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Dualidade onda-part´ıcula

No documento Ronei_fisica_quantica (páginas 109-112)

Vamos admitir que a componente x do momento do f´oton incidente seja perfeitamente conhecida. O f´oton espalhado pode ter qualquer componente x do momento entre 0 e px= psen(α), onde p ´e o momento total do f´oton espa-

lhado. Pela conserva¸c˜ao do momento, a incerteza no momento do el´etron ap´os o espalhamento deve ser pelo menos igual `a incerteza do f´oton espalhado17. Assim, escrevemos

∆px≥ psen(α) =

h λsen(α). O produto ∆x∆p pode ent˜ao ser calculado e vale

∆x∆p = λ 2sen(α) h λsen(α) = 1 2h.

Observe que mesmo no caso ideal considerado, o valor obtido para o produto ´e numericamente maior do que ~

2 e esse ´e o ponto essencial do Princ´ıpio de

Incerteza! Se fossem utilizados el´etrons para localizar o objeto, e n˜ao f´otons, a an´alise n˜ao mudaria, pois as rela¸c˜oes de de Broglie valem para ambos.

O exemplo acima ajuda a esclarecer as dificuldades de medida imposta pela dualidade onda-part´ıcula da luz e da mat´eria, mas esse pode ser um esclarecimento ilus´orio. Neste exemplo, admitimos que o el´etron tem uma posi¸c˜ao e momento bem definidos e que somente no processo de medida da posi¸c˜ao ´e introduzida a incerteza no momento. Devido `a natureza ondulat´oria do el´etron, ele deve ser representado por um pacote. Isso implica que j´a existe uma incerteza na posi¸c˜ao e no momento que correspondem aos alargamentos em x do pacote e em k dos n´umeros de onda. O pacote de ondas do el´etron ´e perturbado durante o processo de medida pelo espalhamento de f´otons, por exemplo. Se s˜ao usados f´otons de comprimento de onda muito pequeno, a posi¸c˜ao pode ser determinada com grande precis˜ao. Isso significa que o novo pacote de onda que descreve o el´etron ´e estreito em x, mas naturalmente a distribui¸c˜ao de k ´e correspondentemente mais larga. Assim, a incerteza no momento agora ´e grande.

5.6

Dualidade onda-part´ıcula

Vimos que el´etrons, usualmente imaginados como part´ıculas, exibem as propriedades ondulat´orias de refra¸c˜ao e interferˆencia. Nas sec¸c˜oes anteriores vimos que a luz, que em geral ´e imaginada como um movimento ondulat´orio, tamb´em apresenta propriedades de part´ıculas na sua intera¸c˜ao com a mat´eria, como ´e o caso do Efeito Fotoel´etrico e do Efeito Compton. Todos os fenˆomenos (el´etrons, ´atomos, luz, som, etc.) tˆem caracter´ısticas tanto de onda como de part´ıcula. Muitas vezes diz-se que um el´etron n˜ao ´e s´o uma part´ıcula, mas

17De fato, a incerteza no momento do el´etron ap´os o espalhamento s´o seria igual `a incerteza

