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Cr´ıtica ` a teoria de Bohr e ` a Velha Teoria Quˆ antica

No documento Ronei_fisica_quantica (páginas 95-102)

Quˆantica

As hip´oteses quˆanticas estudadas at´e o momento e resumidas pela regra de quantiza¸c˜ao de Wilson-Sommerfeld (conhecidas como Velha Teoria Quˆantica) explicam razoavelmente bem os resultados experimentais observados. Todavia, deve-se ressaltar que a aplica¸c˜ao dessa teoria quˆantica no in´ıcio do s´eculo XX era mais uma arte do que uma Ciˆencia, j´a que ningu´em sabia exatamente quais eram as regras. As falhas da teoria de Bohr e da velha teoria quˆantica foram principalmente falhas de omiss˜ao, pois n˜ao se sabia aplic´a-las na previs˜ao de sistemas mais complexos. Finalmente, havia o problema filos´ofico da falta de alicerces para suas hip´oteses. N˜ao havia, a priori, raz˜oes para se esperar que para explicar o Modelo de Bohr era necess´ario invocar a Lei de Coulomb, ao mesmo tempo em que era necess´ario afirmar que as Leis da Radia¸c˜ao n˜ao eram v´alidas. Da mesma forma, recorria-se `as Leis de Newton mesmo quando se desejava provar que somente determinados valores de momento angular eram permitidos. Apesar da Regra de Quantiza¸c˜ao de Wilson-Sommerfeld funcionar bem para sistemas peri´odicos, n˜ao se sabia o porquˆe, e n˜ao havia uma teoria para sistemas n˜ao peri´odicos. Tais dificuldades foram superadas gra¸cas aos esfor¸cos de Louis de Broglie, Schr¨odinger, Heisenberg, Pauli, Dirac e outros. Como veremos a seguir, apesar da formula¸c˜ao que sucedeu a Velha Teoria Quˆantica ser bastante abstrata, ela pode explicar os fenˆomenos que observamos sem a necessidade de postulados ou inferˆencias advindas de outras teorias.

Cap´ıtulo 5

Propriedades ondulat´orias

de part´ıculas

Mauricie de Broglie foi um f´ısico experimental francˆes que, desde o princ´ıpio, apoiou o ponto de vista de Compton em rela¸c˜ao `a natureza corpuscular da ra- dia¸c˜ao. Suas experiˆencias e discuss˜oes em rela¸c˜ao aos problemas filos´oficos da F´ısica, notadamente aquelas associadas `a F´ısica Quˆantica, impressionaram tanto seu irm˜ao Louis que ele resolveu trocar de carreira, deixando a Hist´oria e passando a estudar a F´ısica. Em sua tese de doutoramento Louis de Bro- glie1, que posteriormente ficou conhecido apenas por de Broglie, sugeriu que

assim como a luz possui propriedades de onda e de part´ıcula, talvez a mat´eria, em particular el´etrons, pudesse tamb´em apresentar essa caracter´ıstica. Essa sugest˜ao era altamente especulativa; n˜ao existia at´e ent˜ao evidˆencias dos as- pectos ondulat´orios para el´etrons, o que fez com que o trabalho de de Broglie n˜ao recebesse a devida aten¸c˜ao.

Supondo a existˆencia de uma onda associada a um el´etron de momento p e energia E, de Broglie escolheu para a frequˆencia e o comprimento de onda das ondas associadas a tais el´etrons as rela¸c˜oes

ν = Eh (5.1)

e

λ = hp (5.2)

onde h ´e a constante de Planck. Essas rela¸c˜oes foram propostas por analogia com equa¸c˜oes idˆenticas `aquelas v´alidas para f´otons. Ele salientou que, com essa hip´otese, a condi¸c˜ao de Bohr de quantiza¸c˜ao do momento angular equivale `a condi¸c˜ao de onda estacion´aria.

88 Miotto e Ferraz Propriedades ondulat´orias de part´ıculas Detalhes Matem´aticos: Rela¸c˜ao entre a quantiza¸c˜ao do momento angular e a condi¸c˜ao de onda estacion´aria

Figura 5.1: Representa¸c˜ao es- quem´atica de uma poss´ıvel onda estacion´aria (linha cheia) sobreposta `

a ´orbita de Bohr de um ´atomo de hidrogˆenio (linha tracejada).

