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7. DA LEI COMPLEMENTAR EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

7.4 Dos Dispositivos Constitucionais afetos ao tema

7.4.3 Do Artigo 146, III e das Normas gerais

Estabelecidas as premissas de que as normas gerais em matéria tributária devem observar os limites impostos pela Carta Constitucional, não podendo, em razão disso, inovar ou alterar a ordem jurídica posta, pela leitura do artigo 146 em comento, passa-se à análise do dispositivo constitucional acima citado, com vistas à elucidação do seu real sentido, restringindo-se à leitura e exegese dos três incisos do referido preceito, bem como das alíneas “a”, “b” e “c” do último deles.

7.4.3.1 Da definição de tributos e de suas espécies, da relação dos impostos discriminados na Constituição, dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes

Esse importante dispositivo exige que o delineamento geral de todos os tributos conste de lei complementar, de caráter nacional.

Relativamente aos impostos, a Constituição exige que suas hipóteses de incidência, bases de cálculo e contribuintes estejam definidos nessa lei complementar, que para alguns, é papel desempenhado pelo Código Tributário Nacional.

Em sendo assim, a lei complementar de que trata o dispositivo, sendo uma lei de normas gerais, não institui nenhum tributo, mas apenas define-o, estabelecendo, no caso dos impostos, os elementos caracterizadores de seu antecedente e conseqüente tributários, os quais serão descritos na lei ordinária que instituirá o imposto em cada caso.

Em relação à interpretação do referido dispositivo, vale a transcrição dos dizeres de SACHA CALMON, in verbis:

Aí se dispõe que compete à lei complementar, enquanto lei de normas gerais: a) a definição de tributo e de suas espécies; b) a definição dos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos discriminados na Constituição

O CTN – lei complementar – já define tributos e suas espécies: impostos, taxas e contribuições de melhoria. Por impostos discriminados devemos entender aqueles que possuindo nomes foram discriminados privativamente às pessoas políticas (arts. 153, 155 e 156). Estes, quase todos, estão definidos e arrumados no CTN. Os novos e os impostos residuais (art. 145, I), os extraordinários (art. 154, II), os restituíveis ou empréstimos compulsórios (art. 148, I e II) e as contribuições para fiscais (art. 149) são virtuais.

É dizer, não possuem previsão constitucional de fato gerador, logo não podem ser cuidados por lei complementar, definindo-lhes fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes, por isso mesmo que indiscriminados na CF.

Na CF, nos casos que vimos de ver, há apenas a finalidade do tributo (validação finalística) e as situações que permitem o exercício da competência impositiva, entre as quais, em nenhum momento, se vê exigida a prévia existência de lei complementar de normas gerais (lei normativa), na qualidade de fundamento de validez das leis institutivas dos referidos tributos, aqui chamados de indiscriminados em contraposição aos impostos discriminados.396

A definição das hipóteses de incidência dos impostos discriminados na Constituição, segundo o art. 146, III, a, deve ser feita por meio de lei complementar.

Assim, definida a hipótese de incidência, por meio de lei complementar, em princípio, estão definidos os limites de incidência do respectivo imposto.

7.4.3.2 Da obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários

Essa alínea apenas explicita alguns dos assuntos que deverão constar da lei complementar de normas gerais tributária, os quais encontram-se, atualmente, disciplinados no CTN.

Deve-se ressaltar que a lista de assuntos que são entendidos como normas gerais tributárias, constante da Constituição, é uma lista exemplificativa (numerus apertus), ou seja, outras matérias tributárias de índole genérica poderão constar dessa lei complementar e deverão, igualmente, ser observadas por União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

396 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Controle de Constitucionalidade das leis e do poder de tributar na Constituição de 1988. Belo Horizonte: Del Rey, 1992, p.288.

Oportuno destacar que as considerações acima citadas serão analisadas em conformidade com a corrente funcional que se adote, dúplice ou tríplice, à lei complementar tributária.

No que tange ao tema, HELENO TORRES entende que compete ao Poder Legislativo federal, “na qualidade de legislador nacional, harmonizar os procedimentos de cobrança e fiscalização dos tributos, tratando de obrigação, lançamento e crédito”

por força do que determina o artigo 146, III, b, da Carta de 1988, além de “uniformizar os prazos de decadência e prescrição”397.

Para melhor desempenhar tal função, pode-se admitir que tão-somente a lei complementar dispense específicos tributos do regime geral, adotando prazos distintos.

