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Antecedentes Experimentais

No documento Ronei_fisica_quantica (páginas 74-79)

4.1.1

F´ormulas emp´ıricas espectrais

Em seu famoso livro Opticks6, Isaac Newton demonstrou que a luz do Sol

decomp˜oe-se em luz de diferentes cores ao passar por um prisma, formando um espectro, como o arco-´ıris. Essa descoberta levou a diversos estudos que culmi- naram com a proposi¸c˜ao das Linhas de Fraunhofer7. Em 1857, Robert Wilhelm

Bunsen inventou o bico de g´as (conhecido hoje como bico de Bunsen8), cuja chama apresentava uma caracter´ıstica incolor. Quando um elemento qu´ımico era colocado sobre a chama, a chama adquiria uma certa colora¸c˜ao t´ıpica. Uti- lizando o invento de Bunsen, Gustav Robert Kirchhoff9desenvolveu um estudo detalhado das linhas de Fraunhofer no qual sugeria que as cores emitidas por um dado elemento qu´ımico, quando colocado sobre a chama, seriam melhor identificadas se passadas atrav´es de um prisma. O aparato experimental foi ent˜ao aperfei¸coado e o elemento n˜ao era mais colocado sobre a chama, mas sim aquecido em um tubo. A radia¸c˜ao emitida tinha as mesmas caracter´ısticas da- quela emitida quando o elemento era colocado sobre a chama. De fato, quando examinada atrav´es de um espectrosc´opio, o espectro emitido era constitu´ıdo por um conjunto de linhas discretas, cada uma de uma cor ou comprimento de onda particular, e cujas posi¸c˜oes e intensidades s˜ao caracter´ısticas do elemento em estudo (ver figura 4.1). Os comprimentos de onda dessas linhas foram de- terminados com precis˜ao e muito esfor¸co da comunidade cient´ıfica de ent˜ao foi despendido na tentativa de se encontrar regularidades nos espectros obtidos experimentalmente.

Um grande progresso foi alcan¸cado em 1885, quando Balmer10, mostrou que

as linhas no espectro do hidrogˆenio poderiam ser representadas pela express˜ao:

6A primeira edi¸ao, de 1704, est´a dispon´ıvel em http://www.rarebookroom.org/

Control/nwtopt/index.html

7O Espectro de Fraunhofer ou Linhas de Fraunhofer s˜ao um conjunto de linhas espec-

trais associadas originalmente a faixas escuras existentes no espectro solar, e que foram catalogadas pelo f´ısico alem˜ao Joseph von Fraunhofer. Essas linhas escuras, originalmente observadas por William Hyde Wollaston, foram posteriormente atribu´ıdas `a absor¸c˜ao da luz pelos elementos existentes nas camadas mais externas do Sol. Ver, por exemplo, Francis A Jenkins and Harvey Elliott White, Fundamentals of optics New York, McGraw-Hill (2001).

8William B. Jensen, The Origin of the Bunsen Burner , Chemical Education Today 82,

518 (2005).

9Ueber die Fraunhofer’schen Linien, Annalen der Physik 185, 148 (1860).

10Annalen der Physik und Chemie 25, 80 (1885), tradu¸ao em inglˆes dispon´ıvel em http:

4.1 Antecedentes Experimentais Miotto e Ferraz 65

Figura 4.1: Representa¸c˜ao esquem´atica de um experimento de emiss˜ao de um g´as (no caso H2). A luz emitida ´e colimada por uma fenda e depois passa por

um prisma. As linhas resultantes s˜ao observadas no anteparo. Diferentes gases apresentam diferentes linhas (ou frequˆencias caracter´ısticas) de emiss˜ao.

λ = 364,6mm2−42 , onde λ ´e o comprimento de onda em nanometros e m um

n´umero inteiro maior do que 2. Balmer utilizou um aparato experimental semelhante ao esquematizado na figura 4.1, obtendo um espectro semelhante ao indicado na figura 4.2. A s´erie obtida atrav´es de tal express˜ao ficou conhecida com S´erie de Balmer. Ela descrevia corretamente o comprimento de onda das nove linhas espectrais conhecidas na ´epoca com precis˜ao superior a uma parte em mil. Essa descoberta iniciou uma busca por f´ormulas emp´ıricas similares que pudessem ser identificadas na distribui¸c˜ao de linhas que constituem o espectro de outros elementos. Balmer sugeriu que sua f´ormula poderia ser o caso particular de uma express˜ao mais geral, aplic´avel aos espectros de outros elementos. Essa express˜ao, encontrada por J. R. Rydberg11 e posteriormente

rigorosamente demonstrada12por W. Ritz13, fornece o inverso do comprimento

11Research on the Structure of the Emission Spectra of the Chemical Elements, Kongl.

