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LYSIA CORRÊA DE ARAÚJO Heleniara Amorim Moura

RESUMO

A pesquisa referenciada neste artigo se construiu a partir da organização do Acervo Maria Lysia Corrêa de Araújo, conjunto presente nos Acervos Teatrais da Universidade Federal de São João del­Rei, doado pela família da escritora em 2012. A ordenação e análise deram­se entre 2012 e 2015 nos estudos de doutoramento na Universidade Federal de Minas Gerais, e foram finalizadas em projetos de pesquisa do Instinto Federal de Minas Gerais ­ Campus Ouro Branco entre os anos de 2018 e 2019. A artista mi­ neira Maria Lysia Corrêa de Araújo (1921­2012) produziu uma literatura diversificada, apresentando um conjunto de composição literária em variados gêneros como a crítica teatral, a crônica, o romance e o conto. Além disso, como atriz, esteve presente em montagens expressivas da década de 1960, não apenas na EAD ­ Escola de Arte Dramática de São Paulo, como também em grupos teatrais importantes como o Arena, o Oficina, a Cia Maria­Della Costa, a Cia. Tônia­Autran, entre outros. Trabalhou com di­ retores como José Celso Martinez, Augusto Boal, Alfredo Mesquita, além de encenar peças de conteú­ dos ideológicos profundos em uma época de silenciamento e coerção dos direitos civis no Brasil. Dessa forma, este artigo traz um olhar posterior a uma pesquisa de quase uma década acerca da vida e obra de Maria Lysia Corrêa de Araújo, com novas demarcações na questão de gênero e um recorte, ainda que tardio, do material artístico dessa mulher que atravessou décadas nas artes cênicas e literárias, em um país profundamente machista, misógino e repressivo. A questão de gênero na obra da escritora aparece, muitas vezes, numa espécie de não adequação dos corpos femininos a um mundo conserva­ dor, patriarcal e repressor: mulheres em solidão, ou em relacionamentos sufocantes, personagens per­ didas em um universo ficcional e teatral de isolamento, violência e incompreensão no qual o corpo físico das personagens começa a desintegrar­se rumo à inexistência. Nesses “corpos escritos”, alusão ao termo de Michel Foucault, imagens artísticas e literárias condensam os aspectos culturais, sociais e históricos demarcados em identidades femininas que expressam, em uma linguagem avassaladora, ex­ periências­limite definidas na presença desses corpos no mundo. As mulheres do universo ficcional da escritora, tanto em suas narrativas, quanto em suas peças teatrais, expressam vivências delineadas em corpos e vozes que resistem na diversidade de seus registros no discurso literário e social, num mo­ mento político em que os corpos dos artistas eram dilacerados não apenas pela repressão física no pe­ ríodo ditatorial, como também pela censura de suas obras. Nesse contexto de violência implantado pela ditadura militar no Brasil, a obra da escritora reflete uma literatura do desassossego e da incom­ preensão na linguagem do realismo fantástico, uma das poucas formas narrativas possíveis de suportar o peso histórico daquele tempo. Já nos palcos, Maria Lysia Corrêa de Araújo concebeu uma literatura dramática pautada no Teatro do Absurdo, trazido para o Brasil no espólio dos artistas estrangeiros, condensado em imagens de morte e solidão. Assim, a escritora, enredada pela literatura fantástica e pelo teatro do non sense, trazia à cena da escrita, personagens femininas que incorporavam a destrui­ ção do corpo e o vazio existencial. Ao emprestar também seu corpo físico de mulher a espetáculos al­ tamente significativos naquele contexto histórico, Maria Lysia entra no grupo de artistas que resistiram a sua época, denunciando não apenas questões antidemocráticas como também os preconceitos da demarcação de gênero advindos daquela sociedade. Em sua obra, as subjetividades aparecem como foco principal e as relações humanas tornam­se substância para a composição de uma escrita singular

1 Trabalho apresentado durante o VII Congresso Internacional em Estudos Culturais: Performatividades de Género na Democracia Ameaçada.

2 Doutora em Estudos Literários/Literatura Comparada (UFMG). Mestra em Letras/Teoria Literária e Crítica da Cultura pela Universidade Federal de São João del Rey (UFSJ). Professora EBTT do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) – Campus Ouro Branco. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero, Raça/Etnia e Se­ xualidade (NEPGRES). E­mail: heleniara.moura@ifmg.edu.br

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a partir de imagens desses “corpos escritos”, analisados em seu caráter identitário, no qual as diferenças são problematizadas e as relações de opressão denunciadas.