100 Miotto e Ferraz Propriedades ondulat´orias de part´ıculas tamb´em uma onda. Isso pode trazer confus˜ao, pois na F´ısica Cl´assica os con- ceitos de ondas e part´ıculas s˜ao mutuamente exclusivos. Uma part´ıcula cl´assica comporta-se como uma bolinha r´ıgida: pode ser localizada, espalhada, pode trocar energia repentinamente nas colis˜oes, obedece `as leis de conserva¸c˜ao, mas n˜ao exibe interferˆencia e difra¸c˜ao. Uma onda cl´assica comporta-se como uma onda na ´agua, exibe padr˜oes de difra¸c˜ao e interferˆencia e sua energia espalha-se continuamente no espa¸co e no tempo. Do ponto de vista cl´assico, as proprieda- des de onda e de part´ıculas n˜ao podem coexistir. At´e o s´eculo XX, pensava-se que a luz era uma onda cl´assica e o el´etron uma part´ıcula cl´assica. Vemos agora que os conceitos de ondas cl´assicas e part´ıculas cl´assicas n˜ao descrevem convenientemente ambos os fenˆomenos. Cada um comporta-se como uma onda cl´assica, quando ´e considerada a propaga¸c˜ao; e como uma part´ıcula cl´assica, quando ´e considerada a troca de energia. Qualquer fenˆomeno pode ser descrito por uma fun¸c˜ao de onda que ´e a solu¸c˜ao de uma equa¸c˜ao de onda. A fun¸c˜ao de onda para a luz ´e o campo el´etrico, enquanto que para o el´etron ´e ψ(x,t). A probabilidade de um el´etron estar em uma dada regi˜ao ´e dada pelo quadrado da fun¸c˜ao de onda (que exibe as mesmas propriedades de uma fun¸c˜ao de onda cl´assica). Para determinar onde ´e mais prov´avel que um el´etron esteja, deve-se encontrar a fun¸c˜ao de onda por m´etodos semelhantes aos da Te´orica Cl´assica Ondulat´oria. Quando o el´etron (ou a luz) interage e troca energia e momento, a fun¸c˜ao de onda ´e modificada pela intera¸c˜ao que pode ser descrita pela Teoria Cl´assica de Part´ıculas, como no Efeito Compton.

Existem situa¸c˜oes nas quais tanto a Teoria Cl´assica de Part´ıculas quanto a Teoria Cl´assica Ondulat´oria fornecem os mesmos resultados. Se o compri- mento de onda ´e muito menor do que o objeto ou fenda com o qual ocorre a intera¸c˜ao, a Teoria Cl´assica de Part´ıculas pode ser usada para descrever a propaga¸c˜ao de uma onda, j´a que os efeitos de difra¸c˜ao e interferˆencia s˜ao muito pequenos para serem observados. Exemplos comuns s˜ao a ´optica geom´etrica18

e o movimento de bolas de bilhar. A Teoria Cl´assica de Ondas funciona muito bem caso o interesse seja apenas por m´edias temporais de trocas de energia e momento. Como exemplo, lembre-se que a Teoria Ondulat´oria Cl´assica prevˆe corretamente que a corrente total no Efeito Fotoel´etrico ´e proporcional `a in- tensidade da luz.

A dualidade onda-part´ıcula pode passar a falsa impress˜ao de que qualquer fenˆomeno pode ser observado quer usando a Teoria Ondulat´oria, quer usando a Teoria de Part´ıculas. O exemplo a seguir tem o objetivo de demonstrar que simplifica¸c˜oes podem muitas vezes levar a conclus˜oes equivocadas. Considere um experimento de fenda dupla, como o esquematizado na figura 5.6. Como sabemos, o padr˜ao de interferˆencia ´e tal que os m´aximos e m´ınimos s˜ao go- vernados pela express˜ao proposta por Bragg: dsen(θ) = nλ. O padr˜ao de interferˆencia n˜ao depende da intensidade da luz, mesmo se somente um f´oton de cada vez alcance o filme. Se considerarmos a luz como um feixe de f´otons, temos a seguinte dificuldade: se um f´oton passa pela fenda 1, como ele sabe

4.7 Algumas consequˆencias ... Miotto e Ferraz 101 se a fenda 2 est´a aberta ou fechada? Se 2 est´a aberta, o f´oton nunca se dirige ao m´ınimo de interferˆencia. Todavia, se a fenda 2 estiver fechada, o padr˜ao de interferˆencia ´e quebrado e alguns f´otons se dirigem a um ponto de m´ınimo. A an´alise deste problema em termos da Teoria Cl´assica Ondulat´oria n˜ao traz qualquer dificuldade, pois a onda passa atrav´es de ambas as fendas se elas est˜ao abertas. Assim, a onda certamente sabe se a fenda 2 est´a aberta ou fechada. Todavia, a Teoria Cl´assica de Part´ıculas introduz algumas peculiaridades ao problema.