7.4.3.3 Do adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.

Esse dispositivo traz a idéia de que uma lei complementar, que ainda não foi editada, estabeleça um tratamento tributário especial, provavelmente favorecido, aos atos próprios praticados pelas cooperativas.

É importante ressaltar que, consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal398, a Constituição não estabeleceu, por meio desse dispositivo, uma regra de imunidade para as cooperativas. Aliás, não existe nenhuma regra de imunidade tributária que seja especificamente aplicável às sociedades cooperativas.

No que tange à alínea em comento, MARCELO CARON BAPTISTA afirma que, dada a sua especificidade, a despeito das incorreções e impropriedades gramaticais, igualmente reporta-se “a assunto inserido no rol das ´limitações ao poder de tributar`”399.

REGINALDO FERREIRA LIMA, versando acerca da referida alínea, atesta que “veicula uma prescrição limitadora ao poder do legislador ordinário de tributar os

397 TORRES, Heleno Taveira. Ob. cit. p. xxvii

398RE 141.800-SP, Rel. Min. Moreira Alves, 1º.04.97.

399 BAPTISTA, Marcelo Caron. Ob. cit. p. 198.

fatos decorrentes da atuação em sociedade cooperativa, ou seja, os atos cooperativos privativos dessa modalidade associativa, que são típicos conforme prescrito em lei”400.

MARCELO CARON BAPTISTA entende que “ainda que reconheçamos se tratar de questão controvertida na doutrina, parece-nos que a alínea ´c` em exame se projeta efetivamente sobre o terreno das chamadas ´limitações constitucionais do poder de tributar`”. Para, ao final, concluir que:

Portanto, no espectro de abrangência das matérias relacionadas aos

´conflitos de competência` e às ´limitações constitucionais do poder de tributar`, poderá agir o legislador complementar, desde que de acordo com o sistema constitucional, inclusive para tratar dos assuntos relacionados nas alíneas ´a`, ´b` e ´c`, do inciso III, do artigo 146, da Lei Maior. Poderá, em tais hipóteses, expedir leis complementares que irão fundamentar a expedição de outras leis401.

E assim entende pois, segundo o autor, “o conteúdo normativo da disposição do artigo 146, conforme proposto, é o único que atende ao espírito da Carta de 1988, em especial aos primados da federação, da isonomia entre as pessoas políticas tributantes e da autonomia dos Municípios”402.

Nesse sentido, caberá à lei complementar o papel de fomentar, de modo harmonizado, adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas, mediante uso de normas gerais.

A despeito de a polêmica travada quanto ao papel da lei complementar em matéria tributária girar em torno da redação conferida aos incisos I, II e III do artigo 146 da Carta da República Federativa do Brasil em vigor, oportuno destacar que a alínea em tela está a se reportar à importância e o interesse social envolvido.

Isso porque, consoante ensina HELENO TORRES:

Qualquer tratamento tributário concedido em regime geral às cooperativas, na medida em que elas podem ter como objeto o fornecimento de bens ou a prestação de serviços, poderia implicar em afetação a tributos estaduais ou municipais, não se limitando aos tributos federais” razão pela qual “somente

400 LIMA, Reginaldo Ferreira. Direito Cooperativo Tributário, p. 65.

401BAPTISTA, Marcelo Caron. Ob. cit. p. 198.

402 Idem, p. 199.

lei complementar, na qualidade de veículo introdutor de normas gerais, teria o condão de estipular condições harmonizadas de tributação403.

Por força do raciocínio acima exposto, “a legislação preexistente, pertinente ao tratamento jurídico-tributário conferido ao ato cooperativo, ao ser alçada à condição de norma geral, somente poderá ser alterada por lei complementar, mas apenas naquilo que for de matéria tributária”404, sendo “vedada, contudo, a concessão de isenções (totais ou parciais) por esse meio, haja vista as limitações dos artigos 150, §6º e 151, III, da CF”405.

Corrobora essa tese, com análogo raciocínio, o julgamento da constitucionalidade da disciplina do ato cooperativo por leis estaduais. Em lapidar lição, discorre ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA que:

Com lei complementar ou sem ela, parece-nos evidente que as pessoas políticas devem dispensar ‘adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas’. Entretanto, é a própria Constituição, sistematicamente interpretada e aplicada, que determina em que consiste tal tratamento tributário adequado. O legislador complementar não está mais autorizado do que o legislador ordinário das várias pessoas políticas tributantes a captar, também nesse passo, o desígnio constitucional.406