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O modelo de Bohr

No documento Ronei_fisica_quantica (páginas 84-90)

Figura 4.11: Os estados estacion´arios previstos pelo modelo de Bohr e os pro- cessos de emiss˜ao e absor¸c˜ao de energia. O f´ısico dinamarquˆes Niels Bohr

propˆos, em 1913, um modelo do ´

atomo de hidrogˆenio34 que, combi-

nado com os trabalhos de Planck, Einstein e Rutherford, teve sucesso extraordin´ario reproduzindo o espec- tro observado experimentalmente. Bohr, que havia trabalhado no labo- rat´orio de Rutherford durante as ex- periˆencias de Geiger e Marsden, for- mulou a hip´otese de que o el´etron no ´atomo de hidrogˆenio movia-se em uma ´orbita ao redor do n´ucleo posi- tivo, sujeito `a atra¸c˜ao eletrost´atica.

Nesse sistema, a mecˆanica cl´assica

prevˆe que ´orbitas circulares ou el´ıpticas ser˜ao est´aveis. Bohr escolheu, por simplicidade, ´orbitas circulares. Todavia, j´a vimos que esse modelo leva ao colapso dos el´etrons no n´ucleo e produz um espectro cont´ınuo de radia¸c˜ao,

34On the Constitution of Atoms and Molecules, Part I, Philosophical Magazine 26, 1

4.4 O modelo de Bohr Miotto e Ferraz 75

Figura 4.12: A explica¸c˜ao de Bohr para o processo de absor¸c˜ao de luz nos experimentos com gases: o el´etron passa de um estado estacion´ario para outro absorvendo um f´oton de energia.

o que ´e incompat´ıvel com os resultados experimentais dispon´ıveis. Essa difi- culdade foi resolvida por Bohr postulando que o el´etron poderia mover-se em certas ´orbitas sem irradiar. Essas ´orbitas est´aveis foram por ele denominadas estados estacion´arios. Ele admitiu, ainda, que o ´atomo irradia quando realiza uma transi¸c˜ao de um estado estacion´ario para outro (ver figura 4.11) e que a frequˆencia da radia¸c˜ao emitida n˜ao est´a relacionada com o movimento em ne- nhuma das ´orbitas est´aveis, mas sim com a energia das ´orbitas: hν = Ei− Ef,

onde h ´e a constante de Planck e Eie Ef s˜ao as energias totais para as ´orbitas

inicial e final. Essa hip´otese, que ´e equivalente `a de conserva¸c˜ao de energia com a emiss˜ao de um f´oton, tem papel fundamental na nova teoria, pois se afasta da teoria cl´assica que requer que a frequˆencia da radia¸c˜ao seja igual a do movimento da part´ıcula carregada.

De forma an´aloga, o processo de absor¸c˜ao de luz ocorreria quando um f´oton excita um el´etron, que passa de um estado com energia mais baixa para um estado de energia mais alta (ver figura 4.12). Observe que durante os processos de absor¸c˜ao e emiss˜ao a energia dos f´otons envolvida n˜ao ´e arbitr´aria, mas sim um n´umero inteiro de unidades de hν. Isso significa que a energia dos el´etrons em um ´atomo ´e quantizada .

Para determinar o raio das ´orbitas permitidas (n˜ao irradiantes) Bohr in- troduziu uma hip´otese adicional que ´e conhecida como Princ´ıpio da Cor- respondˆencia: No limite de ´orbitas grandes e de grandes energias, c´alculos quˆanticos devem concordar com c´alculos cl´assicos.

O Princ´ıpio da Correspondˆencia afirma que quaisquer que sejam as modi- fica¸c˜oes da F´ısica Cl´assica feitas para descrever a mat´eria a n´ıvel microsc´opico, quando os resultados obtidos s˜ao estendidos ao mundo macrosc´opico, eles de- vem concordar com os previstos pelas Leis da F´ısica Cl´assica, j´a que essas

76 Miotto e Ferraz Modelos Atˆomicos foram exaustivamente verificadas no dia a dia. Muito embora o modelo de- talhado de Bohr para o ´atomo de hidrogˆenio tenha sido superado pela Teoria Quˆantica, suas hip´oteses sobre a emiss˜ao e absor¸c˜ao da radia¸c˜ao e o Princ´ıpio da Correspondˆencia permanecem como caracter´ısticas essenciais da Nova Te- oria.

