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3.1 PRINCÍPIOS JURÍDICOS

3.1.3 Interpretação e aplicação da norma jurídica

A interpretação e aplicação do direito têm passado por relevantes transformações em decorrência do surgimento do novo pensamento jurídico crítico, da nova hermenêutica constitucional baseada nos princípios e valores fundantes da sociedade moderna, bem como da influência no campo filosófico do pós-positivismo.

Na época clássica a interpretação do direito era traduzida como uma atividade de mera compreensão do significado do texto normativo, ou seja, interpretar era o mesmo que identificar os signos linguísticos. Por isso que neste período somente era necessário interpretar normas quando estas possuíam alguma obscuridade, ambiguidade ou imprecisão nas palavras e expressões jurídicas, traduzido pelo brocardo hermenêutico “in claris cessat interpretativo (GRAU, 2002, p.61-62). E assim surgia a atividade do intérprete de buscar a compreensão e o sentido do pensamento do legislador da época quando a lei não fosse clara.

A Escola da Exegese teve seu papel fundamental durante o período da Revolução Francesa, já que se fazia necessário um ambiente de segurança jurídica, o que foi alcançado com as codificações, com o objetivo de atender os anseios da nova classe da burguesia que almejava o poder, logo, o método dogmático exegético surgiu por influência do seu tempo revolucionário burguês. No dizer de Plauco de Azevedo (2000, p.44)a finalidade ideológica era de manutenção do status quo, estando o sistema jurídico autossuficiente, a lei tornava-se um dogma sob a perspectiva apenas formal.

Interessante notar que naquele “contexto pós-revolução esse traço dogmático não era perceptível”, tendo em vista que correspondia exatamente ao contexto social daquela época, “caracterizada pela correlação das forças sociais então existentes” (AZEVEDO, 2000,

p.44). Assim, o direito naquele período correspondia exatamente aos anseios da sociedade burguesa, ou seja, estava atrelado a uma realidade social que atendia a necessidade do seu tempo.

Com as transformações do Estado e o desenvolvimento da sociedade, o modelo tradicional decorrente da racionalidade dominante dessa época, tornou-se insatisfatório, pois o sentido de completude do ordenamento jurídico não se mostrava mais eficiente, porque não conseguia responder às necessidades da sociedade moderna.

O pensamento filosófico, científico e jurídico baseado na racionalidade formal positivista perdeu espaço para novos modelos que surgiram para solucionar os problemas decorrentes da “crescente complexidade dos conflitos, à heterogeneidade socioeconômica, à concentração e centralização do capital, à expansão do intervencionismo estatal, à hipertrofia do Executivo” (WOLKMER, 2006, p.02).

Wolkmer (2006, p.03) pretende difundir a consciência para o novo direito, com a discussão teórico-prática e a modificação dos valores e postura na interpretação e aplicação do direito, que surgiu em decorrência das modificações na realidade social e política, estimulando o repensar do direito como instrumento capaz de impulsionar a construção de uma organização social mais justa, pluralista, democrática e antidogmática.

Diante dessa revolução da hermenêutica moderna, o papel do intérprete jurídico não pode ficar ainda adstrito ao pensamento do legislador da época, mesmo porque o direito é dinâmico e trata das relações da sociedade, com mudanças no campo social, político e filosófico, logo, não poderia ficar estático diante dessas transformações.

Para Eros Grau44 (2002, p. 49) a interpretação do direito tem natureza constitutiva, e não simplesmente declaratória, porque não apenas descreve o sentido do texto normativo,

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Eros Roberto Grau (2002, p.76) entende que a interpretação e aplicação do direito significa uma só operação, não considerando como dois momentos distintos, sendo então um processo unitário, e ainda afirme que somente o intérprete autêntico, que é o juiz, tem o poder de produzir a norma, único com capacidade de concretizar o direito e praticar a interpretação até o final, tal afirmação não pode ser digerida sem algumas reflexões. Isso porque a interpretação do direito pode ser realizada por qualquer pessoa que ao se deparar com o texto legal, tem por finalidade dar um significado ou sentido ou ainda produzir a norma jurídica, a partir das circunstâncias fáticas do caso sob a análise. Pois, não se interpreta o direito apenas para sua aplicação perante o poder judiciário, também se interpreta o direito como forma de conduzir determinado comportamento e solucionar qualquer problema jurídico, seja nas relações privadas, perante o poder executivo ou legislativo. Assim, interpreta-se para agir conforme o direito, e esse fato de agir também significa aplicar o direito ou colocá-lo em prática. Além disso, não pode deixar de enfatizar o papel do administrador público que também realiza a interpretação do direito para aplicá-lo nos atos da administração coadunando-se ao ordenamento jurídico, inclusive nos processos administrativos disciplinares no qual é nomeada uma comissão para investigar fatos e apurar eventual ilícito administrativo praticado pelo servidor, aplicando a penalidade que for cabível ao caso concreto.

mas passa pela compreensão das circunstâncias fáticas, para então produzir a norma jurídica. Para o autor a interpretação é um processo de transformação do texto normativo em outra norma, por isso que o juiz produz o direito através da norma decisão, assim, “a norma não é apenas texto normativo, pois é o produto do texto e dos fatos da realidade” (GRAU, 2002, p. 49).

