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7. DA LEI COMPLEMENTAR EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

7.4 Dos Dispositivos Constitucionais afetos ao tema

7.4.1 Do artigo 146, I e dos Conflitos de Competência

Acerca da redação do dispositivo em tela, VITTORIO CASSONE assevera tratar-se de mera repetição de disposição da Constituição Federal de 1967, ainda que,

“num primeiro momento poder-se-ia dizer que nada há para dispor, pois as competências se acham delineadas no próprio texto constitucional. Contudo, o legislador sabe que, pela complexidade da matéria tributária, conflitos sempre podem haver, porquanto há situações que se localizam nas chamadas ´zonas cinzentas`"371.

No mesmo sentido, consoante SACHA CALMON, “embora a teoria das normas gerais situe bem a questão do compartilhamento de competências (verticalizadas) nos Estados federais, afirmando que a norma geral possui eficácia forçada, sempre sobrará uma zona cinzenta na delimitação das fronteiras objetivas das pessoas políticas.”372

Vale dizer, ainda que as competências se achem bem definidas na Constituição, o legislador achou por bem vincular possíveis conflitos à disciplina de lei complementar.

Não por acaso que SACHA CALMON definiu que a função da lei complementar na espécie é tutelar o sistema e visa a controlar, após a promulgação da Lei Maior, o sistema de repartição de competências tributárias, destacando o quanto segue:

Em princípio, causa perplexidade a possibilidade de conflitos de competência dada a rigidez e a rigorosa segregação do sistema, com impostos privativos e apartado por ordem de governo e taxas e contribuições de melhoria atribuídas com base na precedente competência político-administrativa das pessoas políticas componentes da Federação. Dá-se, porém, que não são propriamente conflitos de competência que podem ocorrer, mas invasões de competência, em razão da insuficiência intelectiva dos relatos constitucionais

371 CASSONE, Vittorio. Ob. cit. p. 31.

372 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Ob. cit. p. 309

pelas pessoas políticas destinatárias das regras de competências, relativamente aos fatos geradores de seus tributos, notadamente impostos.

(...)

A remoção do conflito pela edição de normas práticas, destinadas a solvê-lo mediante lei complementar, agiliza, em tese, a resolução do problema, mantendo incólume o sistema de repartição de competências, o que não significa ter a lei complementar in casu a mesma força de uma decisão judicial.

(...)

A lei complementar, nesta espécie, é regra de atuação direta, ou seja, não complementa nem contém dispositivo constitucional, faz atuar a Constituição, logo que surge a situação conflituosa, de modo a resguardar a discriminação das fontes de receitas tributárias instituídas na Lei Maior. É lei de resguardo da Constituição, com função tutelar. Mas não pode alterar a tal pretexto a própria Constituição.373

Assim é que a lei complementar que dirime, resolvendo os aparentes conflitos de competência, deve ser recepcionada obrigatoriamente pelas pessoas políticas.

É nesse horizonte que se pode afirmar que referida função da lei complementar confere maior segurança jurídica aos entes federativos dotados de competência tributária impositiva, bem como aos respectivos gestores e destinatários tributários.

Contudo, a hipótese atinente à possibilidade de a lei complementar dispor sobre conflitos de competência deve ser enfrentada com toda a cautela.

Respeitáveis doutrinadores debruçaram-se sobre o tema, mormente pelo fato de a própria Constituição da República Federativa do Brasil ter-se ocupado da tarefa de delimitar, precisamente, a competência tributária de cada um dos entes políticos, como já mencionado em tópico anterior.

Dentre os estudiosos referidos, destaca-se MARÇAL JUSTEN FILHO, segundo o qual “a Constituição, ao estabelecer a discriminação das competências tributárias, tornou impossível um conflito de competência tributária”374, com o que concordam, dentre outros, ROQUE ANTONIO CARRAZA, que entende que “resulta claro que, no plano lógico-jurídico, não há qualquer possibilidade de surgirem conflitos

373 Idem, p. 296/297

374 JUSTEN FILHO, Marçal. O imposto sobre serviços na constituição, p. 68.

de competência tributária”375 e FERNANDO ALBINO DE OLIVEIRA, ao atestar que

“logicamente o conflito não pode existir, pois a divisão rígida de competência o afasta, necessariamente”376.

E por tais precedentes, MARCELO CARON BAPTISTA entendeu que as conclusões acima citadas não merecem quaisquer críticas, na medida em que os conflitos serão, sob o prisma da Ciência do Direito, apenas aparentes377.

Neste diapasão, não se nega que, por vezes, a legislação tributária padece de impropriedades lingüísticas, mas tais defeitos ficam superados pela interpretação sistemática do ordenamento jurídico, ainda que esta nem sempre seja tarefa tranqüila.

No entanto, vale colacionar o registro de MARÇAL JUSTEN FILHO, para quem, a despeito da referência expressa do artigo 146, há casos de conflitos de competência em matéria tributária em que se admite, tão-somente, que a lei complementar possa tratar de “prevenção de conflitos de lei”, em casos concretos, decorrentes de leis editadas “por ignorância”, com invasão da competência de outra pessoa política378.