Seja S = 2πr a circunferˆencia da ´

orbita circular de Bohr de raio r representada na figura 5.1. A quantiza¸c˜ao do momento angular pode ser expressa como mvr = n~. Lembrando que o momento linear pode ser expresso como p = mv e utilizando as rela¸c˜oes de de Broglie (Eq. 5.2), ent˜ao mvr = nh 2π → 2πr = nh mv = nh p , ou seja, nλ = 2πr = S

Segundo a argumenta¸c˜ao de de Broglie, a regra de quantiza¸c˜ao de Wilson- Sommerfeld poderia ser interpretada como um requisito para ondas estacion´ari- as. Considere, por exemplo, a condi¸c˜ao quˆantica de Wilson-Sommerfeld para uma part´ıcula em uma caixa unidimensional de dimens˜ao L ´e dada por p = nh2L. Usando p =hλ, a express˜ao pode ser reescrita como hλ = nh2L ou nλ2 = L, que ´e a condi¸c˜ao de onda estacion´aria em uma corda fixa em ambas as extremidades! Pouco tempo depois, E. Schr¨odinger2 expandiu as ideias de de Broglie,

englobando-as em uma teoria completa, como veremos adiante. Em 1927, Davisson e Germer3 verificaram as hip´oteses de de Broglie diretamente, ob-

servando padr˜oes de interferˆencia com feixes de el´etrons. Podemos entender porque as propriedades ondulat´orias da mat´eria n˜ao eram facilmente obser- vadas se nos lembrarmos que as propriedades ondulat´orias da luz n˜ao foram notadas at´e que puderam ser obtidas aberturas ou fendas com as mesmas di- mens˜oes do comprimento de onda da luz. Os efeitos de difra¸c˜ao e interferˆencia n˜ao s˜ao observados quando o comprimento de onda da luz ´e muito menor do que qualquer abertura. Nesse caso, vale a ´optica geom´etrica. Como a constante de Planck ´e muito pequena, as rela¸c˜oes de de Broglie implicam em comprimentos de onda muito pequenos para qualquer objeto macrosc´opico, mesmo que extremamente pequeno.

Para el´etrons de baixa energia, a situa¸c˜ao ´e diferente. Considere um el´etron que foi acelerado por um potencial Vo. Para el´etrons n˜ao relativ´ısticos, ou

seja, quando eVo << mc2, a energia pode ser escrita como E = eVo = p

2

2m.

Utilizando a rela¸c˜ao de de Broglie (equa¸c˜ao 5.2) determinamos o comprimento

2V. V. Raman and Paul Forman, Why Was It Schr¨odinger Who Developed de Broglie’s

Ideas?, Historical Studies in the Physical Sciences 1, 291 (1969).

5.1 Evidˆencias Experimentais Miotto e Ferraz 89 de onda, em Angstrons, como sendo

λ = h p = hc pc = hc c√2mE = hc √ 2mc2eV o = 12,26√ Vo . (5.3)

Assim, para um el´etron acelerado por uma tens˜ao de 10 V, o comprimento da onda associada ´e de 3,9 ˚A. Apesar do valor obtido para o comprimento de onda ser pequeno, sua ordem de grandeza ´e a mesma do valor obtido para o espa¸camento entre os planos de um cristal, ou seja, ´e poss´ıvel verificar o comportamento ondulat´orio em el´etrons!

5.1

Evidˆencias Experimentais

Figura 5.2: Representa¸c˜ao esquem´atica da condi¸c˜ao de interferˆencia constru- tiva de Bragg.

Foi Elsasser4 quem mostrou, em

1925, que a natureza ondulat´oria da mat´eria poderia ser testada da mesma forma que a natureza dos Raios X, ou seja, fazendo-se com que um feixe de el´etrons de ener- gia apropriada incida sobre um s´olido cristalino. Os ´atomos do cristal agem como um arranjo tridimensi- onal de centros de difra¸c˜ao para a onda eletrˆonica, espalhando forte- mente os el´etrons em certas dire¸c˜oes

caracter´ısticas de acordo com a Lei de Bragg, exatamente como na difra¸c˜ao de Raios X (ver Leitura Complementar: Novamente os Raios X). Essa ideia foi confirmada, em 1927, por experimentos feitos independentemente por Davisson e Germer5, nos Estados Unidos da Am´erica do Norte; e por G. P. Thomson6,

na Esc´ocia.

