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DEFESA TÉCNICA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR E O

5 EFETIVIDADE DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO PROCESSO

5.4 DEFESA TÉCNICA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR E O

Nas linhas anteriores, o sentido de defesa do acusado foi trazido de forma ampla, como instrumento de materialização do contraditório, entretanto, não se resume apenas a esta concepção, por esse motivo este tópico aprofundará o estudo da defesa técnica como direito fundamental ao desdobramento do princípio da ampla defesa.

Como já exposto no segundo capítulo desta dissertação, a Constituição Federal de 1988 estendeu a abrangência do princípio do contraditório e da ampla defesa também “aos

Constituição? Ou, porque a Administração Pública tão receosa com o princípio da legalidade se recusa a cumprir a disposições constitucionais?”.

acusados” no processo administrativo, ampliando o núcleo processual ao âmbito do direito administrativo. Quando o art. 5º, inciso LV da Constituição assegura a “ampla defesa” no processo administrativo, isso não significa qualquer defesa, mas uma defesa robusta, técnica, argumentativa com capacidade de influenciar o julgador. Ainda mais, em se tratando de processo disciplinar, com natureza jurídica de processo punitivo, a defesa deve ocorrer de forma ampla, pois, a “mera possibilidade de o processo culminar em restrição à esfera individual do servidor reclama a maximização dos mecanismos de defesa” (BACELLAR FILHO; HACHEM, 2010, p. 35).

Deste ponto se extraem os fatores que justificam a defesa técnica, a natureza punitiva e a sanção com limitação de direitos, bens e valores constitucionais, coadunando com o núcleo processual comum do direito penal, e consequentemente com a aplicação dos princípios processuais atinentes a esse ramo do direito179, obviamente considerando as distinções peculiares de cada tipo de processo.

Na doutrina brasileira existem três correntes: a) aqueles que defendem a defesa técnica em todo e qualquer processo administrativo disciplinar; b) que defendem a utilização da defesa técnica somente no processo administrativo disciplinar em que o direito discutido seja indisponível; c) aqueles que são contrários à obrigatoriedade da presença de advogado no processo administrativo disciplinar.

A primeira corrente defendida por Romeu Bacellar Filho e Daniel Hachem (2010, p. 35), os maiores percussores, trazem que a “defesa técnica constitui elemento indispensável da ampla defesa, sendo indiferente a gravidade da pena que possa resultar do processo”. Isso porque a Carta Constitucional não fez distinção, não cabendo ao intérprete restringir o alcance da norma constitucional que estabelece os direitos fundamentais, vindo de encontro ao princípio hermenêutico da máxima efetividade e da interpretação conforme a Constituição.

No mesmo sentido, Lúcia do Valle Figueiredo (1995, p.395) considera a “defesa técnica” como ínsita ao direito de ampla defesa, como aquela inserida no processo penal180. A

179 “O direito à ampla defesa impõe à autoridade o dever de fiel observância das normas processuais e de todos

os princípios jurídicos incidentes sobre o processo. A desatenção a tais preceitos e princípios pode acarretar a nulidade da decisão, por cerceamento de defesa. Cabe, todavia, assinalar que muitos abusos são cometidos sob esse título, levando à invalidação despropositada de processos. Somente haverá cerceamento de defesa se da omissão ou falha puder resultar um dano, potencial ou efetivo, ao acusado ou interessado. Meras falhas formais, irrelevantes para o desfecho do feito, não são suficientes para acarretar a nulidade” (FERRAZ; DALLARI, 2012, p.111).

180Nas lições de Figueiredo (1995, p. 395) “o direito à defesa técnica está ínsito ao direito de ampla defesa,

inserida no processo penal. Se a parte ‘acusada’ da prática de infração administrativa ou disciplinar não se defender por advogado, deverá lhe ser nomeado defensor. Ainda, se defesa não houver, quer por revelia, quer

autora conclui que somente a defesa técnica realiza o devido processo legal em seu sentido substancial, assim, “se a parte acusada da prática de uma infração administrativa ou disciplinar não se defender por advogado deverá lhe ser nomeado um defensor”.

Ferraz e Dallari181 (2012, p. 110) argumentam que “é elementar que quem quer os fins deve dar os meios a isso necessários. Portanto, quando se fala no princípio da ampla defesa, na verdade se está falando dos meios para isso necessários”. E por esse motivo, defende o direito da parte ser assistida por advogado, através da apresentação da defesa técnica182.

Isso porque, a defesa conduzida por um advogado tende a ser muito mais completa e, portanto, garantidora do efetivo exercício da ampla defesa e do contraditório, já que se trata de uma defesa técnica e jurídica a qual será cuidadosamente fundamentada por profissional competente para realizar tal finalidade (LESSA, 2009, p.191). A defesa técnica é uma garantia de que a solução decorrente do processo será justa e pontualmente discutida. Tanto é assim, que o direito de defesa independe da vontade do indiciado que poderá, por determinação da autoridade competente, ter designado um defensor dativo que no mínimo seja bacharel em direito para atuar em seu auxílio (LESSA, 2009, p. 192).

