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Artigo escrito para o VII Congresso Internacional em Estudos Culturais: Performatividades de Género na Democracia

MANIPULAÇÃO E VIOLÊNCIA EM ESPANHA Daniel Berjano Rodriguez

1 Artigo escrito para o VII Congresso Internacional em Estudos Culturais: Performatividades de Género na Democracia

Ameaçada.

2 Doutorandx em “Estudos das Mulheres. Discursos e Práticas de Género”, Universidad de Granada (Andaluzia). 3 O vampiro também se destaca como uma metáfora usual, abordando as elites capitalistas na teoria crítica desde os

escritos de Karl Marx no século XIX (Mark Neocleus, 2003). Por exemplo, Rita Segato (2003) estuda a ordem de violação entrevistando vários prisioneiros acusados de violar mulheres no Brasil na década de 1990. Ela argumenta como uma configuração intersubjetiva da identidade masculina patriarcal está no cerne da violência sexual contra as mulheres, definindo a violação como “este abuso estructuralmente previsto, esta usurpación del ser, acto vampírico perpetrado para ser hombre, rehacerse hombre en detrimento del otro, a expensas de la mujer, en un horizonte de pares [esse abuso estruturalmente previsto, essa usurpação do ser, ato vampírico perpetrado para ser homem, refa­ zer­se homem em detrimento do outro, à custa da mulher, em um horizonte de pares].” (pp. 22­23).

4 O reino espanhol foi estabelecido no século XV. Os reinos católicos passaram séculos obcecados com a invasão de toda a Península Ibérica, até que o emirado de Granada foi conquistado em 1492, o que levou à subjugação de comunidades não cristãs. Milhões de pessoas muçulmanas e judaicas foram forçadas à conversão ou ao exílio, senão massacradas. Como frisa Aníbal Quijano, “Esta fue la primera experiencia de limpieza étnica en el período moderno, seguida por la imposición de esa peculiar institución llamada ‘certificado de limpieza de sangre’ [Esta foi a primeira experiência de limpeza étnica no período moderno, seguida pela imposição daquela instituição pe­ culiar chamada ‘certificado de limpeza de sangue’].” (2000, p. 227).

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negrxs5 de África, a Santa Inquisição, a autoridade patriarcal da população, a repressão vio­

lenta dos movimentos sociais contra a autoridade do Reino e diversos projetos de colonização racistas, exploradores e genocidas de múltiplas áreas do planeta. Segundo Aníbal Quijano (2000), a colonização imperial da Ibero­América pelos reinos espanhóis e portugueses desde o século XV deu início ao estabelecimento da modernidade ocidental como um “sistema

mundial” de dominação racial e capitalista.6 Seguindo Quijano, a “colonialidad del poder [co­

lonialidade do poder]” foi posteriormente desenvolvida por estados anglo­saxões desde o século XVII dentro da produção do eurocentrismo como “una perspectiva hegemónica de conocimiento [uma perspectiva hegemônica de conhecimento]” baseada no dualismo e evo­ lucionismo (p. 211). Como Quijano argumenta, “el mito fundacional de la versión eurocén­ trica de la modernidad es la idea del estado de naturaleza como punto de partida del curso civilizatorio cuya culminación es la civilización europea u occidental”7 (p. 220). Após a morte

do ditador Franco em 1975, a Transição impeliu a modernização da sociedade espanhola (Et­

cétera, 1995/2014).8 Tal estágio garantiu a imunidade das elites económicas e políticas es­

panholas, além de servir de modelo para outras transições para as democracias neoliberais, especialmente nos países latino­americanos e pós­soviéticos (Sánchez González, 2006). Tam­ bém constituiu o atual quadro jurídico das desigualdades sociais, especialmente desde a adesão de Espanha à União Europeia em 1986 (Etcétera, 2014).

Com base em Aníbal Quijano (2000), Teresa de Lauretis (1987), María Lugones (2008), Karen Barad (2014) e Gilles Deleuze (1989), este artigo apresenta uma ferramenta de análise da manipulação e violência sistémica em Espanha. Com a análise de dois filmes da Transição Espanhola que leio como imagens­vampiro (Elisa, vida mía e Arrebato), também pretendo relatar a significativa questão de María Lugones sobre como o dimorfismo sexual serviu e serve à exploração/dominação capitalista global eurocentrada (2008, p. 7), devido a que os efeitos persuasivos do binário sexual podem estar efetivamente dividindo movimentos fe­ ministas e LGBTIQ+, bem como manipulando a postura do público em relação aos direitos humanos cruciais.