Bohr, no seu primeiro artigo, em 1913, mostrou que seus postulados acar- retavam em um momento angular do el´etron, no ´atomo de hidrogˆenio, que somente poderia assumir valores que s˜ao m´ultiplos inteiros da constante de Planck dividido por 2π, isto ´e, o momento angular ´e quantizado, podendo somente assumir os valores nh

2π = n~, onde n ´e um n´umero inteiro.

A express˜ao obtida por Bohr relacionando a frequˆencia de emiss˜ao (ou absor¸c˜ao) de um f´oton quando um el´etron muda de um estado estacion´ario para outro com o raio do estado estacion´ario ocupado pelo el´etron

ν = Ei− Ef h = − 1 2kZe 2 1 ri − 1 rf  , (4.3)

foi de fundamental importˆancia para a grande aceita¸c˜ao do modelo de Bohr, j´a que a partir dela ´e poss´ıvel obter um conjunto de grandezas medidas expe- rimentalmente, como veremos a seguir.

Usando a quantiza¸c˜ao do raio da ´orbita (vide Detalhes Matem´aticos: A quantiza¸c˜ao do momento angular) e a express˜ao para a frequˆencia, obtemos facilmente uma express˜ao para similar `aquela obtida por Rydberg-Ritz:

hν hc = Z2mk2e4 4πc~3 1 n2 f − 1 n2 i ! → 1 λ= Z 2R 1 n2 f − 1 n2 i ! , (4.4)

onde R =mk4πc~2e34 deve concordar com a constante de Rydberg.

Bohr calculou R usando os valores de m, e, c e ~ conhecidos em 1913, e o resultado concordou razoavelmente bem com o valor da constante de Ryd- berg obtido pela espectroscopia. Al´em disso, Bohr enfatizou em seu trabalho original que essa equa¸c˜ao poderia ser de valia para a determina¸c˜ao de melho- res valores para as constantes m, e e ~ devido `a extrema precis˜ao poss´ıvel na medida de R, o que de fato aconteceu. Os valores poss´ıveis para a energia do ´

atomo de hidrogˆenio, conforme previsto pelo modelo de Bohr s˜ao dados por: En= − mk2e4Z2 2~2n2 = −Z 2E0 n (4.5) onde E0= mk 2e4Z2 2~2 = 13,6 eV.

Os n´ıveis de energia s˜ao convenientemente indicados pelo diagrama de n´ıveis de energia exemplificado na figura 4.13. As setas verticais indicam as transi¸c˜oes entre os n´ıveis de energia. A frequˆencia pode ser obtida atrav´es da Equa¸c˜ao de Bohr 4.3 e a energia de ioniza¸c˜ao (ou de liga¸c˜ao) ´e a energia re- querida para remover o el´etron do ´atomo. No caso do hidrogˆenio essa energia ´e de 13,6 eV.

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Figura 4.13: Diagrama de n´ıveis de energia para o ´atomo de hidrogˆenio con- forme a previs˜ao de Bohr. As setas verticais indicam as transi¸c˜oes entre os n´ıveis de energia. As s´eries espectrais de Balmer e Paschen j´a eram conhecidas ent˜ao. As s´eries de Lyman (1916), Brackett (1922) e Pfund (1924) corrobora- ram as previs˜oes de Bohr.

78 Miotto e Ferraz Modelos Atˆomicos A excelente concordˆancia entre as previs˜oes te´oricas de Bohr e os espec- tros obtidos anos depois por Brackett foram grandes triunfos para o modelo de Bohr. Suas previs˜oes tamb´em se mostraram adequadas para ´atomos hidro- gen´oides (He+, por exemplo), mas n˜ao eram apropriadas para outros elementos

neutros que n˜ao o hidrogˆenio.

