Juliana Inez Luiz de Souza4
Carla Cerqueira5
Nelson Rosário de Souza6
Daniela Drummond7
RESUMO
A crescente polêmica e polarização sobre as questões de gênero e diversidade sexual tem sido notícia recorrente no mundo. Pesquisas destacam que o termo “ideologia de gênero” transitou do enquadra mento sociológico para um instrumento político contra as narrativas feministas e LGBT. Investigações constataram um padrão argumentativo e no perfil das pessoas que utilizam essa expressão. Entretanto é rara a comparação do uso do termo entre dois ou mais países. Neste estudo, analisamos comparati vamente o uso do termo “ideologia de gênero” na cobertura dos jornais de maior circulação digital do Brasil (Folha de S.Paulo) e de Portugal (Expresso) entre 2000 e 2019. A Análise de Conteúdo quantitativa e qualitativa aponta que mesmo havendo diferenças quantitativas e temporais na presença e visibili dade do termo nos dois países, o seu uso tem características definidas e padronizadas. As temáticas ‘eleições’ e ‘políticas educacionais’ impactam as reações políticas envolvendo o uso do termo em ambos os países. Quando esse é associado à educação, grupos religiosos e conservadores o veem como ameaça ao status quo, criando reações negativas mais efetivas.
PALAVRASCHAVE:
Ideologia de Gênero; Democracia; Jornalismo; Portugal; Brasil.
Introdução
A crescente polêmica e consequente polarização sobre as questões de gênero e diver sidade sexual (GDS) na sociedade tem sido notícia recorrente nos meios de comunicação em diversos países. O campo acadêmico não está alheio a essas temáticas, em específico, muitas pesquisas destacam a mudança do enquadramento do termo “ideologia de gênero”, que passa de um conceito sociológico para um instrumento político contra as narrativas dos mo vimentos feministas e LGBT (Garraio & Toldy, 2020; Souza & Eduardo, 2020; Junqueira, 2016). O conceito sociológico foi elaborado e utilizado para compreender e criticar a assi metria de poder entre os gêneros, considerando não apenas o reflexo das estruturas econô micas e sociais, mas o “reconhecimento crucial da necessidade de compreender ‘o vínculo’
1 Trabalho apresentado durante o VII Congresso Internacional em Estudos Culturais: Performatividades de Gênero na Democracia Ameaçada.
2 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil (Capes) Código de Financiamento 001.
3 Agradecemos as contribuições de Maria Cecília Eduardo, Ricardo Dantas Gonçalves, Sofia de Carvalho Pacheco Bittencourt e Rui Carlos Sloboda Bittencourt.
4 Doutoranda em Ciência Política, Universidade Federal do Paraná (UFPR), email: jils@ufpr.br.
5 Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Universidade do Minho, email: carlaprec3@gmail.com. 6 Professor do Programa Doutoral em Ciência Política, UFPR, email: nrdesouza@ufpr.br.
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complexo ‘entre a sociedade e uma estrutura psíquica persistente’” (Scott, 1995, p. 79). A partir dos anos 1990 passa a ser utilizado como estratégia retórica que objetiva deslegitimar as teorias feministas e de gênero, refutar o conceito de gênero e de heteronormatividade, e contrapor políticas de gênero e LGBT, reafirmando as concepções heteropatriarcais de sexo, gênero e sexualidade (Corredor, 2019). Ou seja, a expressão “ideologia de gênero” sofre uma apropriação e ressignificação enfraquecendo seu teor de resistência em favor de uma nar rativa reacionária de antigênero.
É importante notar que as pesquisas sobre os discursos de GDS, especificamente sobre o uso do termo “ideologia de gênero”, mostram que eles têm um padrão em seus argumen tos e no perfil de pessoa que os utilizam (Garraio & Toldy, 2020; Corredor, 2019). Entretanto, como mostra o dossiê “Hacer y deshacer la ideología de género” (Vigoya & Rondón, 2017), a maioria analisa a ocorrência desse discurso em apenas um país e poucos, como em Kuhar (2015), fazem a comparação entre países. Visando preencher essa lacuna, comparamos o uso do termo no Brasil e em Portugal, países selecionados por apresentarem proximidades como o fato de serem lusófonos, terem passado por um grande período de ditadura e terem reestabelecido a democracia recentemente (Drummond, Souza & Almeida, 2019).
O objeto de análise desse artigo são as questões de GDS sintetizadas no termo “ideolo gia de gênero” presentes na cobertura dos jornais de maior circulação digital nos dois países entre os anos 2000 e 2019. As questões que orientam a investigação são: Como os jornais Expresso e Folha de S.Paulo (FSP) participam da disputa discursiva em torno da “ideologia de gênero”? Como os jornais enquadram esse discurso? O que a cobertura jornalística in forma sobre o estágio das disputas de gênero em ambos os países? O objetivo geral é fazer uma observação longitudinal e comparativa, através de uma Análise de Conteúdo quantita tiva e qualitativa. Para isto, buscamos as produções online do jornal brasileiro FSP e do por tuguês Expresso. Primeiro identificamos as características da apresentação e uso da expressão “ideologia de gênero” pelos jornais com base no Livro de Códigos construído. Na análise qualitativa o foco esteve em observar os resultados para construir um panorama do debate recente nos países, respondendo aos objetivos específicos de: (i) Identificar quais os temas ou disputas políticas discursivas sobre GDS estavam em pauta na sociedade e no par lamento, de cada país, no período que podem ter suscitado as produções dos jornais; (ii) Identificar se o enquadramento do termo mobilizou algum viés político discursivo, especial mente se favorável ou contrário às narrativas antigênero; e (iii) Comparar as características e resultados dos dois países para identificar semelhanças e diferenças relativas à mudança na utilização do termo e as características dos discursos de cada concepção.
Para cumprir o que foi proposto dividimos o presente artigo em três partes. Na primeira, apresentamos o conceito de poder discursivo – na disputa por hegemonia da heteronorma tividade – e o processo de ressignificação do termo ideologia de gênero. Na segunda, expo mos os resultados da Análise de Conteúdo acerca das disputas discursivas de GDS, sintetizadas no termo “ideologia de gênero”, presentes na cobertura jornalística do Expresso e da FSP, e discutimos os achados quantitativos e qualitativos. Por fim, apresentamos as con siderações finais da pesquisa, com um resumo dos achados e apontamentos para pesquisas futuras.
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