PALAVRAS-CHAVE:

Maria Lysia Corrêa de Araújo; Corpos escritos; Teatro; Literatura; Mulher.

A artista brasileira Maria Lysia Corrêa de Araújo encenou (para ficar numa metáfora tea­ tral) uma existência deveras atraente. Lúcia Machado de Almeida a chamou de “mestra do realismo mágico” e dois de seus livros publicados trazem aspectos desse universo literário presentes tanto na seleção de contos Em silêncio quanto na novela Um tempo. A escritora também publicou seis livros infantis: O círculo, Os pássaros que gostavam de poesia, Bairro

feliz, Aprendiz de barroco, Acorda, Luís! e O carneirinho diferente. Além de ter publicado,

inúmeros contos e crônicas em jornais e revistas do país entre os anos de 1950 a 1980. Du­ rante um período de sua vida, foi uma atriz talentosa, premiada na EAD ­ Escola de Arte Dra­ mática de São Paulo, inclusive, chamou a atenção do dramaturgo Eugène Ionesco em visita ao Brasil. Trabalhou em grandes grupos teatrais de grandes cidades do país como Rio de Ja­ neiro, São Paulo e Belo Horizonte. Lysia de Araújo, como era conhecida no meio teatral, ha­ bitou várias moradas, em cidades diversas, conheceu muitas pessoas do meio artístico e cultural, encantou e foi encantada no mundo da arte. Assim, a partir do material documental presente em seu acervo intelectual, buscou­se a reconstituição dos ambientes artísticos (tea­ trais e literários) que circundaram a vida intelectual de Lysia de Araújo, na busca de apreender o pensamento cultural de épocas e lugares pelos quais a artista passou. A pluralidade de identidades intelectuais que envolveram sua vida, seja como atriz, escritora ou crítica, levou­ nos ao comparatismo de textos, tempos e espaços variados, procurando compor através des­ sas peças fragmentárias aproximações e distanciamentos relativos a sua subjetividade. Nesse sentido, alguns pontos biográficos são fundamentais para compreender como se forma sua personalidade como artista.

Foi na cidade de Belo Horizonte da década de 1940 que a escritora teve a morada ideal no seio de uma família de intelectuais. Órfãos ainda em idade tenra, Maria Lysia e seus irmãos foram reunidos pela irmã mais velha Zilah de Araújo na capital mineira, onde viviam com

parcos recursos. O lema “Não temos heranças, só temos cabeças”3, esteve presente repetidas

vezes no contexto familiar, segundo depoimento de Laís de Araújo, irmã da artista e impor­ tante poeta mineira. Embora houvesse um complicado quadro político­econômico e o custo de vida na capital mineira fosse alto, a modernidade e o investimento em cultura, saúde e educação foram marcas da década. A criação de novos centros de ensino como o Instituto de Educação, o Colégio Santa Maria, o Ginásio São José, a Escola Técnica Federal, a Univer­ sidade de Minas Gerais, entre outros, propiciou a formação dos irmãos Corrêa de Araújo. Todos fizeram cursos superiores, exceto Maria Lysia, que tinha alma liberta demais para a clausura e metodismo acadêmicos. Sem herança, mas privilegiados em cabeças, iniciaram suas carreiras através de concursos públicos que foram fundamentais para estabilizar a vida dos jovens estudantes da família.

3 Os fatos foram narrados em depoimento realizado pela poeta Laís Araújo na Faculdade de Letras da UFMG, em 1997.O texto completo pode ser encontrado em: Maciel, 2002, p. 27­33.