Svenska Vetenskaps Akademians Handlingar 23, No. 11, Stockholm (1890)

12Uma an´alise detalhada da participa¸ao de Rydberg, Ritz e outros pesquisadores para

o desenvolvimento da express˜ao hoje conhecida como Express˜ao de Rydberg-Ritz pode ser encontrada em M. A. El’yashevich, N. G. Kembrovskaya, and L. M. Tomil’chik, Rydberg and the development of atomic spectroscopy (Centennial of J. R. Rydberg’s paper on the laws governing atomic spectra), Sov. Phys. Usp. 33, 1047 (1990), dispon´ıvel em http: //iopscience.iop.org/0038-5670/33/12/R03.

66 Miotto e Ferraz Modelos Atˆomicos

Figura 4.2: Reprodu¸c˜ao do espectro de emiss˜ao do ´atomo de hidrogˆenio na regi˜ao do vis´ıvel e ultravioleta pr´oximo. A letra Hx representa a posi¸c˜ao da

radia¸c˜ao. Adaptado de G. Herzberg, Molecular Spectra and Molecular Struc- ture, 2a Edi¸ao (1944).

de onda e tem a forma: 1 λ= R  1 m2 − 1 n2  (4.1) onde n e m s˜ao inteiros, tais que n > m e R ´e chamada de constante de Rydberg14

Figura 4.3: Representa¸c˜ao esquem´atica de uma linha de um espectro de emiss˜ao na ausˆencia e na presen¸ca de um campo magn´etico externo.

Em uma s´erie de trabalhos15 pu-

blicados em 1897, Zeeman demons- trou que as linhas espectrais produ- zidas por diversos gases confinados em um tubo aquecido eram separa- das quando o g´as era submetido `a uma campo magn´etico externo (ver figura 4.3). Para algumas esp´ecies, como o hidrogˆenio, as linhas espec- trais dividem-se em trˆes sob a a¸c˜ao do campo magn´etico. Esse fato ´e co- nhecido como Efeito Zeeman. Para alguns outros ´atomos, como o s´odio,

14A constante de Rydberg n˜ao ´e a mesma para todos os elementos, mas apresenta uma

varia¸c˜ao muito pequena. Seja RXo valor da constante para o elemento X. Enquanto RH=

1,096776×107m−1, Relementopesado= 1,097373×107m−1. Assim, em geral apenas o valor

de RH´e utilizado.

15On the influence of Magnetism on the Nature of the Light emitted by a Substance, Philo-

sophical Magazine 43, 226 (1897); Doubles and triplets in the spectrum produced by external magnetic forces, Philosophical Magazine 44, 55 (1897); e The Effect of Magnetisation on the Nature of Light Emitted by a Substance, Nature 55, 347 (1897).

4.1 Antecedentes Experimentais Miotto e Ferraz 67 o espectro apresenta um padr˜ao de separa¸c˜ao mais complexo e o fenˆomeno ´e conhecido como Efeito Zeeman Anˆomalo. A explica¸c˜ao desse fenˆomeno repre- sentou um grande desafio para os pioneiros da F´ısica Quˆantica e teve grande influˆencia na elabora¸c˜ao dos primeiros modelos atˆomicos, j´a que indicava cla- ramente que o ´atomo era uma estrutura complexa. De fato, a descoberta de Zeeman foi a primeira evidˆencia de que cargas el´etricas deveriam ter alguma influˆencia no espectro emitido por um dado elemento.

4.1.2

A descoberta do el´etron

A natureza das descargas el´etricas em tubos de raio cat´odicos foi objeto de estudo de um grande n´umero de pesquisadores no final do s´eculo XIX. Duas vis˜oes eram prevalentes16: na primeira, apoiada principalmente pelos

f´ısicos ingleses, supunha-se que os raios cat´odicos eram corpos negativamente eletrificados ejetados do catodo a grandes velocidades; na segunda, apoiada pela grande maioria dos f´ısicos alem˜aes, acreditava-se que os raios eram algum tipo de vibra¸c˜ao et´erea ou ondas. Para demonstrar que suas suposi¸c˜oes eram corretas, Thomson realizou uma s´erie de experimentos17 em que retirou os gases presentes no interior do tubo e demonstrou que, nessas condi¸c˜oes, os raios cat´odicos eram eletricamente defletidos. Os in´umeros experimentos de Thomson permitiram verificar que a deflex˜ao produzida por for¸cas el´etricas e magn´eticas tinha uma dire¸c˜ao que claramente indicava que os raios eram negativamente carregados.

