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O po¸ co quadrado finito

No documento Ronei_fisica_quantica (páginas 123-126)

5.7 Algumas consequˆ encias do Princ´ıpio de Incerteza

6.1.4 O po¸ co quadrado finito

Como vimos, a quantiza¸c˜ao de energia aparece naturalmente na solu¸c˜ao da Equa¸c˜ao de Schr¨odinger. Este fato ´e comum a todas as part´ıculas confinadas, como ser´a exemplificado a seguir para o caso do po¸co quadrado finito. A diferen¸ca entre o po¸co quadrado infinito (discutido anteriormente) e o po¸co quadrado finito est´a apenas no valor do potencial (V (x)) que ´e infinito no primeiro caso e assume um valor fixo (Vo) no segundo.

Figura 6.4: Representa¸c˜ao de um po¸co quadrado infinito de lado L.

Um fato importante relacionado ao po¸co quadrado finito s˜ao as diferentes solu¸c˜oes obtidas para a Equa¸c˜ao de Schr¨odinger dependendo da energia total da part´ıcula E ser maior ou menor do que o potencial da barreira Vo. No caso E > V o, a

part´ıcula n˜ao est´a confinada, o que equivale a dizer que a quantiza¸c˜ao da energia n˜ao poder´a ser percebida e, aparentemente, qualquer valor de energia ser´a permitido. Discutiremos

esse caso detalhadamente mais adiante. Por hora, analisaremos apenas o que ocorre quando E < Vo, ou seja, trataremos de uma part´ıcula que classica-

mente estaria confinada em uma regi˜ao compreendida entre 0 e L. No interior do po¸co a solu¸c˜ao da equa¸c˜ao de Schr¨odinger ´e idˆentica a do po¸co infinito:

d2

dx2ψ(x) = −

2mE ~2

ψ(x) = −k2ψ(x), (6.15)

onde k ´e o n´umero de onda.

As solu¸c˜oes s˜ao senos e cossenos, como vimos anteriormente. Todavia, n˜ao podemos mais impor a condi¸c˜ao de contorno ψ(x = 0) = ψ(x = L) = 0, j´a que n˜ao existe mais o v´ınculo de que a probabilidade de se encontrar o el´etron nos pontos x ≤ 0 e x ≥ L seja nula. Ocorre que as condi¸c˜oes sobre a fun¸c˜ao de onda devem ser obedecidas para qualquer problema em an´alise. Nesse caso,

114 Miotto e Ferraz Introdu¸c˜ao `a Mecˆanica Quˆantica usamos o fato de que a fun¸c˜ao de onda e sua primeira derivada devem ser cont´ınuas em todos os pontos, inclusive em x = 0 e x = L.

Se j´a conhecemos a solu¸c˜ao do problema dentro do po¸co de potencial, resta agora determin´a-la fora do po¸co, ou seja, para 0 > x > L. Fora do po¸co, a equa¸c˜ao de Schr¨odinger deve ser escrita como:

d2 dx2ψ(x) = 2m(Vo− E) ~2 ψ(x) = α2ψ(x), (6.16) onde α2=2m(Vo−E) ~2 > 0.

O m´etodo direto para encontrar as fun¸c˜oes de onda e energias permitidas para esse problema 7 ´e resolver a Equa¸ao de Schr¨odinger dentro e fora do

po¸co e impor que a fun¸c˜ao de onda e sua primeira derivada em rela¸c˜ao `a x sejam cont´ınuas em x = 0 e x = L.

Figura 6.5: Representa¸c˜ao de poss´ıveis solu¸c˜oes para o po¸co quadrado finito. Na regi˜ao fora do po¸co, a solu¸c˜ao

da equa¸c˜ao 6.16 tem a forma ψ(x) = Ce−αx, onde C ´e uma constante e consideramos apenas x > 0. Resta- nos impor a condi¸c˜ao de continui- dade e resolver o problema analitica- mente. Apesar de poss´ıvel, o m´etodo direto ´e bastante trabalhoso. Ao inv´es de tomar este caminho, vamos fazer uma an´alise desta solu¸c˜ao. En- quanto dentro do po¸co o limite da fun¸c˜ao de onda quando x tende a um n´umero muito grande ´e, em m´odulo, zero (ou seja, limx→∞ψ(x) = 0),

fora do po¸co, esse limite tende a infinito. Esse fato pode ser verificado fa- cilmente se observarmos que o sinal da segunda derivada espacial da fun¸c˜ao de onda (que est´a ligada a curvatura da fun¸c˜ao) ´e positivo (negativo) quando a fun¸c˜ao de onda ´e positiva (negativa), ou seja, a fun¸c˜ao de onda se afasta do eixo. Dessa forma, para a maioria dos valores de energia a fun¸c˜ao de onda n˜ao ´e bem comportada e n˜ao pode ser normalizada (lembre-se a normaliza¸c˜ao imp˜oe que a fun¸c˜ao de onda seja limitada). Para uma energia E = 2mp2 =2mλh22,

teremos, por exemplo, para λ = 4L uma fun¸c˜ao que tem a forma dada pela figura 6.5. Todavia, como a fun¸c˜ao de onda deve ser normalizada, s´o os valo- res do comprimento de onda que tornam a fun¸c˜ao bem comportada, como as representadas na parte inferior da figura 6.5, s˜ao admitidos .