33 Se a formação acadêmica era uma incerteza na vida de Maria Lysia, suas atividades pro­ fissionais como funcionária pública foram uma constante. No Brasil, muitos escritores fizeram suas carreiras literárias concomitantemente ao trabalho público. Poucos foram os escritores que puderem viver exclusivamente de literatura em nosso país. A estabilidade e mobilidade dessa carreira permitiram que Maria Lysia desfrutasse de certa liberdade em relação a seu destino e a suas escolhas. A instituição do casamento ainda se mostrava como uma obriga­ toriedade para a mulher e há, nesse sentido, uma decisão arrojada: a artista vai morar sozi­ nha, numa das maiores cidades do país à época, para cursar teatro. De certa forma, a liberdade financeira possibilitava­lhe independência para viver sua trajetória na arte teatral. A atriz deu vida a personagens importantes da dramaturgia brasileira e estrangeira, busco aqui, apenas passar por alguns desses trabalhos, especialmente em pontos que tangenciam a temática deste artigo: o corpo feminino e sua constituição em alguns dos espetáculos nos quais a artista esteve em cena. A montagem de Medeia, de Eurípides, foi o primeiro trabalho da atriz em 1955 sob a direção João Ceschiatti, ainda em Belo Horizonte. No datiloscrito da peça que possui as falas da personagem interpretada por Lysia de Araújo, as palavras profe­ ridas naquela noite ainda ressoam na tinta do tempo: “Aniquilamento... Que música nesta palavra – aniquilamento! Aniquilar o passado, não é possível, quanto aos seus frutos no pre­

sente...”4 Segundo Brian Gordon Lutalo Kibuuka:

A peça Medeia de Eurípides, encenada no início da Guerra do Peloponeso, em 431 a.C., rea­ tualiza o mito de Medeia nos termos de seu tempo. No cerne do enredo da tragédia euripi­ diana, Medeia, mulher, estrangeira, abandonada pelo marido, atua por meio da constante interlocução com mulheres e homens. Assassina, mata inimigos e os próprios filhos e foge com a ajuda de um rei e um deus. A Medeia de Euripides, radicada em uma polis que está prestes a desterrá­la, participe de oikos em erosão, age: a tragédia é feita das suas ações. Nas praxeis do drama, ao lado do apelo típico a hŷbris, a desmesura própria de um prota­ gonista de uma tragédia, estão em operação regimes de gênero, perspectivas de philia e inimizade, concepções de religião, de justiça e de vingança (Kibuuka, 2018, p. 57).

A ação de Medeia através de seu corpo (e em outros corpos como os de seus filhos) traz aspectos interessantes de uma leitura do feminino que nega o que lhe é imposto: a pas­ sividade da aceitação dá lugar ao dilaceramento do mito maternal submisso, dentro de um espaço mítico em que assassina e honra seus mortos e, em vingança, afasta seus corpos da presença do marido. No entanto, a relação da personagem com os corpos é de extrema pro­ ximidade, os reúne junto a seu corpo, prepara­os para os rituais fúnebres. Dos frutos de seu próprio corpo, Medeia é portadora paradoxal do amor e da morte. No coro de mulheres, a personagem encontra ora complacência, ora contrariedade. No trato, porém, Brian elucida que, “com os personagens femininos, ela atua segundo o regime de gênero esperado: ela e as suas interlocutoras agem como mulheres entre si – não na linguagem, mas na temática de defesa mútua” (Kibuuka, 2018, p. 75).

O trabalho fez com que Lysia de Araújo procurasse a formação em teatro na já citada Escola de Arte Dramática de São Paulo. Em 1960, o trabalho como atriz foi consolidado na peça em um ato As cadeiras de Eugène Ionesco, sob a direção de Alfredo Mesquita. Segundo

4 Datiloscrito da parte que coube à atriz na apresentação da peça, p. 14 (numeração manuscrita). Fonte: Acervo Maria Lysia Corrêa de Araújo.

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a pesquisadora Célia Berretini, uma das marcas da formação da escola de dramaturgia pau­ lista no período será a montagem de obras e autores modernos, “com suas reinvindicações e conquistas, entre as quais ocupa lugar de relevância a linguagem” (Berretini, 1980, p. 57). Algumas das falas pronunciadas pela Velha em As cadeiras, personagem vivida por Lysia de Araújo na referida montagem, acentuam o trabalho do dramaturgo que não apenas paro­ diava velhos ditados, mas subvertia­os até chegar ao absurdo. Assim, “frases como ‘Meus fi­

lhos, desconfiai uns dos outros’ eram pronunciadas pela personagem, parodiando o preceito

