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A doutrina nacional não é unânime quanto à distinção entre “processo” e “procedimento” administrativo95. Entretanto, uma das principais diferenciações em comum

entre os estudiosos, é aquela que diz respeito ao seu conteúdo, enquanto o processo “retrata relação jurídica específica, de caráter processual em sentido estrito”, o procedimento “define puramente o desenrolar dos atos e fatos que configuram o começo, meio e fim do processo” (MOREIRA, 2010, p.43).

Nas lições de Dinamarco (1996, p.133) “processo é todo procedimento realizado em contraditório”, com isso, o autor classifica o processo como uma espécie de procedimento, além de estender o conceito de processo não apenas para o âmbito da jurisdição, mas também para a própria administração. E ainda destaca que “nem todo procedimento é processo”, porque há exercício da atividade estatal que não se exige provimento imperativo a interferir na esfera do patrimônio ou bens do indivíduo.

Marques (1986, p.9) leciona que “não se confunde processo96 com procedimento.

Naquele a nota específica dos atos que compõem está na finalidade que os aglutina, ou seja, a composição do litígio secundum ius, para dar-se a cada um o que é seu”, já o procedimento é a “sucessão coordenada dos atos do processo, e à forma de cada um e do respectivo encadeamento”, conforme determina a lei. Para o autor, o processo tem o sentido “teleológico ou finalístico” que é a composição do litígio, revelando um instrumento da paz social e da justiça e o procedimento seria o modo de fazer para que se atinja essa finalidade97.

Na esfera administrativa, o processo em sentido amplo corresponde ao conjunto de atividades da administração ordenadamente preparada para edição do ato administrativo, em sentido restrito é o processo administrativo em si, sendo um conjunto de atos praticados na

95 Para Carlos Roberto Siqueira Castro (2006, p.34) a satisfação do devido processo legal não pode ser entendida

como um simples “procedimento”, que significa apenas um “conjunto sequencial de atos judiciais conducentes a um veredito final”, exige-se também um “autêntico ‘processo’, com todas as garantias do contraditório e da defesa”. Porém, quando trata da relação com a Administração Pública se refere a “Procedimentos Administrativos” (CASTRO, 2006, p.335).

96Para Marques (1986, p.8) “o processo, portanto, é o instrumento de que se serve o Estado, no exercício da

jurisdição, para compor um conflito litigioso de interesse. Jurisdição e processo, por isso, são conceitos incindíveis: não há jurisdição sem processo, e tampouco processo sem jurisdição. A jurisdição é a força operativa com que se realiza o imperium do Estado para compor um litígio; e o processo, o instrumento imanente à jurisdição, para que o Estado alcance esse escopo”.

97 Marques (1986, p.10) utiliza a expressão modus faciendi para compreender o sentido de procedimento,

traduzido como o modo ou exteriorização da forma, para que se atinjam os fins compositivos da jurisdição no processo.

esfera administrativa quer apenas pela administração, quer pelos administrados até a decisão final da autoridade competente, sendo o procedimento a forma como deverão ser praticados os atos administrativos (NERY JUNIOR, 2010, p.215).

Para Nery Junior (2010, p. 214) a distinção entre processo e procedimento administrativo estaria essencialmente no poder dever da administração de criar direitos ou obrigações. Assim, o processo seria o meio pelo qual se exercita o direito de ação, caracterizado pela imposição de penalidade ao servidor ou a terceiro, e ainda pela criação de direitos ou obrigações ao administrado, enquanto o procedimento seria uma forma pela qual se desenvolve os atos em geral, incluídos os atos processuais, assim, um simples ato unilateral não constituiria um processo administrativo98. A exemplo da sindicância para apuração de autoria e materialidade, neste caso, existe apenas um procedimento, e por isso para Nelson Nery (2010, p.216) não se poderia aplicar o princípio do contraditório nesta fase, porém, somente se poderia falar em garantia do contraditório, quando já se conhece o autor e se apura a existência do fato, pois já há acusado.

