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Apresentamos neste artigo, através da Análise de Conteúdo quantitativa e qualitativa, dados sobre como os jornais Expresso e Folha de S.Paulo participam e atuam na disputa dis­ cursiva em torno da “ideologia de género”, o que serviu de indicativo do estágio das disputas de gênero nos países que estão inseridos, Portugal e Brasil, respectivamente. O panorama foi construído observando as situações episódicas e conflituosas presentes nas produções jor­ nalísticas sobre o debate das temáticas de GDS que utilizaram o termo “ideologia de gênero”. Os resultados sugerem que mesmo havendo diferenças quantitativas e temporais na presença e visibilidade do termo nos países, eles correspondem a apontamentos feitos em outras in­ vestigações de que o uso do termo tem características definidas e padronizadas no mundo. Quanto às diferenças na participação e atuação dos jornais na disputa discursiva do termo no seu viés conservador, destacamos que a FSP apresentou mais resultados, durante um período maior (surge em 2004 e ganha visibilidade a partir de 2015), tem oito editoriais com o termo e a maioria das produções foram escritas por homens. Já no Expresso o aparecimento do termo acontece apenas em 2013 tendo projeção a partir de 2019 e a maioria das produções são escritas por mulheres. Sobre o debate e reações políticas envolvendo o tema cabe ressaltar que nos dois países estão ligadas às eleições e às políticas educacionais, reforçando outros achados de que quando o termo é associado às políticas educacionais, grupos religiosos e conservadores as veem como ameaças ao status quo, criando reações negativas mais efetivas. A diferença é que em Portugal são relativas à implementação da lei aprovada de promoção de medidas na educação relativas à identidade de género, mas no Brasil referem­se, em sua maioria, à exclusão dos termos e temáticas de políticas educacionais.

Os resultados apresentados aqui são parte de uma pesquisa maior em andamento que analisa o termo “ideologia de género” como síntese retórica do poder discursivo da hetero­ normatividade na política do Brasil e de Portugal. O intuito é contribuir com a análise da he­ teronormatividade, o que nos permite visualizar como este tipo de ‘dominação’ está se modificando ao longo da história, ou pode ser modificado. O estudo também oferece uma estrutura útil para o estudo do termo “ideologia de gênero” usando a Análise de Conteúdo quantitativa e qualitativa baseada na elaboração de um Livro de Códigos. A proposta é que a análise da utilização do termo possa ser replicada em outros países. Neste sentido, com­ preendemos que olhar para apenas um jornal em cada país pode parecer insuficiente,

145 mesmo que se escolha os jornais de maior circulação. Mas, com esta estrutura, pesquisas

futuras podem agregar mais jornais à análise, ou ainda escolher outros meios de comunica­ ção para analisar e comparar os resultados. Outra necessidade é agregar o debate da inter­ seccionalidade, refletindo como outras questões (raça, etnia, classe) atravessam, interferem ou tem consequências diversas no debate.

Por fim, destacamos que o uso do termo “ideologia de gênero” é um tema relevante que merece maior atenção e aprofundamento em pesquisas futuras, já que seu uso como instrumento político gerou e tem gerado frutos pelo mundo. Seu uso por atores e agentes, sejam eles parlamentares ou não, está ligado ao desmantelamento de conquistas sociais, políticas e culturais, principalmente de mulheres e pessoas LGBT, assim como as ameaças e ataques à democracia. Como disse Butler “Quando violência e ódio se tornam instrumentos da política e da moral religiosa, então a democracia é ameaçada por aqueles que pretendem rasgar o tecido social, punir as diferenças e sabotar os vínculos sociais necessários para sus­ tentar nossa convivência aqui na Terra” (Butler, 2017, online).

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