Davisson e Germer efetuaram as medidas de comprimento de onda dos el´etrons quando estavam estudando a reflex˜ao por um alvo de n´ıquel, conforme esquema na figura 5.3. A figura menor mostra os dados obtidos para um feixe de el´etrons de 54 eV, indicando um m´aximo pronunciado de espalhamento a um ˆangulo de 50 graus. Considere o espalhamento por um conjunto de planos de Bragg7, conforme esquematizado na figura 5.3(direita): a condi¸ao de Bragg

para que ocorra interferˆencia construtiva ´e 2dsenθ = nλ. O espa¸camento dos planos de Bragg pode ser determinado experimentalmente a partir da distˆancia interatˆomica. No caso do n´ıquel, sabe-se que a distˆancia interatˆomica ´e da

4Bemerkungen zur Quantenmechanik Freier Elektronen, Naturwiss. 13, 711 (1925). 5Reflection of electrons by a crystal of nickel, Nature 119, 558 (1927).

6Experiments on the Diffraction of Cathode Rays Proceedings of the Royal Society of

London. Series A 117, 600 (1928).

7Um plano de Bragg ´e um plano de ´atomos em um cristal que reflete radia¸ao de maneira

90 Miotto e Ferraz Propriedades ondulat´orias de part´ıculas ordem de 2,15 ˚A, o que, para n = 1, equivale a um comprimento de onda λ = 1,65 ˚A.

Figura 5.3: Vis˜ao esquem´atica do aparato ex- perimental desenvolvido por Davisson e Ger- mer: el´etrons produzidos por um filamento s˜ao espalhados por um cristal de n´ıquel em um ˆ

angulo φ e detectados em uma cˆamera de io- niza¸c˜ao (esquerda). Exemplo de um gr´afico po- lar caracter´ıstico da intensidade espalhada ver- sus ˆangulo de espalhamento observado para um alvo de n´ıquel (direita).

O valor determinado ex- perimentalmente (λ = 1,65 ˚A) est´a em bom acordo com o valor determinado atrav´es da rela¸c˜ao de de Broglie: λ = 1,67 ˚A. Os comprimentos de onda medidos por difra¸c˜ao s˜ao ligeiramente inferiores `as previs˜oes te´oricas, pois foi desprezada a refra¸c˜ao das on- das associadas a el´etrons na superf´ıcie do cristal. Vi- mos, no estudo do Efeito Fo- toel´etrico, que ´e necess´ario gastar uma quantidade de energia (da ordem de al- guns eV) para remover um el´etron de um metal. Da mesma forma, ao introduzir- mos el´etrons em um metal eles sofrem um acr´escimo em sua energia total. Mesmo se supormos que apenas parte

dessa energia extra seja na forma de energia cin´etica, esse aumento da energia implica na diminui¸c˜ao, ainda que pequena, do comprimento de onda de de Broglie dentro do cristal, o que explica a diferen¸ca entre o valor previsto pela rela¸c˜ao de de Broglie e o resultado experimental.

Figura 5.4: Padr˜ao de difra¸c˜ao circular obtido por Raios X (esquerda) e por um feixe de el´etrons (direita). Fonte: NIST.

Uma confirma¸c˜ao independente da rela¸c˜ao de de Broglie foi feita por G. P. Thomson, filho de J. J. Thom- son, na Esc´ocia, observando que o padr˜ao de difra¸c˜ao produzido por Raios X e por um feixe de el´etrons incidentes sobre um alvo de SnO2s˜ao

muito semelhantes. Thomson obser- vou que essa semelhan¸ca era veri- ficada para diversos materiais dife- rentes. Como exemplo, considere os padr˜oes da figura 5.4. Nele, o padr˜ao

circular `a esquerda foi obtido para um alvo de alum´ınio utilizando Raios X, enquanto o padr˜ao `a direita foi obtido para um alvo de ouro utilizando um feixe de el´etrons.