Desenvolvimento

Teresa De Lauretis (1987) explica como a ideologia de género implica o regime sócio­his­ tórico do patriarcado ocidental que constrói os seres humanos por meio de tecnologias de gé­

5 Neste artigo, exploro os limites das convenções linguísticas da língua portuguêsa, uma vez que consolidam a ilusão do género binário, por meio do pronome neutro x.

6 Quijano aponta que “[la institución del ‘certificado de pureza de sangre’ es] [p]robablemente el antecedente más cercano de la idea de raza producida por los castellanos en América [a instituição do ‘certificado de pureza de sangue’ é] [p]rovavelmente o antecedente mais próximo da ideia de raça produzida pelos castelhanos na América].” (p. 227, n. 36).

7 [O mito fundador da versão eurocêntrica da modernidade é a ideia do estado de natureza como ponto de partida do curso civilizacional cujo ponto culminante é a civilização europeia ou ocidental].

8 Como explica o colectivo Etcétera, “Esta Transición en mayúsculas se presenta, más allá de unos cambios admi­ nistrativos, como el paso del obscurantismo a la modernidad, del miedo a la libertad. Esta es la leyenda. La necesaria adecuación de las formas políticas a las exigencias de la acumulación del capital en España [es] la tarea central de la Transición [Esta Transição em maiúsculas é apresentada, para além de algumas mudanças adminis­ trativas, como a passagem do obscurantismo à modernidade, do medo da liberdade. Esta é a lenda. A necessária adaptação das formas políticas às demandas de acumulação de capital na Espanha [é] a tarefa central da Transição].” (2014, p. 3).

125 nero (como a filosofia, as instituições e o cinema) à medida que desenvolvem identidades de

género hierárquicas e binárias baseadas em funções reprodutivas, pois visa sustentar a auto­ ridade patriarcal. Desde a década de 1990, atores cristãos apropriaram­se e resinificaram o conceito de ideologia de género para atingir movimentos feministas de esquerda e LGBTIQ+ e culpá­los pelo fim da humanidade, como explicam Mónica Cornejo­Valle e J. Ignacio Pichardo no contexto espanhol (2017, p. 50). Cornejo Valle e J. Pichardo também estudam como essa apropriação foi organizada principalmente durante a Convenção dos Direitos da Mulher em Pequim (1995), onde “El Vaticano — estado gobernado exclusivamente por varones — se pre­ sentó a sí mismo como el auténtico defensor de la mujer, haciendo una representación de las

mujeres activistas como radicalizadas y poco representativas”9 (Cornejo Valle e J. Pichardo, p.

50). Com essa cruzada contra a ideologia de género, os grupos conservadores problematizam o género como uma categoria legítima de análise a fim de reforçar a sua ideologia patriarcal e invalidar direitos humanos básicos, como o aborto e as práticas não heterossexuais livres.

De Lauretis (1987) também argumenta que a concepção de género enraizada na dife­ rença sexual biológica contribui para a ideologia de género, pois leva a entendimentos uni­ versalistas ou essencialistas de “homem” e “mulher”. Tal ponto de vista conceitual promulgado pelo «white or mainstream feminism [feminismo branco ou hegemônico]» (De Lauretis, p. 10) esconde outras opressões de género das mulheres (Lugones, 2008; De Lau­

retis, 1987; Talpade Mohanty, 1984/202010). O conhecimento feminista interseccional de­

senvolvido por mulheres e outras pessoas não conformes com o sistema de género, negras e racializadas, relaciona intrinsecamente o género a outros sistemas de dominação, como o colonialismo, o racismo, o capitalismo e a normatividade sexual (María Lugones, 2008). Ba­ seando­se em Paula Gunn Allen e Oyèrónké Oyèwùmi, Lugones complica e expande a con­ cepção da colonialidade do poder de Quijano (2000), explicando como o “sistema de género

moderno/colonial”11 está profundamente enraizado no eurocentrismo:

La naturalización de las diferencias sexuales es otro producto del uso moderno de la ciencia que Quijano subraya para el caso de la «raza». Es importante notar que la gente intersexual no es corregida ni normalizada por todas las diferentes tradiciones. Por eso, como lo hace­

9 [O Vaticano — um estado governado exclusivamente por homens — se apresentou como o verdadeiro defensor das mulheres, retratando as mulheres ativistas como radicalizadas e não representativas.]