Detalhes Matem´aticos: O modelo de Bohr

Ao inv´es de seguir a dedu¸c˜ao de Bohr baseada no Princ´ıpio da Correspondˆencia, usa- remos a conclus˜ao fundamental da quantiza¸c˜ao do momento angulara para encontrar

sua express˜ao para os espectros observados. Se a carga nuclear ´e Ze, onde e ´e a carga do el´etron, a energia potencial a uma distˆancia r vale V = −kZer2, onde k = 4π1

0 ´e a

constante de Coulomb. A energia total do el´etron que se move em uma ´orbita circular com velocidade v pode ser escrita como E = 12mv2+ V = 1

2mv 2kZe2

r . A energia

cin´etica pode ser obtida como uma fun¸c˜ao da posi¸c˜ao usando a Segunda Lei de New- ton. Igualando a for¸ca atrativa de Coulomb com a massa vezes a acelera¸c˜ao centr´ıpeta temos: kZer22 = mv 2 r ou alternativamente 1 2 kZe2

r2 = 12mv2. b Dessa forma, podemos

escrever a energia do sistema como

E = −1 2

kZe2

r (4.6)

Considerando o primeiro postulado de Bohr, teremos ν = Ei− Ef h = − 1 2kZe 2 1 ri − 1 rf  , (4.7) onde rie rf correspondem aos raios inicial e final dos estados estacion´arios ocupados

pelo el´etron antes e ap´os a sua transi¸c˜ao.

aA quantiza¸ao do momento angular ´e muitas vezes apresentada como um dos pos-

tulados de Bohr. Todavia, esse resultado foi obtido por Bohr a partir do postulado de conserva¸c˜ao de energia e do Princ´ıpio da Correspondˆencia.

bNote que esse resultado equivale a dizer que para ´orbitas circulares, a energia

cin´etica ´e igual `a metade do m´odulo da energia potencial. De fato esse ´e um resul- tado que vale para o movimento circular sujeito a qualquer campo de for¸ca que varia com o inverso do quadrado da distˆancia.

Detalhes Matem´aticos: A quantiza¸c˜ao do momento angular

A seguir apresentamos um dedu¸c˜ao simplificada da quantiza¸c˜ao do raio da ´orbita do ´

atomo de hidrogˆenio. O momento angular de uma part´ıcula que se move em uma trajet´oria circular ´e mvr. Igualando-o a um n´umero inteiro (n) multiplicado pela raz˜ao

h

2π = ~, obtemos mvr = n~ e o n´umero inteiro ´e chamado de n´umero quˆantico, ou

seja, de acordo com Bohr o momento angular ´e uma grandeza quantizada. Usando o fato de que 12kZer22 =

1 2mv

2 e mvr = n~, podemos obter uma condi¸c˜ao quˆantica para

r eliminando a velocidade: v2= n 2 ~2 m2r2 = kZe2 mr → r = n2 ~2 mkZe2 = n2a 0 Z , (4.8) onde a0= ~ 2

mke2 = 0,529177 ˚A ´e conhecido como Primeiro Raio de Bohr e coincide com

4.4 O modelo de Bohr Miotto e Ferraz 79

4.4.1

Aplica¸c˜ao do Princ´ıpio da Correspondˆencia

De acordo com o Princ´ıpio da Correspondˆencia, quando os n´ıveis de energia est˜ao muito pr´oximos, a quantiza¸c˜ao deveria ser impercept´ıvel e os c´alculos quˆanticos e cl´assicos deveriam fornecer o mesmo resultado. Uma inspe¸c˜ao do diagrama de n´ıveis de energia mostra que os estados de energia est˜ao muito mais pr´oximos quando n ´e grande, o que nos leva a possibilidade de enunciar o Princ´ıpio da Correspondˆencia de uma forma ligeiramente diferente: na regi˜ao de n´umeros quˆanticos muito grandes, os c´alculos cl´assicos e quˆanticos devem levar aos mesmos resultados.

