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Da Terminologia adotada pelo Constituinte e sua relação com a função da Lei

6. DA LEI COMPLEMENTAR

6.5 Da Terminologia adotada pelo Constituinte e sua relação com a função da Lei

Se ocorrerem as hipóteses de invasão, pela lei complementar, da esfera de competência legislativa dos Estados-membros e Municípios ou de a lei ordinária dos Estados-membros e Municípios invadir o campo privativo da lei complementar, estaremos diante de atos inconstitucionais do Congresso ou das Assembléias Legislativas e Câmaras de Vereadores, conforme a hipótese.

Em todas essas hipóteses não se coloca o problema da revogação da lei complementar por lei ordinária ou vice-versa.230

Vê-se, pois, que a lei complementar não pode invadir a esfera de atribuições das leis ordinárias da União, sob pena de perda de sua natureza jurídica, seu status de lei complementar. Por conseguinte, a revogação da lei complementar ou da lei ordinária somente dar-se-á por meio de instituto legislativo idêntico, desde que, quando da edição da primeira, tenha-se atentado ao campo específico de atuação (material).

6.5 Da Terminologia adotada pelo Constituinte e sua relação com a função da Lei Complementar

No que tange ao termo “lei complementar”, primeiramente deve-se ressaltar que tal ato legislativo ora é definido pela função que desempenha, ora pela matéria sobre a qual versa.

230 BORGES, Souto Maior Borges. Ob. cit. p. 78.

Assim, sendo a lei qualificada como qualificada a partir de sua função, leva-se em consideração o leva-seu papel meramente integrativo do texto constitucional, ou leva-seja, quando restringir-se à tarefa de complementar os dispositivos constitucionais.

Em sendo definida a partir da matéria que disciplina, independentemente de sua função integrativa e complementar ao texto constitucional, cabe ao referido ato legislativo estabelecer regramento às matérias definidas na Carta Constitucional.

Nesse sentido, destaca-se a opinião de JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, para quem, por vezes, a lei complementar atuará como um ponto de integração entre as normas constitucionais e as demais normas infraconstitucionais; em outras hipóteses, exercerá uma função simplesmente normativa, que independe de qualquer manifestação legislativa superveniente e capaz, por si só, de atribuir maior eficácia às normas constitucionais, operando sobre “campos privativos” 231.

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, defende que, tanto no Direito Tributário quanto nas demais matérias em que a lei complementar é exigida pelo constituinte, tal veículo é mero explicitador da Carta Magna, não inovando, mas apenas esclarecendo e complementando as disposições constitucionais232.

Em igual sentido JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES conceitua o ato legislativo em comento a partir de lições de PINTO FERREIRA, senão vejamos:

O Prof. Pinto Ferreira ensina que, na acepção ampliativa, a lei complementar é toda aquela que completa uma norma constitucional não auto-executável.

(...) Nesse sentido ´amplo`, também chamado ´ontológico`ou ´doutrinário` - denominações igualmente imprecisas – lei complementar é toda aquela que

´complementa`a Constituição, independentemente de qualquer consideração formal ou de caráter procedimental, como é a do quorum especial ou qualificado para a aprovação da lei complementar, no regime da Emenda Constitucional nº 1, de 1969.233

Por sua vez, CELSO RIBEIRO BASTOS analisa a temática ora posta, concluindo não haver semelhança entre a lei que visa complementar outras que necessitem de integração e a espécie normativa batizada de complementar pela

231 BORGES, José Souto Maior. Ob. cit. p. 83.

232 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Sistema tributário na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 85.

233 BORGES, José Souto Maior. Ob. cit. p. 75.

Constituição, esta última se diferenciando da lei ordinária única e exclusivamente pela necessidade de quorum qualificado para a aprovação daquela234.

Consoante este jurista, trata-se de uma desafortunada sobreposição terminológica que tem como conseqüência desentendimentos doutrinários, os quais seriam evitados caso se atribuísse à lei complementar outra denominação.

E ainda, em se adotando tal postura, coexistiriam duas modalidades de lei complementar: a primeira, lei complementar propriamente dita, cuja tarefa seria a de complementar normas constitucionais de eficácia contida ou limitada235; a segunda, equivocadamente chamada de “lei complementar” pela Constituição, a quaL poderia perfeitamente ser conclamada de “lei especial”, diferenciando-se das leis ordinárias pelo aspecto formal definido para sua votação.

Por fim, com vistas a esclarecer a controvérsia em debate, vale colacionar a oportuna opinião de GERALDO ATALIBA, ainda que expressada durante a vigência da Constituição anterior, para quem o sistema jurídico pátrio não rejeitou a teoria das leis complementares, segundo a qual caberia a elas disciplinar os temas dispostos nas normas de eficácia contida ou limitada236.