Ao tratar sobre a interpretação da norma, Humberto Ávila45 (2012, 36) destaca que a tarefa de interpretar significa o mesmo que “reconstruir” a norma, ou melhor, “construir a partir” do texto normativo considerando o núcleo dos sentidos da linguagem incorporados através das circunstâncias de cada caso concreto.

Voltando-se ao ponto do tema proposto, pretende-se compreender o legislador da época, quando da edição da Lei 8.112/90, para reconstruir a norma jurídica a partir da nova ordem de valores dos princípios constitucionais e enfrentar os argumentos de que a mera subsunção mecânica da norma que faculta a defesa técnica no processo administrativo disciplinar não atende ao contraditório e a ampla defesa.

Plauco de Azevedo (2000, p.40) assinala que a “sociedade e o poder legislativo são os criadores do direito, cabendo ao jurista determinar o significado do direito, a fim de aplicá-lo corretamente à realidade social”, por isso, o autor afirma que é importante “superar o pensamento lógico-formal a que se encontra à Ciência do Direito”, procurando através da metodologia trabalhar a “investigação-interpretação do direito e a construção-reelaboração (da norma e da realidade)”, não sendo apenas um trabalho mecânico através da mera subsunção característico do silogismo-dedutivo. Por esse motivo afirma que a dogmática jurídica precisa aperfeiçoar o instrumento de investigação e reconstrução da norma que é dirigido a sua aplicação a uma realidade social.

45 Ao tratar sobre a interpretação da norma Humberto Ávila (2012, p.36-37) afirma que “o intérprete não só

constrói, mas reconstrói sentido, tendo em vista a existência de significados incorporados ao uso linguístico e construído na comunidade do discurso. Expressões como “provisória” ou “ampla”, ainda que possuam significações indeterminadas, possuem núcleos de sentidos que permitem, ao menos, indicar quais as situações em que certamente não se aplicam: provisória não será aquela medida que produz efeitos ininterruptos no tempo; ampla não será aquela defesa que não dispõe de todos os instrumentos indispensáveis à sua mínima realização. E assim por diante. Daí se dizer que interpretar é construir a partir de algo, por isso significa reconstruir: a uma, porque utiliza como ponto de partida os textos normativos, que oferecem limites à construção de sentidos; a duas, porque manipula a linguagem, à qual são incorporados núcleos de sentidos, que são, por assim dizer, constituídos pelo uso, e preexistem ao processo interpretativo individual. A conclusão trivial é a de que o Poder Judiciário e a Ciência do Direito constroem significados, mas enfrentam limites cuja desconsideração cria um descompasso entre a previsão constitucional e o direito constitucional concretizado. Compreender “provisória” como permanente, “trinta dias” como mais de trinta dias, “todos os recursos” como alguns recursos, “ampla defesa” como restrita defesa, [...] não é concretizar o texto constitucional. É, a pretexto de concretizá-lo, menosprezar seus sentidos mínimos. Essa constatação explica porque a doutrina tem tão efusivamente criticado algumas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal”.

E qual a realidade social até então constatada com a pesquisa, é a de que o processo administrativo ganhou posição de destaque na administração pública, e que deve ser permitida a ampla participação dos cidadãos no processo decisório, e para isso devem ser efetivados os princípios processuais constitucionais. Inobstante, o pensamento do legislador na época da edição da Lei 8.112/90, após a Constituição Federal de 1988, o intérprete da norma não pode se restringir a concepção clássica de ato administrativo e ao modelo de administração pública impositiva desse período.

Com isso, pode-se afirmar que as normas não devem ser mais interpretadas partindo simplesmente da lógica formal, consoante ao texto legal, mas deve também atender as necessidades da sociedade, fazendo o direito ser dinâmico, que para tanto deve ser baseada nos novos métodos de aplicabilidade dos princípios.

Dada à importância dos princípios e da sua normatividade, passa-se então para a interpretação do princípio objeto desta dissertação, determinando o sentido e alcance do contraditório e da ampla defesa na sua maior medida possível, para alcançar a sua concretização, partindo da norma matriz do direito processual, o “devido processo legal”.