Para ilustrar esse conceito, vamos comparar os resultados cl´assicos para o ´

atomo de hidrogˆenio com `aqueles obtidos pelo modelo de Bohr. Suponha uma transi¸c˜ao entre um n´ıvel ni= n (onde n → ∞) e um n´ıvel nf = n − 1:

ν = c λ = Z2mk2e4 4π~3  1 (n − 1)2− 1 n2  =Z 2mk2e4 4π~3  2n − 1 n2(n − 1)2  . Como n tende a infinito, ent˜ao podemos fazer as seguintes aproxima¸c˜oes: 2n − 1 ∼ n e (n − 1)2∼ n2. Logo, ν = Z 2mk2e4 4π~3  2 n3  . (4.9)

Classicamente, a frequˆencia de revolu¸c˜ao do el´etron pode ser determinada como νrev = 2πrv , onde v ´e a velocidade. Por outro lado, utilizando a quan-

tiza¸c˜ao do momento angular v = n~

mr ou alternativamente r = n2~2 mkZe2. Logo, νrev= n~ mr 2πr = n~ 2πmr2 = n~ 2πm n2~2 mkZe2  = Z2mk2e4 4π~3  2 n3  , (4.10)

que ´e exatamente o mesmo resultado obtido a partir da express˜ao de Bohr (equa¸c˜ao 4.9).

4.4.2

Extens˜oes do Modelo

Uma extens˜ao natural do modelo de Bohr ´e o tratamento de ´orbitas el´ıpticas. De acordo com a Mecˆanica Cl´assica, para um campo de for¸ca do tipo inverso do quadrado da distˆancia, a energia de uma part´ıcula efetuando um movimento orbital depende somente do eixo maior da elipse e n˜ao de sua excentricidade. Consequentemente, se a Mecˆanica Newtoniana n˜ao for modificada e a for¸ca considerada variar com o inverso do quadrado da distˆancia, n˜ao se esperam varia¸c˜oes na energia do sistema com varia¸c˜oes na excentricidade da ´orbita. A. Sommerfeld35considerou o efeito da relatividade especial36no modelo de Bohr.

Como as corre¸c˜oes relativ´ısticas deveriam ser da ordem de v2

c2, esperava-se que

35Atombau und Spektrallinien, Friedrich Vieweg und Sohn, Braunschweig (1919). 36Ver Cap´ıtulo de Relatividade para maiores detalhes.

80 Miotto e Ferraz Modelos Atˆomicos ´

orbitas com maior excentricidade teriam corre¸c˜oes maiores, pois a velocidade do el´etron aumenta quando ele se aproxima do n´ucleo37. Vamos estimar a

ordem de grandeza das corre¸c˜oes relativ´ısticas evitando a complexidade dos c´alculos de Sommerfeld. Para n = 1 a conserva¸c˜ao do momento angular imp˜oe mvr = ~. Considerando a primeira ´orbita do ´atomo de hidrogˆenio ao= ~

2 mke2 obtemos: v = ~ ma0 = ~ m ~2 mke2 =ke 2 ~ → v c = ke2 c~ = 1 137. (4.11)

Ora, muito embora a raz˜ao v2

c2 seja muito pequena, um efeito de tal inten-

sidade seria observ´avel. De fato, em experimentos de alta resolu¸c˜ao ´e poss´ıvel verificar que algumas linhas espectrais do hidrogˆenio s˜ao compostas por v´arias linhas muito pr´oximas. Na teoria de Sommerfeld, esse resultado ´e explicado da seguinte maneira: a cada ´orbita circular de raio rn e energia En correspon-

dem m poss´ıveis ´orbitas el´ıpticas de mesmo eixo maior, mas com diferentes excentricidades, o que resultaria em energias ligeiramente diferentes. A energia irradiada quando o el´etron muda de ´orbita, depende das ´orbitas inicial e final, bem como de seus eixos maiores. A separa¸c˜ao dos n´ıveis de energia ´e chamada separa¸c˜ao de estrutura fina, e a constante α = kec~2 = 1371 de constante de estrutura fina38. Muito embora a explica¸c˜ao de Sommerfeld n˜ao forne¸ca uma

imagem correta, ela ´e extraordin´aria, pois o resultado de seu c´alculo concorda perfeitamente n˜ao s´o com a experiˆencia, mas tamb´em com c´alculos detalhados baseados na Equa¸c˜ao Relativ´ıstica de Dirac (n˜ao tratada neste curso), que inclui efeitos devido ao spin.

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