No entanto, consoante referido autor, teria o legislador constituinte optado por determinar as matérias que seriam objeto de lei complementar, não se atribuindo ao legislador infraconstitucional tal responsabilidade.

234 BASTOS, Celso Ribeiro. Lei Complementar na Constituição. São Paulo: RT, 1971, p. 28.

235 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6a ed., São Paulo, Malheiros, 2003., obra em que define que normas de eficácia limitada são aquelas que, quando da elaboração da Lex Mater, têm apenas eficácia jurídica, ou seja, não possuem aplicabilidade na seara fática. O autor assevera que a norma de eficácia limitada têm aplicabilidade mediata ou reduzida, pois é cediço que no caso das normas de eficácia limitada, as normas constitucionais dependem de norma infraconstitucional para produzir efeito. A eficácia jurídica das regras de efeito limitado está em impedir que o legislador ordinário elabore leis que contrariem o disposto em corpo, mesmo que este corpo dependa de regra ordinária. Serão de princípio programático quando implementam política de governo a ser seguido pelo legislador ordinário, ou seja, traçam diretrizes e fins colimados pelo Estado na consecução dos fins sociais, como o previsto nos artigos 196; 205; 215; 218, caput etc. As normas de eficácia contida, por sua vez, da mesma forma que as normas de eficácia plena, têm aplicação imediata, integral e plena, entretanto, diferenciam-se pelo fato de o constituinte ter permitido que o legislador ordinário restrinja a aplicação da norma constitucional. Daí, a classificação utilizada por Michel Temer de normas de eficácia restringível e redutível, pois a regra posta na Lei Maior, poderá ter seu campo de atuação reduzido ou restringido pela lei comum. Frise-se, por oportuno, que enquanto não sobrevier a legislação ordinária regulamentando ou restringido a norma de eficácia contida, esta terá eficácia plena e total, já que nestes casos as normas de eficácia restringível apenas admitem norma infraconstitucional regulamentado-as.

Como exemplo de norma de eficácia contida temos o artigo 5o, incisos VII, VIII, XV, XXIV, XXV, XXVII, XXXIII; 15, inciso IV; 37, inciso I etc. da Constituição Federal.

236 ATALIBA, Geraldo. Lei Complementar: teoria e comentários. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 17.

De nenhuma censura, todavia, é a concepção adotada por SOUTO MAIOR BORGES, que em muito contribuiu com o estudo do tema, asseverando que:

A lei complementar tem por função – como o nome indica – complementar o sistema federal de governo, não a de emendar a Constituição. A sua edição decorre do exercício da atividade legislativa plenamente vinculada aos rígidos critérios constitucionais de repartição de competências legislativas.

(...)

Nem sempre as leis complementares são integrativas de normas constitucionais de eficácia limitada. Há leis complementares que podem ser aprovadas em decorrência de normas constitucionais de eficácia contida.237

Corroborando o entendimento esposado acima, quanto à geração de efeitos às normas de eficácia limitada ou contida, MARCELO CARON BAPTISTA atesta ser plenamente admissível a existência de normas constitucionais que necessitam de um instrumento capaz de ampliar-lhes a eficácia, em maior ou menor grau, viabilizando a sua plena aplicabilidade. Para o autor tal instrumento será sempre um ato normativo de natureza infraconstitucional238.

Outrossim, entende que, em muitos casos, o maior grau de eficácia da norma constitucional será alcançado diretamente pela lei ordinária; em outros, por meio de outros instrumentos introdutórios primários de normas jurídicas.

Isso porque, consoante se depreende das lições do referido autor, há situações para as quais a Constituição exige ou permite a edição de um instrumento normativo formalmente mais qualificado, a lei complementar.

Vale dizer, há casos em que a lei complementar assume caráter integrativo, os quais são taxados de excepcionais, ainda que indiretamente se relacionem ao conceito de “limitação constitucional ao poder de tributar”.

É o caso do disposto no artigo 153, VII239 da Carta Magna, que atribui à União Federal a competência para instituir impostos sobre grandes fortunas, desde que observados os limites e condições dispostos em lei complementar.

237 BORGES, Souto Maior Borges. Ob. cit. p. 55

238 BAPTISTA, Marcelo Caron. Ob. cit. p. 181/182

239 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

I - importação de produtos estrangeiros;

II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;

III - renda e proventos de qualquer natureza;

Isso significa dizer que “esse imposto poderá ser instituído pela União Federal, por meio de lei ordinária, desde que de acordo com as prescrições de prévia lei complementar”240.

Subentende-se que, para a instituição do imposto retro citado, há que haver prévia disposição em lei complementar, o que atribuí ao dispositivo caráter limitante à atividade do legislador ordinário, nos termos de JOSÉ AFONSO DA SILVA241.

Assim, em se adotando a corrente que define como complementar toda a lei que integra o texto constitucional, tem-se que o ato legislativo em referência tem por finalidade outorgar maior eficácia às normas constitucionais, nos casos expressa ou implicitamente previstos na Constituição, seja regulando exaustivamente a matéria correspondente ao seu campo privativo, seja servindo de fundamento de validade para outros instrumentos normativos.