evangélico de amor recíproco, com a superposição de ‘Desconfiai’ a ‘Amai’” (Berretini, 1980, p. 57). Na linguagem performativa, a personagem dá voz a um corpo feminino marcado pela passagem do tempo e pela maturidade. Corpo que se apresenta pela e como linguagem, na articulação de jogos de palavras que revelam o que a personagem negligencia ou sofre na peça junto a seu companheiro. Corpo exposto à exposição farsesca, ocupando intensamente seu lugar no cenário vazio da peça, composto por um fundo visual de portas e janelas, na parte central da cena, apenas duas cadeiras. A centralidade da peça de Ionesco reside nesses dois corpos: um casal de idosos à espera de um orador que transmitirá uma mensagem con­ fiada pelo velho à humanidade. Com a chegada do interlocutor, após um longo diálogo entre o casal e a chegada invisível de convidados materializados em cadeiras que começam a ocu­ par o palco, o par se joga ao mar, silenciando definitivamente os corpos, já que havia um orador que transmitiria tão importante mensagem. O final reduz a espera ao silêncio, já que o orador não consegue sequer falar por gestos e a mensagem se perde como se perdem os corpos dos personagens.

A importância das obras do “Teatro do Absurdo” na produção literária de Maria Lysia é significativa já que posteriormente escreve, para o exame do último ano da EAD, a peça em

um ato “Quem garante?”5, que foi levada à cena em 1961, sob a direção geral de Alfredo

Mesquita. A própria autora denominará sua peça de “ionescada em um ato”6 e o texto im­

pressiona pela total apreciação da palavra que suplanta cenários e figurinos e destitui o palco de objetos e do corpo físico do ator. Composta por três vozes, também apresenta um vigoroso fundo musical composto pela “Tocata e Fuga em ré menor”de Johann Sebastian Bach. A en­ trada soturna da música emoldura de maneira sonora a entrada de um diálogo entre as três vozes, duas dessas, perdidas numa dimensão desconhecida, não sabem de onde vieram, a que vieram, se são seres vivos ou mortos. Uma delas perde­se em negativas: nada, não, mau tempo, ninguém. A outra voz, apenas pergunta, questiona também sobre tempo, amor, sobre outra voz que virá. Ao final, no frio existencial da solidão, as personagens clamam à terceira voz que as aqueça e ela, uma voz feminina, então os cobre com amor, que não basta o sufi­ ciente e logo acaba. Na ânsia de mais amor, no desejo das vozes que passam a desesperar­ se, a peça termina em questionamentos e desemboca no vazio existencial.

A última apresentação de Lysia de Araújo no teatro foi a montagem histórica de Peque­

nos burgueses de Maximo Gorki, dirigida por José Celso Martinez, tendo Fernando Peixoto

como assistente de direção. A peça ficou em cartaz em meados de 1960 em São Paulo, e ob­ teve, no ano de 1967 , uma nova montagem apresentada no Rio de Janeiro, onde atriz passou a residir à época. Para José Celso Martinez Corrêa, Pequenos Burgueses “era uma peça muito

5 Inédita, foi representada por colegas da escola naquela ocasião. Há um dos exemplares (datiloscrito) no Acervo Maria Lysia Corrêa de Araújo da UFSJ.

6 Em recorte de jornal presente em seu acervo, sem indicação de fonte ou data. Fonte: Acervo Maria Lysia Corrêa de Araújo.

35 triste, de muita emoção, muito sofrimento: a pequena burguesia sofrendo sem saber o que fazer...” (Corrêa, 1998, p. 41). O diretor deu um novo direcionamento cênico e “com o tempo, o espetáculo foi se radicalizando, foi sendo feito mil vezes, absorvendo mil influências e se

transformando”(Corrêa, 1998, p. 41). Segundo Martinez, foi Eugênio Kusnet quem “começou

a dar ferramentas para o ator descobrir e analisar o teatro, a ensinar o ator a pesquisar na vida, pesquisar na rua” (Corrêa, 1998, p. 42). A personagem vivida por Lysia de Araújo, Ste­ panida, foi definida por Martinez como um ser inteiramente alheio a tudo o que se passa na peça, corpo servil que carrega o peso do trabalho doméstico e pesado no seio de uma família burguesa. Esses grupos ainda continuam em atividade até meados de 1970, mas após o Ato

Institucional nº5, esses atores, diretores e dramaturgos sofrem com a repressão e o exílio7