10 Como explica Chandra Talpade Mohanty, “Uma análise da ‘diferença sexual’ na forma de uma noção transcultu­ ralmente peculiar, monolítica, de patriarcado ou de domínio masculino leva à construção de uma noção igualmente redutora e homogênea daquilo que chamo ‘diferença do Terceiro Mundo’ – algo estável, a­histórico, que apa­ rentemente oprime a maioria, quando não todas as mulheres nesses países.” (2020, p. 13)

11 Nas palavras de Lugones, “Problematizar el dimorfismo biológico y considerar la relación entre el dimorfismo biológico y la construcción dicotómica de género es central para entender el alcance, la profundidad, y las características del sistema de género colonial/moderno. La reducción del género a lo privado, al control sobre el sexo y sus recursos y productos es una cuestión ideológica presentada ideológicamente como biológica, parte de la producción cognitiva de la modernidad que ha conceptualizado la raza como «engenerizada» y al género como racializado de maneras particularmente diferenciadas entre los europeos­as/blancos­as y las gentes colo­ nizadas/no­blancas. La raza no es ni más mítica ni más ficticia que el género – ambos son ficciones poderosas [Problematizar o dimorfismo biológico e considerar a relação entre o dimorfismo biológico e a construção dico­ tômica do género é central para compreender o escopo, a profundidade e as características do sistema de género colonial/moderno. A redução do género ao privado, ao controle do sexo e de seus recursos e produtos, é uma questão ideológica apresentada ideologicamente como biológica, parte da produção cognitiva da moder­ nidade que conceituou a raça como «engendrada» e o género como racializado de formas particularmente dife­ renciadas entre europeus/brancos e colonizados/não brancos. A raça não é mais mítica nem mais fictícia do que o género ­ ambos são ficções poderosas].” (2008, pp. 93­94).

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mos con otras suposiciones, es importante preguntarse de qué forma el diformismo sexual sirvió, y sirve, a la explotación/dominación capitalista global eurocentrada.12 (Lugones, 2008,

p. 86)

A imagem­vampiro é uma ferramenta de análise que se centra em processos de simu­ lação de fatos e pontos de vista que geralmente relocalizam a responsabilização do lado das vítimas. As imagens­ vampiro também funcionam como tecnologias de género e do binário sexual, na medida em que as perspectivas decoloniais e intersecccionais também estão en­

volvidas. Para a minha tese de mestrado (Berjano, 2018)13, organizei laboratórios audiovi­

suais, exibindo dois filmes da Transição Espanhola e filmei os diálogos entre xs participantes após as exibições. Este método experimental teve como objetivo participar do conhecimento coletivo, bem como testar a interseccionalidade da imagem­vampiro como ferramenta de análise. Eu também situei o meu conhecimento por meio de reflexões autoanalíticas de ex­ periências vividas como um meio de aplicar eticamente ideias feministas, queer e decoloniais

às minhas análises.14 Esta metodologia baseia­se nas reflexões epistemológicas de Donna

Haraway (1991) e as compreensões de Karen Barad sobre a identidade não essencialista e

as práticas difrativas (2014)15. Baseando­se em Gloria Anzaldúa, Trinh Minh­ha e Haraway,

Barad mantém uma nova compreensão materialista das práticas materiais e discursivas com base na invariável e ambígua conexão entre cada elemento que participa de qualquer fenó­ meno e é, portanto, constituído como tal por essa mesma relação, que visa romper a lógica colonizadora das fronteiras binárias nas quais a civilização ocidental está parcialmente ali­ cerçada (2014, p. 169).

Como estudos de caso, analisei dois filmes comumente tomados como obras­primas do regime democrático espanhol pelos estudos cinematográficos espanhóis: Elisa, vida mía de Carlos Saura (1977) e Arrebato de Iván Zulueta (1980). Ambos filmes são construídos sobre inovações cinematográficas típicas da modernidade cinematográfica desenvolvida após a Segunda Guerra Mundial, como a distorção da temporalidade linear, a simultaneidade de narrações contraditórias, a edição estratégica de trilhas sonoras disjuntas, a presença de dis­ positivos intertextuais e a confusão do pontos de vista dxs personagens (Deleuze, 1989). Ao mesmo tempo que essas técnicas testemunham a perícia dos dois cineastas, também repro­ duzem motivos eurocêntricos sobre mulheres subordinadas a personagens masculinos e re­ presentadas como ícones e objetos dos pontos de vista masculinos, assim como histórias de

12 [A naturalização das diferenças sexuais é outro produto do uso moderno da ciência que Quijano enfatiza no caso da «raça». É importante notar que as pessoas intersex não são corrigidas ou normalizadas por todas as diferentes tradições. Portanto, como fazemos com outras suposições, é importante perguntar como o diformismo sexual serviu e serve a exploração/dominação capitalista global eurocentrada.]

