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1. ANÁLISE SETORIAL

1.1. A EVOLUÇÃO DA INDÚSTRIA GLOBAL DE TELECOMUNICAÇÕES

1.1.1. A ANTIGA INDÚSTRIA DE TELECOMUNICAÇÕES

Fransman (2003) descreveu que a Antiga Indústria de Telecomunicações como sendo estruturada em três camadas, conforme ilustrada no Quadro 1. A Camada 1, que é a dos Fornecedores de Equipamentos, concentra a produção dos equipamentos usados pelas operadoras das redes de comunicação e pelos consumidores finais: aparelhos de transmissão, comutadores, aparelhos receptores, etc. A Camada 2, que é a das Redes, é formada pelas redes de circuitos físicos, que têm a finalidade de possibilitar a comunicação entre quem quer enviar mensagens e quem quer recebê-las. A Camada 3, que é a dos Serviços, é formada pelos supridores dos serviços de comunicação aos usuários: comunicação de voz, essencialmente.

Durante o período da Antiga Indústria de Telecomunicações, acreditava-se que os retornos seriam proporcionais à escala de produção e os serviços somente poderiam ser providos nas Camadas 2 e 3 através de monopólios; em todo o mundo, à exceção da Finlândia, essa era a estrutura de mercado predominante (FRANSMAN, 2003).

Quadro 1. As Camadas da Antiga Indústria de Telecomunicações CAMADA 3: SERVIÇOS

Provedores de comunicação de voz e de fax.

CAMADA 2: REDES

Cabos de cobre, redes locais, redes de microondas, etc.

CAMADA 1: FORNECEDORES DE EQUIPAMENTOS

Comutadores, equipamentos de transmissão, equipamentos de recepção, etc. Fonte: Adaptado de Fransman (2003)

Na Camada 1, entretanto, existiam diferentes formas de competição, que variavam de um país para outro. Por exemplo, nos EUA uma estrutura verticalizada, introduzida nos primórdios da Indústria de Telecomunicações no final do século XIX, predominava até 1995. A empresa americana AT&T apresentava alto grau de integração vertical, que foi herdada de

um acordo governamental datado de 1882: a empresa fabricava equipamentos de transmissão e de recepção, operava as redes de comunicação e distribuía os serviços aos usuários.

Fransman (2003) relata que, no outro extremo, estavam os pequenos países industrializados e os países em desenvolvimento, em que as redes de comunicação, operadas por monopólios públicos ou privados, supriam suas necessidades de equipamentos comprando-os de fornecedores de equipamentos que competiam no mercado internacional. Mesmo que estivessem vinculados a contratos de fornecimento de longo prazo com as operadoras de redes monopolistas em seus países de origem, os fabricantes de equipamentos competiam vigorosamente no resto do mundo, onde os mercados de equipamentos de telecomunicações não apresentavam contratos de fornecimentos privilegiados com as operadoras locais.

Nos demais grandes países industrializados, como o Japão, a Inglaterra, a França e a Alemanha, um padrão de cooperação muito próxima, baseado em acordos de longo prazo emergiu como uma forma de organização econômica dominante entre o operador monopolista da Camada 2 e os fornecedores de tecnologia especializados da Camada 1, como descreve Fransman (1995). No Japão, o Ministério das Comunicações assumiu ainda no século XIX a responsabilidade pelo desenvolvimento das telecomunicações. Um grupo de quatro empresas foi escolhido para suprir o Ministério das Comunicações: a NEC, que possuía controle da Western Electric, a Fugitsu, que tinha vínculo societário com a Siemens, a Hitachi, que tinha a integralidade de capital japonês e a Oki, também 100% japonesa. Este grupo continuou a suprir a operadora monopolista nacional, a NTT até o fim do século XX. Na Inglaterra, as telecomunicações foram introduzidas sob controle dos Correios e, em meados do século XX, formou-se uma empresa independente, sob a denominação de British Telecom - BT. Esta operadora desenvolveu contratos de fornecimento com um grupo de empresas inglesas formadas pela GEC, pela Plessey e pela STC. Esta parceria, entretanto, não perdurou tanto quanto a parceria existente no Japão e, em 1984, após sua privatização, desapareceram os contratos de fornecimento privilegiado à BT. Na França e na Alemanha, os operadores France Telecom - FT e Deutch Telecom - DT, respectivamente, apresentavam uma cooperação muito próxima com os fornecedores locais de equipamentos. Na França, a FT desenvolveu acordo com a ALCATEL, empresa resultante de uma associação entre subsidiária da americana ITT e fabricantes franceses de componentes eletrônicos; na Alemanha, o fornecimento à DT era feito pela Siemens, que logo se tornou o maior fornecedor, além da subsidiária da americana ITT, denominada SEL. Em suma, apesar de a intensidade de competição entre os fornecedores nacionais diferirem nos mercados regionais, existia uma forma de organização