Note que, em contraste com o caso cl´assico, h´a alguma probabilidade de encontrar a part´ıcula fora da caixa. Nessas regi˜oes, a energia total ´e menor que

7Esse ´e de fato o m´etodo direto para a solu¸ao de qualquer problema que apresenta formas

funcionais diferentes para o potencial em diferentes regi˜oes espaciais: escreve-se a Equa¸c˜ao de Schr¨odinger para as diversas regi˜oes, obt´em-se a solu¸c˜ao para cada regi˜ao diferente. As constantes de normaliza¸c˜ao ser˜ao obtidas utilizando a continuidade da fun¸c˜ao de onda e de sua primeira derivada nos limites das regi˜oes consideradas.

6.1 A equa¸c˜ao de Schr¨odinger Miotto e Ferraz 115 a energia potencial. Assim, pareceria a primeira vista, ser a energia cin´etica negativa. Como n˜ao h´a, na f´ısica cl´assica, significado para energia cin´etica negativa, como podemos interpretar essa penetra¸c˜ao da fun¸c˜ao de onda na regi˜ao da barreira? Ser´a que podemos medir energias cin´eticas negativas na Mecˆanica Quˆantica? Em caso positivo, haveria grande falha na teoria, pois estar´ıamos desrespeitando o Princ´ıpio de Complementariedade de Bohr. Fe- lizmente, o Princ´ıpio de Incerteza de Heisenberg nos permite explicar essa aparente contradi¸c˜ao. Vamos compreender esse fato qualitativamente para a regi˜ao x > L. Como a fun¸c˜ao de onda decresce segundo e−αx, o m´odulo ao quadrado da fun¸c˜ao de onda tamb´em ´e uma exponencial (e−2αx), que se torna

muito pequena numa distˆancia da ordem de ∆x ' α−1. Se considerarmos

que o m´odulo da fun¸c˜ao de onda ´e desprez´ıvel em qualquer ponto al´em de x = L + α−1, poderemos dizer que encontrar a part´ıcula na regi˜ao x > L ´e grosseiramente equivalente a localiz´a-la na regi˜ao ∆x ' α−1. Tal medida introduz uma incerteza no momento da ordem de ∆p ' ~

∆x = ~α, e uma

energia cin´etica m´ınima da ordem de (∆p)2m2 ' ~2α2

2m . Mas, por defini¸c˜ao (vide

equa¸c˜ao 6.16) α2= 2m(Vo−E)

~2 , ou seja, ~2α2

2m = Vo− E. Essa incerteza m´ınima

na energia cin´etica ´e suficiente para evitar que uma medida desta grandeza seja negativa. A penetra¸c˜ao da fun¸c˜ao de onda em uma regi˜ao classicamente proibida tem consequˆencias importantes no tunelamento (ou penetra¸c˜ao de barreiras), como veremos a seguir.

Quer saber mais? Aplica¸c˜oes

A maior parte da nossa discuss˜ao acerca do problema do po¸co qua- drado finito se aplica a qualquer problema em que E < V (x) em alguma regi˜ao e E > V (x) fora daquela regi˜ao. Considere um po- tencial arbitr´ario V (x) com formato parab´olico (essa ´e uma primeira aproxima¸c˜ao para o potencial de intera¸c˜ao entre dois ´atomos, vide por exemplo, http://www.cepa.if.usp.br/e-fisica/mecanica/ universitario/cap09/cap09_38.htm). No interior do po¸co, a Equa¸c˜ao de Schr¨odinger tem a forma d2x

dx2ψ(x) = −k

2ψ(x), onde

k2=2m[E−V (x)]

~2 depende explicitamente de x. As solu¸c˜oes dessa equa¸c˜ao

n˜ao s˜ao fun¸c˜oes simples do tipo seno e cosseno, porque o n´umero de onda varia com x. Todavia, uma vez que a fun¸c˜ao de onda (ψ(x)) e sua segunda derivada em rela¸c˜ao a x (ψ00(x)) tem sinais opostos, ψ(x) necessariamente ir´a se curvar em dire¸c˜ao ao eixo, e as solu¸c˜oes oscilar˜ao. Fora do po¸co, ψ(x) ir´a se curvar afastando-se do eixo, de sorte que haver´a somente certos valores de E para os quais existem solu¸c˜oes que se aproximam de zero quando x ´e um n´umero muito grande. Observe que a quantiza¸c˜ao da energia (nem todos os valores de E s˜ao permitidos) mais uma vez decorreu da solu¸c˜ao da Equa¸c˜ao de Schr¨odinger sem que houvesse a necessidade de qualquer postulado ou suposi¸c˜ao.

116 Miotto e Ferraz Introdu¸c˜ao `a Mecˆanica Quˆantica

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