13 Eu desenvolvi a imagem­vampiro em Vampires in Transition, a minha tese de Mestrado Erasmus Mundus em Es­ tudos de Mulheres e Género na Universiteit Utrecht e na Universidad de Granada, supervisionado pela Dra. Adelina Sánchez Espinosa e co­orientado por Gianmaria Colpani em 2018.

14 Eu reflito sobre o meu próprio preconceito cognitivo eurocêntrico como cidadãx espanholx em relação aos traumas da minha socialização como um rapaz afemeninado (maricas), o meu desejo sexual orientado para os homens e uma postura política da minha identidade trans não­binária.

15 Como explica Karen Barad,“Imagining light to behave as a fluid which upon encountering an obstacle breaks up and moves outwards in different directions, Grimaldi dubbed this phenomenon diffraction, citing the Latin verb diffringere – dis (apart) and frangere (break) [Imaginando que a luz se comporta como um fluido que ao encontrar um obstáculo quebra­se e move­se para fora em diferentes direções, Grimaldi apelidou esse fenómeno de difração, ci­ tando o verbo latino diffringere – dis (separar) e frangere (quebrar) –.]”. Barad pensa que um ponto de vista difrativo questiona binários e clama por um repensar das noções de identidade e diferença (2014, p. 171).

127 homens obcecados em alcançar a transcendência para justificar o seu apego à autoridade

(espanhola).

Para Deleuze (1989), a imagem­tempo (“l’image­temps”) é um produto das inovações do cinema moderno que questiona a narração clássica do cinema e sua “dark organization of clichés [organização sombria de clichês]” (p. 219), ao mesmo tempo que aumenta os nossos poderes cognitivos/afetivos através de peculiares efeitos espirituais (p. 279). No entanto, De­ leuze estuda personagens femininas no cinema simplesmente como ícones, excluindo expli­ citamente as perspectivas feministas dos seus pontos de vista (p. 196­97). A sua própria teoria do cinema também leva a cabo o que De Lauretis denomina como violência da retórica da fi­ losofia androcêntrica ocidental (1987).16 Nas análises de filmes a seguir, tentarei mostrar como

as imagens­vampiro contam com as técnicas inovadoras da modernidade cinematográfica para mascarar a violência sexual e transmitir noções eurocêntricas da identidade nacional.

Elisa, vida mía (Saura, 1977) retrata várias semanas do encontro entre um pai­escritor­

professor prestes a morrer (Luis, interpretado por Fernando Rey) e a sua filha, que está no seu próprio processo de terminar a relação com o seu parceiro abusivo (Elisa foi interpretado por Geraldine Chaplin, que costumava ser a parceira criativa e romântica de Saura). Neste

filme, múltiplas referências culturais à “Idade de Ouro” espanhola do século XVII17 funcionam

como dispositivos intertextuais que acrescentam camadas dialógicas ao enredo, como o título (Elisa, Minha Vida), emprestado de um poema de Garcilaso de la Vega; o pai lendo ci­ tações de El Criticón de Baltasar Gracián e a direção da peça El gran teatro del mundo de

16 Deleuze (1989) sustenta uma antiga citação patriarcal da história de Santa Eulália, contada por perspectivas cristãs e patriarcais (sobre uma rapariga rebelde contra o Império Romano que viveu na capital da Hispânia, Emerita Augusta no século IV), citando um verso obviamente sexista da Cantinèle de Santa Eulália: “She collects her energy, she will rather suffer torture than lose her virginity [Ela reúne as suas energias, prefere sofrer a tortura do que perder a virgindade]” (p. 324, n. 34). Tal narração foi reproduzida ininterruptamente por estudosos católicos por quase dois milénios, reforçando uma compreensão misógina da Roma Antiga da femini­ lidade (a santa martirizada que preferia a morte a perder a sua virgindade, como de Lauretis coloca [1987, p. 191]), por cuja violação (extraconjugal) não é um dos casos mais explícitos e recorrentes de violência sexual tor­ turante contra corpos femininos, mas implica a perda de castidade e honra. Deleuze atribui esta frase ao Marxism

and the Philosophy of Language de Mikhail Bahktin, de autoria de Valentin Nikolaevich Voloshinov na sua versão

em inglês (Seminar Press, 1973; p. 150, n. 7) a fim de dar um exemplo de discurso indireto livre sem qualquer tipo de referência ao tema do discurso, camuflando a história da violência sexual contra as mulheres. Os resultados da análise de Elisa, vida mía e dos procedimentos teórico­vampíricos de Deleuze serão publicados em breve em Berjano, Daniel (no prelo). ‘Vampire­Images’ Within Elisa, Vida Mía. Em Sánchez Espinosa, Adelina (Ed.). Coalitions

and Solidarities in Gender Research: Researching with GEMMA. Oxford: Peter Lang Publishing Group.