A segunda corrente encabeçada por Odete Medauar (2008, p.126) defende a necessidade de defesa técnica apenas nos processos administrativo em que a decisão possa acarretar grave ofensa na esfera individual183 do sujeito, restringindo os seus bens,

porque entenda a parte de não se defender, a nomeação de defensor dativo é absolutamente necessária, do mesmo modo que no processo penal (art. 261 do Código de Processo Penal), sob pena de nulidade. Mesmo que se trate de sindicância, e não de inquérito administrativo, é imprescindível a nomeação de defensor, se dela resultar diretamente sanção, como em hipótese assinalada no Regime Único dos Servidores Públicos da União, das autarquias e das fundações públicas em geral”.

181 Os autores criticam a Súmula Vinculante n. 05 e entendem ser um autêntico retrocesso, inclusive com

violação da Constituição.

182 É importante registrar a passagem de Ferraz e Dallari (2010, p. 111) que afirmam existirem até pouco tempo

“normas procedimentais, especialmente nos regulamentos disciplinares militares, proibindo a presença de advogado. O preconceito, entretanto, ainda permanece. Algumas autoridades administrativas tomam a presença do advogado como uma provocação”. E conclui afirmando que “o advogado é um profissional habilitado para a defesa de direitos e interesses, que pode ressaltar ou expor com maior eficiência aos fatos ou argumentos favoráveis ao seu constituinte ou impedir que este sofra algum dano ou constrangimento, sem que, de qualquer forma, isso possa prejudicar os legítimos interesses da Administração. Daí dever ter-se como indispensável a sua presença, sobretudo no processo administrativo disciplinar” (FERRAZ; DALLARI, 2012, p. 111-112).

183“Por sua vez, a defesa técnica é a defesa realizada pelo representante legal, o advogado. Várias justificativas

surgem, de regra, quanto à defesa técnica: equilíbrio entre os sujeitos ou paridade de armas, vinculado à plenitude do contraditório; o conhecimento especializado do advogado auxiliar a tomada de decisão parametrada pela legalidade e justiça; a presença do advogado evita que o sujeito se deixe nortear por emoções de momento, por vezes exacerbadas. Considerando-se a defesa técnica como desdobramento da ampla defesa assegurada pela Constituição, deve ser encarada, no processo administrativo, como possibilidade ou como exigência? Nos processos disciplinares de servidores, que pudessem resultar em penas graves, se firmara orientação jurisprudencial no sentido da necessidade de defesa técnica, cabendo ao poder público indicar defensor dativo se

propriedades ou direitos. Dessa forma, a exigência de defesa técnica somente valeria para os processos cujos resultados repercutam com gravidade sobre direitos e atividades dos sujeitos, ou seja, no caso de apuração de crimes contra administração pública, punidos com pena demissão ou cassação de aposentadoria, portanto, deixando de fora os processos que acarretam advertência, suspensão, destituição de cargo em comissão ou da função comissionada.

Harger (2008, p.150), também seguidor desta corrente, destaca que a parte tem o direito de ser representada no processo administrativo através de um advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, mas não em todas as hipóteses, apenas “quando a lei assim exigir” e “quando o interesse em jogo for indisponível”. Isso porque os processos administrativos disciplinares que apuram crimes contra a administração pública terão como resultado futuro a propositura da ação criminal. Dessa forma, a “inexistência de defesa técnica, por ocasião do processo administrativo, poderá trazer sérias implicações em face do conteúdo da lide penal a ser instaurada” (HARGER, 2008, p.150).

A despeito da posição desta segunda corrente, há de fazer algumas reflexões sobre a exigibilidade de advogado somente quando houver grave dano ou ainda que esteja em jogo direito indisponível do servidor. Inicialmente, deve-se entender o que é considerado direito indisponível, para alguns autores seria a punição com privação da liberdade do indivíduo, porém, se questiona, se a privação da honra e a imagem do servidor discutida no processo administrativo, também não seriam direitos indisponíveis. Além disso, a Constituição Federal não restringiu o direito à ampla defesa apenas quando houvesse dano à liberdade individual, mas aos processos administrativos em que houvesse “acusados” em geral, sujeitos a uma sanção que restringe direitos do indivíduo.