Por outro lado, os doutrinadores administrativistas fazem a distinção entre processo e procedimento, utilizando diversos critérios como da amplitude, da complexidade, do interesse do destinatário, da lide, da controvérsia, da função, do gênero e espécie, da finalidade, do concreto e abstrato, da colaboração do interessado, do contraditório99 (MEDAUAR, 2008, p.34-44).

Para Medauar (2008, p. 44) a diferença entre processo e procedimento que mais se adéqua à essência das figuras, é aquele retirado do critério da colaboração das partes e do

98 O direito de ação no âmbito administrativo é o poder dever de a administração: a) impor penalidade ou

sanção (processo administrativo sancionador) a servidor público ou administrado ou terceiro (pessoa física ou jurídica); ou b) criar direitos ou obrigações para o administrado (processo administrativo constitutivo), com a participação do interessado e/ou terceiro. A emissão de simples ato administrativo (unilateral) não constitui, em princípio e per si, o processo administrativo” (NERY JUNIOR, 2010, p. 214).

99 Pelo critério da amplitude, o processo seria mais abrangente, em que o processo é o todo e o procedimento

consistiria numa parte do todo; pelo critério da complexidade , o procedimento seria manifestações simples de vontade, enquanto o processo seria uma operação mais complexa, traduzida num conjunto de operações que integram o todo praticados pelos sujeitos da relação jurídica; pelo critério do interesse, o procedimento é realizado com o objetivo de satisfazer o interesse do autor do ato, ou seja, da Administração, já o processo o interesse a ser buscado é o do interesse público ou da coletividade; pelo critério do concreto e do abstrato, o processo seria um conjunto de atos realizados concretamente para compor a lide, correspondendo aos fatos concretos, enquanto o procedimento seria decorrente do fenômeno abstrato e formal do processo, traduzido na hipótese abstrata prevista na norma; pelo critério da lide e da controvérsia, o processo seria identificado pela existência da lide, já o procedimento não haveria lide ou controvérsia; pelo critério teleológico, o processo seria aquele cuja finalidade representaria o exercício do poder, já o procedimento seria de índole formal, pois seria mera coordenação de sucessão de atos; pelo critério da função, o processo se vincula a função, e o procedimento estaria atrelado ao ato; pelo critério do gênero e espécie, o procedimento seria o gênero, enquanto o processo seria uma espécie de procedimento realizado em contraditório com a colaboração dos sujeitos do processo (MEDAUAR, 2008, p. 34-43).

contraditório, por isso, a autora entende que o procedimento é mais genérico que processo, sendo este uma espécie de procedimento previamente estabelecido em lei, que se verifica entre os sujeitos da relação jurídica, através do contraditório. E conclui afirmando que o “procedimento consiste na sucessão necessária de atos encadeados entre si que antecede e prepara um ato final”, já o processo é uma espécie de procedimento que tem seu rito instituído legalmente, com a “cooperação de sujeitos, sob o prisma do contraditório” (MEDAUAR, 2008, p. 43).

Sob essa perspectiva o procedimento seria o caminho a ser percorrido pela Administração Pública, através da sequência de fatos e atos preordenados para alcançar determinado fim culminando com o ato administrativo final, ou melhor, a decisão administrativa. Pode ser trazido como exemplos: o “procedimento de licitação, procedimento de concurso público, procedimento de lançamento, de inscrição da dívida ativa100” (FIGUEIREDO, 2008, p. 437).

Por outro lado, existem doutrinadores que não pretendem reduzir o conceito de processo administrativo àquele em que haja lide ou contraditório, mas, filia-se a corrente defendida por Marcelo Harger101 (2008, p.57) de que o processo administrativo é entendido como um conjunto de atos e fatos jurídicos encadeados sequencialmente que se destinam a realização de um ato administrativo final principal ou uma decisão administrativa, sempre observando o regime jurídico administrativo.