17 Como explica Quijano, “España era en sus inicios mucho más rica y poderosa que sus pares. Sin embargo, luego de la expulsión de los musulmanes y judíos dejó de ser productiva y próspera para convertirse en correa de tras­ misión de los recursos de América a los centros emergentes del capital financiero mercantil. Al mismo tiempo, luego del violento y exitoso ataque en contra de la autonomía de las comunidades campesinas y de las ciudades y burgos, quedó atrapada en una estructura señorial de poder y bajo la autoridad de una monarquía y de una iglesia represivas y corruptas. La Monarquía de España se dedicó, además, a una política bélica en busca de la ex­ pansión de su poder señorial en Europa, en lugar de una hegemonía sobre el mercado mundial y el capital comercial y financiero como hicieran luego Inglaterra o Francia [A Espanha foi em seus primeiros dias muito mais rica e poderosa do que seus pares. No entanto, após a expulsão dos muçulmanos e judeus, deixou de ser produtivo e próspero para se tornar uma correia de transmissão dos recursos da América para os centros emer­ gentes de capital financeiro mercantil. Ao mesmo tempo, após o ataque violento e bem­sucedido contra a auto­ nomia das comunidades camponesas e das cidades e vilas, foi aprisionada em uma estrutura de poder imponente e sob a autoridade de uma monarquia e igreja repressiva e corrupta. A Monarquia da Espanha também se dedicou a uma política de guerra em busca da expansão de seu poder senhorial na Europa, em vez de uma he­ gemonia sobre o mercado mundial e o capital comercial e financeiro, como a Inglaterra ou a França fizeram pos­ teriormente].” (2000, p. 228).

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Calderón de la Barca com as suas alunas e a sua filha numa escola católica de freiras. Eles defendem as crenças supostamente antiautoritárias e a atitude nostálgica do pai diante da proximidade da sua morte, o que eclipsa o fato de que o pai está a usurpar a autoconsciência da filha ao simular o seu discurso direto em seis monólogos — o cerne da imagem­vampiro de Elisa, vida mía —.

Apesar de tudo,18 a maioria dxs estudiosxs do cinema espanhol que abordaram Elisa,

vida mía considera a relação de Luis e Elisa um processo complementar pelo qual Luis passará

os seus conhecimentos à filha, que presumivelmente construirá a sua personalidade sobre as ruínas dos seus ancestrais, parafraseando Román Gubern (1979, p.43). Na verdade, a rei­ teração infundada de cenas de violência contra “a Viúva” é tão antiga quanto as ruínas his­ pânicas (Cantarella, 1998). No filme, Luis relembra a história de uma mulher (a Viúva) que foi morta no caminho para a casa de Luis e com quem Elisa simpatizou, sendo assassinada pelo ex­companheiro como se fosse a Viúva na sua imaginação. Outra cena mostra Elisa lu­ tando para terminar a relação com o seu parceiro no carro, estacionado no meio de uma paisagem castelhana desabitada, perta da residência de Luis. Após o fim da relação, xs es­ pectadorxs deparam­se com a sequência do pai beijando e tocando Elisa/Geraldine Chaplin, que é comumente interpretada pelxs estudiosxs do cinema como uma lembrança do pai, já que as memórias de múltiplas temporalidades se fundem ao longo do filme. O fato de Chaplin também representar a mãe de Elisa (como em outros filmes de Saura) não pode negar uma leitura da cena como retrato da fantasia incestuosa de Luis (Haislop, 2013, p. 120). Ao ouvir os gritos de Elisa, eles interrompem a sequência e fazem com que a fantasia de Luis se des­ vaneça. Luis encontra Elisa e pressiona­a para que ela se acalme até ao ponto em que quase bate na filha, o que aterroriza Elisa. Ela tem cuidado do seu pai moribundo há meses. Depois da morte de Luis, enquanto Elisa deixa a casa do seu pai, uma voz off reproduz o seu primeiro monólogo — desta vez, é Elisa de Chaplin empoderando­se com o roteiro do seu pai —.

Arrebato (Zulueta, 1980) é uma história sobre o vício na heroína e cinema que leva a

uma peculiar experiência de êxtase. O filme foca­se num vínculo homoerótico e misógino entre dois homens, Pedro e José. É um filme underground e de culto analisado repetidamente por estudiosxs do cinema espanhol, que geralmente se concentram nas inovações experi­ mentais do filme e nas percepções reflexivas sobre o cinema, deixando de lado as análises