IV - produtos industrializados;

V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;

VI - propriedade territorial rural;

VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar.

§ 1º - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.

§ 2º - O imposto previsto no inciso III:

I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei;

§ 3º - O imposto previsto no inciso IV:

I - será seletivo, em função da essencialidade do produto;

II - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores;

III - não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior.

IV - terá reduzido seu impacto sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte do imposto, na forma da lei.

§ 4º O imposto previsto no inciso VI do caput:

I - será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas;

II - não incidirá sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore o proprietário que não possua outro imóvel;

III - será fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal.

§ 5º - O ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial, sujeita-se exclusivamente à incidência do imposto de que trata o inciso V do "caput" deste artigo, devido na operação de origem; a alíquota mínima será de um por cento, assegurada a transferência do montante da arrecadação nos seguintes termos:

I - trinta por cento para o Estado, o Distrito Federal ou o Território, conforme a origem;

II - setenta por cento para o Município de origem.

240 BAPTISTA, Marcelo Caron. Ob. cit. p. 200.

241 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p.474.

ROQUE CARRAZZA defende que a expressão “lei complementar” pode ser tomada em dois sentidos, um lato, que agasalha todas as leis que completam normas constitucionais não auto-executáveis242, e outro sentido, que compreende as leis indispensáveis à plena eficácia de preceitos da Lei Maior, trazendo conteúdo (matéria) e processo de elaboração (forma) especiais.243

Nesse sentido e dentro da perspectiva do direito tributário, seria mais adequado tratar o Código Tributário Nacional como lei complementar destinada a possibilitar a executoriedade dos preceitos normativos constitucionais que, sendo amplos, necessitam de regramento que esteja mais próximo da vida e realidade social.

Assim, para ROQUE CARRAZZA, é nesse meio que serão traçados exaustivamente todos os aspectos da regra matriz de incidência tributária, os quais, a par de implícitos na Constituição, não se tornam executáveis antes de submetidos ao regramento complementar próprio. 244

A lição de ROQUE CARRAZZA esclarece tais premissas:

Deveras, normas constitucionais há que não abrigam todos os elementos indispensáveis à implementação da vontade nela contida. Esta, por assim dizer, recai sobre uma área muito mais ampla do que lhes permitem alcançar os elementos técnicos contidos em suas estruturas normativas. Ora, é exatamente por isso que Celso Bastos proclama: ´Este descompasso entre a vontade legal, que se vislumbra com uma determinada extensão, e os efeitos jurídicos produzidos, que lhe ficam aquém, este espaço carente de normatividade, é preenchível pela categoria normativa denominada lei complementar (em sentido ontológico)`(Elementos de Direito Constitucional, 1. ed. São Paulo, Educ/Saraiva, 1975, p. 121). Deste modo entendida,

242 A doutrina norte-americana, pioneira nessa classificação, tendo como mentor Cooley (FERREIRA, Pinto.Eficácia, in Enciclopédia Saraiva de direito, 1982, São Paulo, Saraiva, 1979, vol. 30, p. 164), distingue as normas constitucionais em:

a) Auto-executáveis (self-executing; self-enforcing; self-acting), se puderem executar o dever imposto, por fornecerem uma norma que possibilite a fruição e proteção do direito outorgado. Tratam-se de preceitos constitucionais completos, que não requerem nenhuma complementação por lei infraconstitucional. São preceitos constitucionais para os quais não será necessário designar uma autoridade, nem indicar processo especial. São disposições onde o direito instituído já contém em si os meios de execução. Daí advém a sua denominação de auto-executável. Por dispensarem quaisquer leis suplementares, têm aplicação imediata aos casos concretos.

b) Não auto-executáveis (not self-executing; not self-enforcing provisions ou not self-acting), se somente indicarem princípios, sem, contudo, estabelecerem normas que lhes dêem eficácia. Requerem, portanto, ação legislativa ulterior para sua efetivação; dependem de lei que as complementem, pois só depois dessa complementação legislativa podem ser executadas.

243 CARRAZZA, Roque Antônio. Ob. cit. p. 768.

244 Idem, p. 768.

podemos afiançar que qualquer lei é complementar na medida em que, sempre, de uma maneira ou de outra, completa dispositivos constitucionais.245

Tendo-se estabelecido as vertentes do debate travado acerca da terminologia empregada pelo legislador originário, verifica-se que o tema perpassa ora pela questão da função da lei complementar, ora pelo aspecto formal e material próprio do instituto.

Ocorre que, ao analisar os aspectos de forma e conteúdo da lei complementar, é comum que se conclua, equivocadamente, pela existência de suposta hierarquia da lei complementar em relação à lei ordinária.