Assim, o corpo do ator é retirado de cena, nem suas vozes mais podem ser ouvidas, os corpos foram repreendidos, submetidos às condições de “corpos dóceis”, compreendidos por Michel Foucault dentro de uma “mecânica do poder”, que segundo o teórico, “define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas segundo a rapidez e a eficácia que se deter­ mina” (Foucault, 2013b, p.133). Corpos que se não disciplinados, tornavam­se vulneráveis a

outros corpos, “corpos­objetos”8, definidos pelas armas e fuzis manipulados nos quartéis

clandestinos, onde formulavam torturas e punições para os corpos rebeldes dos artistas. Por volta de 1970, Lysia de Araújo retorna para Belo Horizonte. Em entrevista ao jornal IBL, a ar­ tista teceu rememorações acerca desse período: “Teatro... (...) A luta é grande, nossa cultura ainda é bastante deficiente nesse campo, montar, estudar, ensaiar uma peça são empreen­ dimentos que exigem tempo e coragem (...) abandonei totalmente o teatro e só quero dedi­ car­me à literatura”9.

É interessante observar que apesar da intensa atividade intelectual, a autora manteve­ se inédita em livro durante mais de duas décadas. A edição de Em silêncio pela José Olympio, uma reunião de contos seus já publicados em jornais e revistas nos anos 1960, só viria a acontecer em 1978, através de um convênio com o INL – Instituto Nacional do Livro, após diversas premiações. O segundo lugar no Prêmio Fernando Chinaglia, em 1976, não foi sufi­ ciente para uma publicação imediata de sua novela Um tempo, que também aguardou nove anos, até que a Editora Nova Fronteira revelasse o texto ao mercado editorial em 1985. O contexto relaciona­se diretamente aos entraves enfrentados pelas escritoras nos meios lite­ rários. Quando Maria Lysia Corrêa de Araújo começa a publicar na década de 1950 em revis­ tas e jornais, acontecia uma mudança paulatina, mas importante para a visibilidade dessas mulheres das letras. Como ressalta a pesquisadora Constância Lima Duarte, após a década de 1930, “as redações dos grandes jornais começam a aceitar as publicações femininas sem maiores dificuldades, e praticamente todas as nossas escritoras iniciam desta forma sua car­ reira literária” (Duarte, 1999, p. 430).

7 Segundo Jacó Guinsburg e Rosângela Patriota, o Arena, em 1971, após a intensificação de seu trabalho na periferia de São Paulo, com o teatro­jornal, e com a criação do Núcleo 2, desarticulou­se com a prisão e o posterior exílio do dramaturgo e diretor Augusto Boal. Já o Oficina suspendeu suas atividades em 1974, depois de uma invasão policial que resultou na prisão de alguns de seus integrantes e na ida do diretor José Celso Martinez Corrêa para a Europa” (Guinsburg; Patriota.2012, p. 162).

8 Alusão ao conceito de Michel Foucault de corpo­objeto. Ver: Foucault, 2013, p. 147.

9 Documento datiloscrito de um dos currículos da escritora para jornais e revistas. Não possui data ou indicação de destino.

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Nesse contexto, Maria Lysia apresenta uma habilidade ímpar na arte de narrar e, sem dúvidas, a crônica e o conto são gêneros importantes dentro de sua literatura. A escritora está inserida em um momento de repressão da liberdade de expressão, entretanto, não deixa de compor em sua literatura uma possibilidade de escrever o não­dizível, traduzir, nesses

corpos escritos10, saberes narrativos que condensam os aspectos culturais, sociais e históricos

que cercam a constituição de uma subjetividade. Segundo Judith Revel, o processo de sub­ jetivação pensado por Michel Foucault constitui­se através de duas posições, em princípio antagônicas, entretanto, suplementares. A primeira análise do aspecto da subjetividade volta­ se para os modos de objetivação que transformam os seres humanos, mais especificamente, a maneira pela qual as instituições sociais e políticas modelam os sujeitos através de práticas, muitas vezes, manipuladoras. Essa crítica radical do sujeito como consciência absolutamente livre, contudo, abre­se em outra análise sobre como esses mesmos indivíduos passam tam­ bém a relacionar­se consigo mesmos, quando se permitem “constituir­se como sujeitos de sua própria existência” (Revel, 2005, p. 82).

E a existência da artista passa a ser agora o corpo da escrita. E que forma de escrita? A artista foi frequentemente inserida pela crítica na estética do chamado realismo fantástico