A terceira corrente, que tem posicionamento contrário, entende que a representação por advogado é uma faculdade jurídica e não obrigação, sendo uma exigência apenas na hipótese do acusado não ter conhecimento do processo, por se encontrar em local incerto e não sabido. Carvalho Filho (2009, p. 61), posiciona-se no sentido formal e legalista, destaca a faculdade do servidor de estar acompanhado por advogado, porém, se o acusado foi

o servidor estivesse desassistido ou na revelia. Mas, a Súmula Vinculante 5 do STF, editada em maio de 2008, ficou orientação diversa: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”. Quanto aos demais processos administrativos, deve-se exigir defesa técnica? A exigência de defesa técnica em todos os processos administrativos implicaria a obrigatoriedade de defensoria dativa proporcionada pelo poder público a todos os sujeitos sem advogado próprio, o que parece inviável. Por isso, deveria ser exigida em processos cujos resultados repercutam com gravidade sobre direitos e atividades dos sujeitos, como, p.ex., interdição de atividades, fechamento de estabelecimentos, cessação do exercício profissional” (MEDAUAR, 2008, p.126-127).

devidamente intimado e não apresentou defesa, o autor entende que não haveria ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa184. Por outro lado, destaca a importância de assegurar ao “acusado o direito de defender-se amplamente e de contraditar a acusação” nos processos administrativos punitivos ou restritivos de direitos185.

Ao contrário da obrigatoriedade da presença de advogado, entretanto, a favor da defesa técnica apresentada na esfera administrativa, Cretella Neto186 (2002, p. 68) assinala que a “ampla defesa, embora facultativa, deve ser entendida como a defesa técnica, isto é, apresentada em juízo por quem tenha capacidade postulatória”.

Na mesma esteira, Cármen Lúcia Antunes Rocha (1999, p. 484) entende que a defesa deve ser formal, “produzida com a argumentação que comprove a sua contradição ao quanto contra ele se alega, pode ser feita diretamente ou mediante patrocínio profissional”, de modo que o julgador possa levar em consideração os seus argumentos e razões187. Portanto, advoga pela facultatividade da presença do patrono no processo administrativo disciplinar, embora entenda que a defesa deva ser técnica o suficiente para expor os argumentos com capacidade de influenciar o julgador.

Dessa forma, em decorrência do contraditório em seu sentido substancial, não é possível a aplicação de penalidade, sem que se dê ao acusado a oportunidade de se manifestar de forma concreta e efetiva no processo, permitindo a possibilidade de influenciar no resultado da decisão, para isso, deve ser realizado através da defesa técnica, porém, não em qualquer processo administrativo, mas naqueles em que tenha a natureza punitiva com

184 Carvalho Filho (2009, p.62) comunga com o entendimento do STF na edição da Súmula Vinculante n. 05. 185 O autor entende que “a garantia do contraditório e ampla defesa só incide naqueles processos litigiosos”, ou

melhor, “não se aplicando nos processos administrativos de natureza inquisitória, como o inquérito policial, o inquérito civil e a sindicância administrativa” (CARVALHO FILHO, 2009, p.59).

186 O autor traz decisões do Supremo Tribunal Federal relacionados ao processo administrativo e à ampla defesa.

“Em processo administrativo, por alguns denominado inquérito administrativo, tem sido o princípio da ampla defesa reafirmados pelos tribunais brasileiros. Assim, “é necessária a ampla defesa para demissão de funcionário admitido por concurso (Súmula n°. 20 do STF)”; “é nula a demissão de funcionário com base em processo administrativo no qual não lhe foi assegurada ampla defesa (STF, em RDA, 73:136); “em inquérito administrativo, destinado a apurar a falta de funcionário e aplicação da pena de demissão, a ampla defesa deve ser-lhe assegurada” (STF, em RDA 47:108)” (CRETELLA NETO, 2002, p.68).

187

Nas lições de Cármen Lúcia Antunes Rocha (1999, p. 484) “A garantia do advogado (art. 133 da Constituição da República) exige mesmo que o Estado providencie um, ainda que no processo administrativo, para aquele que o requisitar, comprovando-se que não o pode contratar sem o comprometimento de suas condições de subsistência ou de seus dependentes”. Mesmo antes da Constituição Federal de 1988, Contreiras de Carvalho (1985, p. 115) já advertia que “em se tratando de indiciado revel, a defesa é promovida, como já sabemos, por defensor ex officio, designado pelo presidente da Comissão de Inquérito. A redação das respectivas razões não se reveste de peculiaridades, cumprindo ao defensor examinar, em todos os seus aspectos, acusação, ou as acusações, e apreciar cada uma das provas produzidas nos autos e cuja credibilidade deve ser examinada à luz do Direito Disciplinar. Daí a conveniência de ser, de preferência, de formação jurídica o funcionário designado ex officio para esse mister”.

restrição aos direitos fundamentais. Além desses argumentos, cabe trazer a importância da presença do advogado no processo administrativo disciplinar e a sua função fiscalizadora na defesa e concretização dos direitos.