O pr´oximo passo de Thomson consistiu na determina¸c˜ao da velocidade dessas part´ıculas negativamente carregadas, o que possibilitou a determina¸c˜ao da raz˜ao e/m a partir da for¸ca coulombiana e da for¸ca gravitacional que agem sobre elas. A raz˜ao e/m obtida por Thomson era quase 1700 vezes menor do que a mesma raz˜ao obtida para o ´atomo de hidrogˆenio carregado18. Essa grande diferen¸ca s´o poderia ser explicada se a massa da part´ıcula fosse muito menor do que a massa do ´atomo de hidrogˆenio ou se sua carga fosse muito maior do que a carga do ´atomo carregado. Fazendo uso dos experimentos de C. T. R. Wilson em cˆamaras de condensa¸c˜ao, Thomson descartou a segunda hip´otese, o que permitiu a ele estimar o valor da carga das part´ıculas19 e

levou-o a concluir que o ´atomo n˜ao era o limite para a subdivis˜ao da mat´eria, j´a que era poss´ıvel detectar uma part´ıcula negativamente carregada com massa

16Conforme relato do pr´oprio Thomson em sua palestra por ocasi˜ao do recebimento do

Prˆemio Nobel de F´ısica de em 11 de dezembro de 1906.

17Cathode Rays, The Electrician 39, 104 (1897), tamb´em publicado no Proceedings of

the Royal Institution April 30, 1897, foi o primeiro an´uncio da existˆencia de um corp´usculo; Cathode rays, Philosophical Magazine 44, 293 (1897) ´e o artigo cl´assico onde a raz˜ao e/m ´e obtida.

18O ´atomo de hidrogˆenio carregado utilizado para determinar e/m era obtido atrav´es da

eletr´olise da ´agua

19Thomson estimou a carga como sendo da ordem de 1,1 × 10−19C e a massa da part´ıcula

como sendo aproximadamente igual a 6 × 10−28gramas, que s˜ao da ordem de grandeza dos

68 Miotto e Ferraz Modelos Atˆomicos aproximadamente 1700 vezes menor do que a massa do ´atomo de hidrogˆenio. Essas part´ıculas foram chamadas el´etrons20.

A quantiza¸c˜ao da carga do el´etron

Os experimentos de Zeeman e Thomson demonstravam atrav´es de m´etodos distintos a existˆencia do el´etron. A esses estudos seguiram-se v´arios outros que levaram a uma aceita¸c˜ao quase universal da existˆencia do el´etron. Ainda assim, inexistia um experimento no qual fosse poss´ıvel determinar de forma independente a massa ou a carga do el´etron, o que permitia que alguns ainda especulassem que o car´ater unit´ario da eletricidade nada mais era do que um fenˆomeno estat´ıstico. Uma prova direta da existˆencia do el´etron foi o experi- mento21idealizado por Robert Millikan22e Harvey Fletcher em 1909.

Figura 4.4: Representa¸c˜ao esquem´atica do aparato experimental utilizado por Millikan.

Esse experimento utiliza um aparato (figura 4.4) semelhante `a cˆamara de Wilson e faz uso da de- termina¸c˜ao da velocidade terminal de uma gota esf´erica caindo sob a a¸c˜ao de um campo gravitacio- nal, num fluido viscoso. Millikan, aproveitando-se do fato de que as go- tas est˜ao eletricamente carregadas, utiliza uma diferen¸ca de potencial para imobilizar as gotas23. As gotas imobilizadas tˆem as for¸cas el´etrica e gravitacional em equil´ıbrio, o que permite determinar a carga el´etrica elementar atrav´es de uma rela¸c˜ao simples como24

e = 3,1 × 10−19g

E(Vx− Vj)pVj,

onde g ´e o m´odulo da acelera¸c˜ao da gravidade, E o m´odulo do campo el´etrico aplicado, Vx e Vj s˜ao, respectivamente, os m´odulos das velocidades terminais

20O termo el´etron, que em grego significa ˆambar, foi originalmente utilizado por George

Johnstone Stoney em 1881 (G. J. Stoney, Phil. Mug. II, 384 (1881)), ou seja, antes da descoberta de Thomson, para identificar o correspondente ao ´atomo (a menor por¸c˜ao da mat´eria) para a eletricidade.

21Existem v´arias controv´ersias acerca desse experimento. A primeira refere-se a parti-

cipa¸c˜ao de Fletcher nos experimentos, mas a ausˆencia de seu nome no famoso trabalho que valeu a Millikan o Prˆemio Nobel de F´ısica em 1923 (ver, por exemplo, Revista Brasileira de Ensino de F´ısica 17, 107 (1995)) e a segunda a respeito das alega¸c˜oes de que Millikan escolheu cuidadosamente os pontos que usaria na determina¸c˜ao da carga do el´etron (ver, por exemplo, The Chemical Educator 2, 1 (1997).

22Science 32, 436 (1910).

23Veja uma simula¸ao computacional do experimento em http://physics.wku.edu/

˜womble/phys260/millikan.html.

4.2 O Modelo de Thomson Miotto e Ferraz 69

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