De modo enfático, HELENO TAVEIRA TORRES alerta que “poderá a União instituir normas gerais para evitar conflitos de competência entre as pessoas tributantes.

Mas, nesse caso, jamais poderá agredir a repartição constitucional de competências, pertinente ao federalismo e à autonomia dos municípios”379 razão pela qual o artigo 146, III, a, ao prever a criação de normas gerais para dispor sobre fatos geradores, entre outros aspectos, pressupõe a observância do que está disposto no sistema, no que tange à especificação dos limites do inciso I, tal como prevenir conflitos de competência entre as pessoas políticas.

No entanto, como bem assevera e alerta HELENO TORRES, a recíproca é verdadeira, uma vez que, a título de evitar conflitos de competência, não poderá a União dispor sobre outros aspectos que ultrapassem referidos limites, os quais podem

375 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito constitucional tributário, 9. ed. São Paulo:

Malheiros, 1997, p. 828.

376 OLIVEIRA, Fernando Albino de. Conflitos de Competência entre ICM e ISS, RDT n. 19/20, p. 161.

377 BAPTISTA, Marcelo Caron. Livro, p. 195.

378 JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. cit., p. 68

379 TORRES, Heleno Taveira. Op. Cit. p xxv

ser verificados não apenas entre pessoas políticas distintas, mas também entre Estados380 e entre municípios381.382

E é sob este prima que MARCELO CARON BAPTISTA ensina:

Não se nega que a autonomia das pessoas políticas, especialmente dos Estados-Membros, do Distrito Federal e dos Municípios, convive com a possibilidade da União editar leis complementares de âmbito nacional.

Entretanto, as disposições constitucionais que definem a isonomia entre as pessoas políticas – com a sua conseqüente autonomia, verdadeiro princípio constitucional sensível, para a qual concorre a competência tributária repartida – em confronto com aquelas contidas no artigo 146, de pronto despertam incompatibilidade que somente pode ser transposta pela interpretação sistemática da Constituição.383

A partir das lições da AMÍLCAR DE ARAÚJO FALCÃO, para quem a norma geral tem por objeto a correta atuação dos dispositivos e não a desobediência aos mesmos, pode-se depreender que “a função mais relevante da lei complementar consiste em delimitar o campo de atuação das competências impositivas” no entanto

“tal delimitação, não exclui a competência legislativa dos Estados para definir hipóteses de incidência, instituindo tributos, pois delimitar é fixar os limites dentro dos quais a competência poderá ser exercida”.384

Nesse sentido, reiterando a assertiva de que todas as competências tributárias são previstas na Constituição Federal, cabe destacar que "a pessoa política não pode usurpar competência tributária alheia, nem aquiescer que sua própria competência tributária venha a ser utilizada por outra pessoa política”385.

É dizer, pode-se enxergar o conflito de competência como uma verdadeira afronta a um direito outorgado privativamente a terceiros.

A par das considerações esposadas, vale a transcrição dos dizeres de JOSÉ DE MESQUITA LARA, citado na obra de SACHA CALMON, senão vejamos:

380 A exemplo do que ocorre com o disposto no artigo 155, §2º, XII e 155, III.

381 A exemplo do que ocorre com o disposto no artigo 156, III.

382 Idem, p. xxvi.

383 BAPTISTA, Marcelo Caron. Ob. cit. p. 193.

384 Citado por SOUZA, Hamilton Dias de., em artigo “Lei complementar em matéria tributária” do livro coordenado por MARTINS, Ives Gandra da Silva. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Centro de Estudos de Extensão Universitária, 1982. p. 29-59.

385 CARRAZZA, Roque Antonio. Ob. cit. p.301.

Um exame histórico revela que as soluções constitucionais para a composição de conflitos intrafederativos de competência sempre deixam a desejar. São imperfeitas as fórmulas de se enumerarem as matérias de competência da União e de se deixar o resíduo aos Estados, depois de subtraído das matérias de interesse do município, ou de se arrolarem as matérias dos Estados, deixando o resíduo à União, depois de diminuído da parte do Município: é falha também a solução de certas matérias ficarem promiscuamente na competência comum de todas as entidades, com o prevalecimento, no caso de contradição, do direito federal sobre o estadual e o municipal e do estadual sobre o municipal.386

A título de ilustração, cita-se a situação em que se sugere que lei complementar deverá definir determinados conceitos, tais como de zona rural e de zona urbana, distinguindo-as para fins de incidência do ITR e IPTU, a fim de evitar conflitos de competência.

Por fim, pode-se afirmar que, ao delimitar rigidamente o âmbito de competência de cada uma das entidades tributantes da Federação, a Constituição impediu a ocorrência de conflitos de competência verdadeiros no plano lógico.

Qualquer conflito de competência que venha a ocorrer entre as pessoas políticas será um conflito aparente e encontrará solução na correta interpretação das regras e princípios do próprio texto constitucional. Cabe à lei complementar tão-somente aclarar ou explicitar o sentido de alguns destes princípios e normas, sempre respeitando o princípio federativo, e estabelecer os critérios a serem utilizados para a solução dos conflitos aparentes.