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2. INOVAÇÃO

2.1. SCHUMPETER E AS MUDANÇAS ECONÔMICAS

2.1.1. A VISÃO SCHUMPETERIANA DA INOVAÇÃO

Schumpeter (1949) apud Rosemberg (2000) discute a vinculação entre inovação e crescimento econômico como determinante dos critérios de eficiência, em particular os de eficiência alocativa, que se constituiu de uma das teses fundamentais da vertente neo- schumpeteriana, conforme Dosi et al (1990) apud Peteraf (1993). Estes autores, a partir de uma concepção ampla de tecnologia, envolvendo aspectos materiais e não materiais adotam os conceitos de paradigma e de trajetória tecnológica, evidenciando os aspectos de ruptura

(causados por inovações radicais e associados ao surgimento de novos paradigmas) e de continuidade do progresso tecnológico. Por “tecnologia”, entendem os autores Dosi et al. (1984) apud Keklik (2003, p.13) como sendo um conjunto de fragmentos do conhecimento, não só de ordem prática (relacionados a problemas concretos) e teóricos (mas aplicáveis na prática), mas também a métodos, procedimentos, experiências de sucessos e fracassos, dispositivos práticos e equipamentos. Dosi (1982) apud Keklik (2003) define o conceito de “paradigma tecnológico” como sendo um padrão de solução de problemas tecnico- econômicos selecionados, a partir de princípios derivados das ciências naturais. O autor afirma que os paradigmas tecnológicos definem oportunidades tecnológicas para inovações e definem alguns procedimentos básicos relativos a como explorá-las. O conceito de “trajetória tecnológica”, segundo Dosi (1984) et al.diz respeito ao padrão de atividades voltadas para a solução de problemas, dentro de um paradigma tecnológico.

Partindo-se da premissa de que a inovação, segundo Schumpeter (1949) apud Rosemberg (2000), representa a causa fundamental da expansão das fronteiras da valorização e da acumulação do capital, bem como da geração de renda e de riqueza em uma economia capitalista é também a causa básica da geração de assimetrias entre empresas, que levam às vantagens competitivas típicas do processo de concorrência, duas condições podem ser identificadas para que as inovações possam ser introduzidas:

• A existência, no interior de um dado paradigma, de possíveis caminhos para o desenvolvimento tecnológico. A base técnica em que se apóia o paradigma deve oferecer oportunidades de melhoramentos ou de ampliação das possibilidades de aplicações, definidos por Schumpeter como sendo seu grau de “oportunidade tecnológica”, uma das propriedades básicas de determinado paradigma. Ou seja, a existência de elevado grau de oportunidade tecnológica é condição necessária para a introdução de inovações em um setor industrial.

• A existência de uma expectativa de ganho econômico, condição derivada da própria natureza das firmas em um contexto de economia capitalista. De outra perspectiva, pode-se dizer que a ausência de inovações leva a perdas econômicas. A expectativa de retorno econômico depende da demanda real e potencial para os novos produtos (frutos da inovação) e da possibilidade de converter o esforço inovador em assimetrias sustentáveis durante um período de tempo razoável (apropriabilidade privada dos retornos associados à inovação). Em outras palavras, pode-se dizer que o grau de apropriabilidade privada das inovações depende de

cada paradigma tecnológico e é inversamente proporcional à possibilidade e à facilidade de imitação da inovação pelos concorrentes.

Pode-se afirmar, então, que as pré-condições básicas para a inovação se apóiam no progresso tecnológico, cujo dinamismo está associado aos paradigmas específicos de cada setor e da configuração da concorrência e dos fatores de competitividade, que, como Nelson (1993) afirmou, definem as dimensões fundamentais do ambiente competitivo. Pavitt (1984) identificou duas dimensões básicas para o entendimento das características do progresso técnico dentro do paradigma neo-schumpeteriano: as características estruturais dos setores, que dizem respeito à geração e à difusão de tecnologia e as características da dinâmica industrial, que dizem respeito às formas dominantes de concorrência, estrutura de mercado e padrões de diversificação das empresas.