Como a luz n˜ao pode se comportar simultaneamente como part´ıcula e on- das cl´assicas, se tentarmos observar o aspecto de part´ıcula da luz quando ela passa pela fenda, o padr˜ao de difra¸c˜ao ser´a obrigatoriamente destru´ıdo. Con- sidere a modifica¸c˜ao apresentada na figura 5.9 no experimento de fenda dupla: detectores s˜ao colocados a fim de se determinar por qual fenda o el´etron pas- sou. Para fazer isto, devemos conhecer a posi¸c˜ao vertical y do el´etron dentro de uma distˆancia19de d/2, onde d ´e a separa¸ao entre as fendas. Pelo Princ´ıpio

de Incerteza, a incerteza no momento vertical de recuo do el´etron deve20 ser

maior do que~

d. Se o el´etron estava dirigindo-se para o m´aximo de interferˆencia

em θ = 0 com momento p = hλ, ser´a defletido de um ˆangulo cuja incerteza ´e expressa21 por ∆θ = ∆py

p ≥ ~dh λ

. Como esse valor ´e da ordem de grandeza do valor para o m´ınimo de interferˆencia, conclu´ımos que no processo de medida para verificar por qual fenda o f´oton passa, ele ´e espalhado pelo menos de um ˆ

angulo que faz com que o padr˜ao de interferˆencia seja destru´ıdo.

Este exemplo demonstra claramente que a medida simultˆanea dos aspec- tos de onda e de part´ıcula de luz ´e imposs´ıvel. Quando colocamos detectores junto `as fendas para medir as propriedades de part´ıcula da luz, as proprieda- des ondulat´orias de interferˆencia n˜ao podem ser observadas. Da mesma forma, na ausˆencia dos detectores a figura de interferˆencia se forma, mas n˜ao pode- mos determinar por qual das duas fendas um dado f´oton passou, ou seja, as propriedades de part´ıcula da luz n˜ao podem ser observadas. Esse resultado ´e conhecido como Princ´ıpio de Complementariedade de Bohr22: os aspectos de

onda e de part´ıcula complementam um ao outro. Ambos s˜ao necess´arios, mas n˜ao podem ser observados ao mesmo tempo. A observa¸c˜ao de um ou de outro aspecto depende do arranjo experimental.

19Se n˜ao soubermos a posi¸ao vertical do el´etron com uma precis˜ao d/2, n˜ao podemos ter

certeza de que o el´etron realmente passou por uma dada fenda.

20Se ∆y <d

2, ent˜ao como ∆y∆p ≥~2 → ∆p ≥~2.

21Para achar a express˜ao da incerteza em um ˆangulo, suponha um triˆangulo retˆangulo.

Como para ˆangulos pequenos o seno do ˆangulo ´e aproximadamente o valor do ˆangulo, obtˆem- se a express˜ao desejada.

22Foundations of Quantum Physics II (1933 - 1958) Edited by: Jørgen Kalckar, Vo-

lume 6, (Elsevier, 1985), PART II: Complementarity: Bedrock of the Quantal Description, Introduction by Jørgen Kalckar, p. 248-287.

102 Miotto e Ferraz Propriedades ondulat´orias de part´ıculas

Figura 5.9: Representa¸c˜ao esquem´atica do Experimento de Dupla Fenda mo- dificado. Detectores s˜ao colocados pr´oximos `as fendas a fim de se determinar por qual delas o el´etron passar´a. P1 e P2 representam o padr˜ao observado no

anteparo caso estivessem respectivamente abertas as fendas 1 e 2. P12 repre-

senta o padr˜ao observado quando s˜ao colocados os detectores. Observe que o padr˜ao de interferˆencia foi destru´ıdo.

No documento Ronei_fisica_quantica (páginas 109-112)