5.1 Evidˆencias Experimentais Miotto e Ferraz 91 Leitura complementar: Novamente os Raios X

Figura 5.5: Representa¸c˜ao es- quem´atica da difra¸c˜ao de um feixe de Raios X por uma amostra e seu espectro carac- ter´ıstico.

Inspirado pelas palestras de grandes cien- tistas como Voigt, Planck e Lummer, von Laue desenvolveu o que ele pr´oprio cha- mavaa de uma intui¸ao acerca dos proces-

sos associados `a ondas. Essa intui¸c˜ao foi fundamental para que, confrontado com grande desafio a ele oferecido por Sommer- feldb, constru´ısse uma representa¸c˜ao ma- tem´atica para a teoria cristalina, o que lhe valeu o Prˆemio Nobel de F´ısica de 1914. Por tr´as dessa representa¸c˜ao, posterior-

mente desenvolvida por Willian Henry Bragg e seu filho Willian Lawrence Bragg, ganhadores do Prˆemio Nobel de F´ısica de 1915, ´e que encontramos a base do que hoje chamamos cristalografia. J´a nos primeiros experimen- tos realizados por dois alunos de Laue, Walter Friedrich e Paul Knip- ping, tornava-se claro que a difra¸c˜ao de Raios X, utilizando uma estrutura cristalina como rede de difra¸c˜ao tridimensional, propiciaria in´umeras con- tribui¸c˜oes `a cristalografia. Supondo que um cristal qualquer possa ser representado por um arranjo peri´odico de ´atomos, como representado na figura 5.2, a diferen¸ca entre os caminhos ´opticos de dois raios da onda incidente pode ser facilmente determinada em fun¸c˜ao do ˆangulo de es- palhamento θ. A condi¸c˜ao de Bragg para a interferˆencia construtiva ´e nλ = 2dsenθ, onde n ´e um n´umero inteiro e d o espa¸camento entre dois planos de Bragg consecutivos que pode ser determinado atrav´es de m´etodos espectrosc´opicos.

aEssa terminologia foi utilizada por von Laue em sua palestra de agradecimento

quando do recebimento do Prˆemio Nobel de 1914.

bSommerfeld solicitou a von Laue que preparasse o artigo Wellenoptik no qual deveria

apresentar os desenvolvimentos da ´optica ondulat´oria a ser inclu´ıdo na Encyclopedia of Mathematical Sciences.

Agora ´e a sua vez! ´

E poss´ıvel ilustrar os conceitos desenvolvidos por von Laue e os Bragg, no in´ıcio do s´eculo XX, valendo-se de um experimento ´optico: utilizando um cd como rede de difra¸c˜ao bidimensional, observe o padr˜ao de difra¸c˜ao da luz proveniente de um laser em um anteparo distante. Vocˆe acha que ele se parece com os padr˜oes observados na figura 5.4?

92 Miotto e Ferraz Propriedades ondulat´orias de part´ıculas Leitura Complementar: Velocidade de fase e velocidade de grupo

Para um pacote de ondas gen´erico, a velocidade do envelope, ou velocidade de grupo, ´e dada por vg= dwdk, onde a derivada ´e calculada no n´umero de

onda central. Todavia, nosso pacote ´e composto por mais de uma onda e cada onda pode ter uma velocidade de propaga¸c˜ao diferente. Chamamos de velocidade de fase a velocidade de propaga¸c˜ao de cada onda individual. No caso de uma onda harmˆonica temos:

v = νλ =w 2π  2π k  =w k,

o que nos leva a conhecida rela¸c˜ao w = vk. Diferenciando essa rela¸c˜ao, temos dw dk = d dk(vk) = v + k dv dk, ou seja vg= v + k dv dk.

Se a velocidade de fase ´e a mesma para todas as frequˆencias e compri- mentos de onda, a diferencial se anula e a velocidade de fase ´e igual `a velocidade de grupo. Um meio onde isso acontece ´e denominado n˜ao dis- persivo. Como exemplos temos a propaga¸c˜ao de ondas sonoras no ar e de ondas eletromagn´eticos no v´acuo. Neste meio o pacote mant´em sua forma enquanto se desloca. Em um meio dispersivo a forma do pacote muda com o tempo, tal qual ocorre com a luz em um meio, como o vidro. Nesse caso, o ´ındice de refra¸c˜ao depende da frequˆencia da onda que se propaga.

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