Apesar da distinção doutrinária entre processo e procedimento administrativo encontrar-se basicamente sustentada na ocorrência de lide e na possibilidade de aplicação do contraditório, é importante esclarecer que sob o novo prisma da constitucionalização do direito, com abrangência de interesses múltiplos, qualquer cidadão pode participar da tomada de decisão do poder público, mesmo que não haja lide, é o que se verifica com a participação e gestão democrática no processo de elaboração das leis, com a previsão legal das audiências públicas.

100 Há entendimentos de que mesmo nesses processos deve está presente o contraditório e a ampla defesa. 101 Para Harger (2008, p.50) o processo administrativo é entendido em seu sentido amplo, não havendo distinção

efetiva entre “processo” e “procedimento”, tendo apenas uma distinção no seu sentido terminológico, inclusive critica a utilização do termo “procedimento” por ter uma conotação mais fraca do que “processo” o que pode acarretar a negação da aplicação de princípios processuais no âmbito administrativo. Para o autor o termo adequado a ser utilizado é “processo” e deve ser acoplado à função estatal exercida, utilizando os adjetivos de judicial, administrativo ou legislativo, inclusive porque a Constituição optou por utilizar este termo, e isso evita qualquer conotação que possa implicar perda de garantias (HARGER, 2008, p. 50-54).

Inobstante esse posicionamento e a criação de novos institutos administrativos para garantir a participação do cidadão na tomada de decisão do poder público, há de convir que a expressão “processo” no seu sentido técnico exige a existência de lide, controvérsia ou conflito de interesses, coadunando-se com a corrente processualista que o define como relação jurídica processual, por isso que neste estudo será adotada a corrente administrativista trazida por Odete Medauar (2008, p. 43) que entende o processo como uma espécie de procedimento com rito instituído em lei e cooperação entre os sujeitos, sob o prisma do contraditório.

É certo que com a promulgação da Constituição Federal de 1988, as dúvidas quanto à utilização da terminologia no direito administrativo foram sanadas, vez que o poder constituinte fez constar no texto constitucional a expressão “processo administrativo”, significando o reconhecimento do referido termo no âmbito da atividade administrativa, e que também podem ser observados no art. 5º, inciso LV, LXXII, LXXVIII, art. 37, inciso XXI, art. 41, §1º, e utilizado por diversas legislações infraconstitucionais (MEDAUAR, 2008, p. 45).

No âmbito administrativo, como na atividade jurisdicional, o poder público possui um instrumento destinado ao controle dos seus atos, através da apuração de condutas dos administrados: o processo administrativo. O processo administrativo ganhou novos avanços com a aprovação do Projeto de lei 2.464/1996, transformando-se na Lei de Processo Administrativo, a Lei Federal n. 9.784/1999 que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal (LIMA, 1999, p.216).

Nas palavras de Medauar (2008, p. 45) “utilizar a expressão processo administrativo, significa, portanto, afirmar que o procedimento com participação dos interessados em contraditório” também ocorre no âmbito da Administração Pública102.

Diante dessas divergências apresentadas, faz-se necessário traçar as distinções entre processo administrativo e judicial para demonstrar que não há confusão na sua aplicabilidade, pois o processo serve de instrumento para limitar o exercício do poder estatal, como direito fundamental do cidadão ao procedimento. Com isso, caracteriza-se a ideia do

102 A autora continua afirmando que: “todos os elementos do núcleo comum da processualidade podem ser

detectados no processo administrativo, assim: a) os elementos in fieri e pertinência ao exercício do poder estão presentes, pois o processo administrativo representa a transformação dos poderes administrativos em atos; b) o processo administrativo implica sucessão desencadeada e necessária de atos; c) é figura jurídica diversa do ato; quer dizer o estudo do processo administrativo não se confunde com o estudo do ato administrativo; d) o processo administrativo mantém correlação com o ato final em que desemboca; e) há um resultado unitário a que se direcionam as atuações interligadas dos sujeitos em simetria de poderes, faculdades, deveres e ônus, portanto, em esquema de contraditório” (MEDAUAR, 2008 p. 45).

núcleo comum da processualidade utilizada tanto no âmbito civil e penal, como no administrativo.