econômica dominante em todos os países industrializados, que Fransman (2003) denominou de “integração quase-vertical”.

É importante entender o sistema de inovação existente na Antiga Indústria de Telecomunicações. O “motor da inovação”, na conceituação de Schumpeter (1954), estava localizado nos laboratórios de pesquisa das grandes empresas operadoras monopolistas, tais como os Bell Laboratories, da AT&T, nos EUA, os CNET Laboratories, na França e os NTT Laboratories, no Japão. O sistema de inovação apresentava dois estágios: no primeiro estágio, pesquisas, desenvolvimentos e testes eram feitos nos laboratórios de pesquisa e no segundo estágio, o desenvolvimento e a produção em escala industrial eram transferidos aos fabricantes de equipamentos, tais como Western Electric, NEC, Fugitsu, Hitashi, entre outros. Este sistema funcionou relativamente bem em todos os países, a despeito da posição monopolista dos operadores nacionais e do número restrito de fabricantes de equipamentos, com contratos de fornecimentos privilegiados às operadoras, com afirmou Fransman (2003). Evidência do bom funcionamento do sistema de inovações é o fato de as tarifas de ligações locais, nos EUA terem seu preço, em valor real, inalterado durante quase 100 anos.

O bom funcionamento do sistema, que gerou inovações radicais e incrementais, apesar de ser dominado pelas redes monopolistas e pelos fabricantes oligopolistas, deve-se a alguns fatores externos ao mercado, segundo a visão de Fransman (2003). O primeiro fator é a competição cooperativa que existia entre os países, que buscavam introduzir nova geração de tecnologia e de serviços. O outro fator é representado pelos incentivos e pelas pressões para melhorar e desenvolver os serviços de telecomunicações provenientes dos usuários residenciais e empresariais em todos os países industrializados. Apesar de do desempenho positivo do sistema de inovações, acrescenta o mesmo autor, algumas restrições existiam no seu funcionamento. A maior delas deve-se ao fato de que a Indústria restringia-se a um operador de rede monopolista e um restrito grupo formado por fornecedores de equipamentos escolhidos pelo operador. O conhecimento ficava restrito a esse grupo, tornando-se extremamente fragmentado e compartimentalizado, em termos globais. Por exemplo, os sistemas de comutação desenvolvidos para o mercado japonês não podiam ser imediatamente aplicados nos mercados europeu e americano, sem que demorados e custosos processos de adaptação fossem desenvolvidos. Este fato representava a existência de elevadas barreiras de entrada, quase intransponíveis a novos entrantes.

Na Antiga Indústria de Telecomunicações, as operadoras de redes, por serem monopolistas, assumiam simultaneamente o papel de usuário e de inovador de tecnologias e de equipamentos. Por isso, segundo Fransman (2003), o processo de aprendizado baseava-se

nas pesquisas de produtos realizadas pelos operadores de rede (Camada 2), que eram desenvolvidos industrialmente pelos fornecedores de equipamentos (Camada 1). Como os fornecedores de equipamentos tinham suas ações limitadas pelo comprador único de seus produtos, que eram os operadores de redes, para que eles conseguissem crescer, foram obrigados a competir em mercados externos, em particular em países em desenvolvimento, nos quais não existiam fabricantes de equipamentos estabelecidos. Nestes mercados, eles encontraram incentivos locais e puderam desenvolver seus processos de aprendizado de forma diferentes dos processos em seus países de origem.