Possas (1989) identifica quatro padrões de geração e de difusão de tecnologia:

dominado por fornecedores (supplier dominated), em que se enquadram setores como agricultura, construção civil, em que todo o desenvolvimento tecnológico depende do desenvolvimento que os fornecedores apresentam;

intensivos em escala (scale intensive), em que se encontram os setores siderúrgicos, cimento, vidros, etc, no quais as operações só se tornam economicamente viáveis se for possível o uso de grandes escalas, a partir de grandes volumes investidos, obtendo-se economias de escala significativas;

fornecedores especializados (specialized suppliers), em que estão os setores de equipamentos e de instrumentos, que dependem de fornecedores que apresentem habilidades específicas e exclusivas para o desenvolvimentos das atividades e, • baseados em tecnologia (science based), em que se encontram a eletrônica, a

informática, as telecomunicações e a químicas, que depende do desenvolvimento científico e tecnológico que o próprio setor gera.

As formas dominantes de concorrência intra-setorial podem ser entendidas do ponto de vista tradicional decorrente dos conceitos de barreiras à entrada ou do ponto de vista da competição schumpeteriana, que se opera a partir da criação e destruição, podendo-se associar a distintos potenciais inovadores de acumulação e crescimento. Por isso, Dosi et al. (1982) recomendam o estudo de uma característica adicional e fundamental do progresso tecnológico: a cumulatividade. Aqueles autores sugerem que o progresso tecnológico não tenha uma direção aleatória, mas ela está direcionada por padrões previamente selecionados, que dependem de três fatores inter-relacionados: a natureza tácita e privada do conhecimento, o

caráter indissociável da geração e da difusão da tecnologia e comprometimento de ativos específicos impostos aos agentes inovadores.

O estudo da natureza do conhecimento começa pela discussão da sua natureza, que, para Dosi et a.l (1982), trata-se de um bem privado, ao contrário da informação, que é considerada um bem público, a partir do momento em que ela é divulgada através documentos, publicações, etc. Em se tratando de um bem privado, ele pode se interpretado como sendo um ativo deflagrador de assimetrias tecnológicas e econômicas, que se transforma, eventualmente, em vantagens competitivas. Destacam, ainda, aqueles autores que os agentes receptores do conhecimento devem possuir uma capacidade cognitiva capaz de captá-la e decodificá-la; o acúmulo prévio de conhecimentos é um requisito para a absorção. Possas (1989) acrescenta que a apreensão do conhecimento é, na verdade, uma reestruturação da matriz cognitiva que cada indivíduo ou organização possui previamente, a partir da absorção de novos conhecimentos. Dosi et al. (1994) ressalvam que a informação não é economicamente útil; ela pode se tornar útil quando houver a inovação, que é capaz de conjugar conhecimentos novos e velhos de forma sistêmica não trivial, com acúmulo de experiências e conseqüências do processo de aprendizado. Os avanços tecnológicos resultam, portanto, de informações publicamente disponíveis, que são compartilhadas, melhoradas e transformadas em conhecimento, como parte de processos orientados para a inovação. Esses processos ocorrem no interior das organizações inovadoras ou do relacionamento com clientes ou com fornecedores.

A indissociabilidade entre a geração e a difusão de tecnologia origina-se nas características básicas dos processos de aprendizado tecnológico. Por um lado, o aprendizado é resultado de atividades formalizadas de pesquisa e desenvolvimento, mas por outro lado, o aprendizado depende em grande parte dos mecanismos informais presentes a partir do momento em que o resultado da evolução é colocado no mercado. Isto significa, segundo Rosemberg (2002), que uma inovação nunca é introduzida comercialmente na sua “forma acabada” (adequada ao conjunto de todos os seus usos potenciais e apresentado ao mercado de acordo com o padrão máximo de qualidade); a inovação é objeto de aperfeiçoamentos que somente podem ser feitos ao longo do processo de adoção e difusão. Pavitt (1984) menciona a existência de cinco mecanismos básicos de aprendizado: aprendizado através do estudo (learning by studying), aprendizado através da produção (learning by doing), aprendizado pelo uso (learning by using), aprendizado através de erros (learning by failure) e aprendizado através dos concorrentes (learning from competitors). Destes mecanismos, apenas o primeiro supõe que sua aplicação possa ser feita antes da difusão da inovação. Todos os cinco

mecanismos apresentam duas características comuns: são mecanismos privados, ou seja, são característicos de cada empresa, são tácitos e parcialmente codificáveis; o acúmulo de conhecimento condiciona os avanços tecnológicos subseqüentes e a direção a ser empreendida, ou seja, a atividade inovadora é cumulativa e se sujeita a retornos decorrentes de economias de escala.

