se e se priva outrem de seus bens sem respeito ao direito de defesa (ao devido processo de defesa)”.

processante175, em razão da própria estrutura hierarquizada. Assim, para a efetivação do contraditório entre a administração acusatória e o servidor acusado, deve ser garantida a presença obrigatória do advogado na defesa da parte mais fraca ou ainda hipossuficiente, para permitir a igualdade processual. Aliás, esse é o verdadeiro fundamento da igualdade material, tratar os desiguais na medida da sua desigualdade176, de forma que justifique o tratamento diferente à parte mais fraca para que se permita a imparcialidade no julgamento, considerando os argumentos e contra-argumentos apresentados pelas partes.

É importante ressaltar que se a administração for posta em posição de supremacia em relação ao acusado, não haverá contraditório ou processo, tendo em vista que a paridade de armas não será preservada, e consequentemente afrontará a igualdade das partes no processo177 (BACELLAR FILHO, 2012, p.239).

Essa ampla processualidade da atividade administrativa provém justamente da concretização do Estado Democrático de Direito, por isso que o alargamento da efetivação do contraditório e da ampla defesa deve também alcançar os processos administrativos disciplinares178. A observância concreta deste princípio constitucional, nesses casos, tem

175 Muito embora a Comissão de Processo Disciplinar seja composta por no mínimo três servidores efetivos e

estáveis (art.149 da Lei 8.112/90) que devem exercer sua função com imparcialidade, os superiores hierárquicos, não raras vezes, exercem seu poder hierárquico para influenciar na decisão final.

176Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello (2002, p. 21) “tem-se que investigar, de um lado, aquilo

que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles”.

177 Rogério Tucci e José Rogério Tucci e Cruz (1989, p. 23) enfatizando a necessidade de assegurar a igualdade

das partes discorre que: “a igualdade das partes faz-se imprescindível que, durante todo o transcorrer do processo, sejam assistidas e/ou representadas por um defensor, dotado de conhecimento técnico especializado, e que, com sua inteligência e domínio dos mecanismos procedimentais, lhe propicie a tutela de seu interesse ou determine o estabelecimento ou o restabelecimento do equilíbrio do contraditório. Essa garantia, ademais, propiciante da assecuração da efetiva paridade de armas entre as partes, não se restringe ao processo penal, estendendo-se, outrossim, aos conflitos de interesses de natureza civil”. “A assistência técnica não pode, em hipótese alguma, restringir-se à atuação judicial, mas abranger toda atividade pré-procesual de consultoria, orientação (visando, especialmente, a evitação de litigiosidade, no campo extrapenal, e da criminalidade, no penal) e informação”, e “para atingir esse desiderato, chegando-se tanto mais próximo quanto possível da reclamada igualdade substancial, o cidadão precisa ter conhecimento de certas implicações do ordenamento jurídico vigorante no lugar em que vive, o que somente conseguirá mediante aconselhamento com um técnico, especialista na matéria” (TUCCI; TUCCI ECRUZ, 1989, p. 25-26).

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Indubitavelmente o princípio do contraditório é requisito compulsório do processo [administrativo disciplinar], haja vista sua elevação ao rol de Direitos Fundamentais em um Estado Democrático de Direito, ainda que uma súmula com força vinculante venha dizer o contrário. Seguindo o raciocínio de Fazzalari o contraditório é fundamental para se instaurar o procedimento e, em decorrência direta, a gênese do processo só acontece pelo procedimento realizado em contraditório em simétrica paridade” (STAFFEN;CADEMARTORI, 2010). Criticando a posição legalista, Staffen e Cademartori (2010) destacam que em “sede de processo administrativo disciplinar faz-se necessário e urgente a abertura da Administração Pública às luzes da Constituição e do Estado Democrático de Direito. Afinal, se as Constituições nasceram para limitar o poder do Estado como pode a Administração Pública manter-se hermética à

evitado decisões arbitrárias do poder público, além disso, evita o ajuizamento de demandas perante o judiciário sobrecarregando com questões que poderiam ter sido solucionadas no âmbito administrativo com todas as garantias constitucionais (LIMA, 1999, p.218).

Ademais, a efetividade do contraditório é concretizada através de um processo bilateral, em que o servidor na posição de acusado tenha condições de igualdade na relação jurídica processual travada com a administração pública, que atua em dupla posição, de acusador e julgador imparcial. Assim, para que haja participação ativa de todos os sujeitos processuais proporcionando o diálogo em condições de igualdade no processo disciplinar, a defesa do servidor deve ser realizada com a participação de advogado. Tal mecanismo se apresenta como verdadeiro instrumento para alcançar o aspecto substancial do contraditório e da ampla defesa.

Neste sentido, Bacellar Filho (2012, p.246) assevera com propriedade que a “efetividade do contraditório pode ser traduzida como reação necessária. Onde o contraditório é efetivo, a defesa é obrigatória. O diálogo é imposto, mesmo na omissão da parte acusada, em face da indisponibilidade do direito material”.

Sob esses fundamentos pode-se afirmar que a defesa é o instrumento de materialização do contraditório, porém, não significa qualquer defesa, mas aquela elaborada tecnicamente capaz de influenciar o julgador, de forma que permita a paridade de armas na relação processual estabelecida entre a administração e o acusado, assim, estaria efetivamente garantido o princípio do contraditório e da ampla defesa.

5.4 DEFESA TÉCNICA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR E O