Dosi (1984), Nelson & Romer (1996), Possas (1989) e Baptista (2000) discutem a cumulatividade inerente ao progresso técnico a partir da concepção da economia capitalista, como sendo uma economia de ativos. O conhecimento, entendido como sendo a essência contida na informação, e a tecnologia, decorrente do uso do conhecimento, são identificados como um ativo intangível que a firma possui, assim como os ativos físicos aplicados no processo produtivo são ativos específicos, pois devem ser usados com uma finalidade específica. Esta especificidade causa uma boa flexibilidade, uma vez que sua transferência para usos alternativos leva à perda de valor. Mas a tecnologia e o conhecimento usados como forma de tornar possível a produção e comercialização de produtos e de processos são ativos intangíveis, não reprodutíveis, efêmeros e intransferíveis. Embora façam parte integrante dos produtos ou dos processos, a tecnologia não é reprodutível porque resultam do acúmulo de conhecimentos tácitos e não codificáveis. Essa característica permite ao seu possuidor a detenção de vantagem competitiva, que, entretanto é efêmera, pois sua capacidade gerar rendimentos econômicos depende de aperfeiçoamentos contínuos. A tecnologia e o conhecimento são ativos intransferíveis, pois sua venda não significa que o vendedor tenha se desfeito do controle de todo o conhecimento que ele acumulou e, portanto, o comprador não recebe a capacidade de extrair rendimentos desses ativos.

A tecnologia, na visão de Possas (1989) e de Baptista (2000), por ser um ativo intangível, apresenta baixa liquidez (na visão keynesiana), mas sua posse se justifica pelos altos rendimentos que proporciona. Por ser de difícil reprodução, a tecnologia é responsável pela assimetria entre os agentes, pela geração de diferenciais competitivos e pela geração de rendas extraordinárias na visão de Schumpeter (1946) ou das quase-rendas da visão de Marshall (1948), apud Dosi (2000). A baixa reprodutividade da tecnologia, associada ao rendimento que proporciona confere ao seu possuidor o privilégio na estrutura concorrencial do mercado, a despeito do elevado custo de manutenção derivado da necessidade sustentação continuada do aprendizado.

As principais implicações da cumulatividade da evolução tecnológica, de acordo com Baptista (2000) podem ser resumidas nos seguintes pontos:

• as empresas já comprometidas com uma tecnologia têm melhores condições de aperfeiçoá-la e aproveitar economicamente seu potencial do que os novos entrantes, conferindo-lhes a vantagem da precedência mercadológica;

• A precedência na exploração de uma dada tecnologia pode representar uma grande barreira à entrada que se transforma em vantagem competitiva. A vantagem é tanto mais duradoura quanto maior a velocidade do progresso tecnológico (associado ao grau de oportunidade tecnológica do paradigma tecnológico envolvido) e quanto maior a dificuldade de imitação da tecnologia (decorrente do conhecimento tácito e não codificável envolvido).

A transferibilidade da tecnologia é altamente limitada por ser impossível codificá- la integralmente e porque seus proprietários desejam retê-la pelas vantagens competitivas que Lea tem implícita.

• A propriedade do conhecimento e da tecnologia representa uma reafirma da existência de path dependencies (os caminhos futuros estão vinculados aos caminhos passados) na evolução econômica e no crescimento setorial; a tecnologia é um bem privado; a reafirmação da ausência de mobilidade do capital, pois os ativos são específicos e sempre existem custos de saída significativos; uma reafirmação dos retornos proporcionais ao crescimento das escalas de produção.