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2.4.1 Do sistema aberto

Primeiramente, há que se delinear as diferentes utilizações lingüísticas atribuídas à expressão “abertura”, tarefa essa desempenhada com muita clareza por CANARIS, para quem deve-se dissociar a abertura referente à diferença entre uma ordem jurídica construída casuisticamente e apoiada na jurisprudência e uma ordem dominada pela idéia da codificação; a diferença de abertura e fechamento que encontra suporte na capacidade de evolução e modificabilidade do sistema55.

Nesse contexto, referido autor dissocia a abertura do sistema científico em oposição à abertura do sistema objetivo, de modo que o primeiro se reporta às proposições doutrinárias da Ciência do Direito e sua provisoriedade, ao passo que a segunda faz menção à modificação da ordem jurídica posta, enquanto fenômeno histórico mutável.

Assim, vale a transcrição dos ensinamentos de CLAUS–WILHELM CANARIS:

O sistema científico modifica-se quando tenham sido obtidos novos ou mais exatos conhecimentos do Direito vigente ou quando o sistema objetivo ao qual o científico tem de corresponder, se tenha alterado; o sistema objetivo modifica-se quando os valores fundamentais constitutivos do Direito vigente se alterem. Em conseqüência, o sistema científico está em estreita dependência do objetivo e deve mudar-se sempre com este, enquanto o sistema objetivo, pelo seu lado, não é influenciado por modificações dentro do científico.56

Vale dizer, para os adeptos da abertura do sistema científico, há que considerar como premissas a incompletude e a provisoriedade do conhecimento científico, posto que a modificação do sistema é uma realidade a ser considerada face à obtenção de novos e mais exatos conhecimentos e métodos no Direito vigente.

55 CANARIS, Claus Wilhelm. Ob. cit. p. 45.

56 Idem, p. 112.

Partindo-se de tal pressuposto, a abertura do sistema objetivo representa a possibilidade de aperfeiçoamento do sistema com modificação de seus princípios constitutivos, fundamentais, modificação esta que se dá mediante um processo paulatino e contínuo.

Para JUDITH MARTINS-COSTA, o sistema jurídico é relativamente aberto, ou como denominado por ela, “relativamente auto-referente”, como segue:

A auto-referência relativa indica o modelo de sistema que, embora guardando as propriedades fundamentais da reunião dos elementos que o compõem, da relação ordenada entre estes (e daí a idéia da ordem) e unidade entre elementos – e não a mera justaposição, porque os elementos supõem uma certa identidade, caracterizada em especial sob o aspecto da não-identidade com o que está fora do sistema – permite a contínua absorção dos dados e elementos que estão às suas margens, promovendo, em relação a estes, uma permanente ressistematização.57

No que tange ao sistema jurídico pátrio, poder-se-ia admitir tratar-se de sistema jurídico aberto, primordialmente imóvel, mas com áreas de mobilidade, que permitem o conhecimento das circunstâncias do caso concreto, sua ponderação de acordo com número e o peso, sem que existe hierarquia entre elas.

Importante ressaltar que, especificamente quanto à Carta Constitucional pátria, conquanto seja um elemento sistêmico harmônico, não traduz uma completude plena de seus dispositivos no ordenamento, posto que é, fundamentalmente, um sistema aberto de regras e princípios, denotando, assim, a impossibilidade de compreender-se o sistema constitucional de forma fechada, completa.

Isso porque as lacunas existem, lembrando que os aspectos valorativos e a realidade conjuntural, a todo momento, impõem um redimensionamento dinâmico de seus valores, não se podendo tratá-los de forma estática, o que, sem dúvida, torna a Constituição um sistema aberto de normas e princípios.

Por esta razão é pertinente concluir que o sistema jurídico constitucional configura-se aberto justamente porque necessita, para sua aplicabilidade, de se inter-relacionar com a realidade fática, estando propenso às mudanças históricas e

57 MARTINS-COSTA, Judith. Ob. cit. p. 275, nota de rodapé.

valorativas, pois não é a constituição um fim em si mesmo, fechada às estruturas de interpretação dialógicas.

Também não poderia um sistema constitucional ser meramente principiológico, dotado apenas de pautas direcionadoras das condutas, de princípios que são dotados de conceitos jurídicos indeterminados no mais das vezes, o que, apesar de possibilitar o contra-balanceamento de valores, tornaria a segurança jurídica um fenômeno quase inexistente.

Ato contínuo, um modelo ou sistema constituído exclusivamente por regras conduziria a um sistema jurídico de limitada racionalidade prática. Exigiria uma disciplina legislativa exaustiva e completa – legalismo –do mundo e da vida, fixando, em termos definitivos, as premissas e os resultados das regras jurídicas.

Nesta esteira, oportuno destacar o entendimento de CANARIS, para quem:

Há na própria idéia de Direito um elemento imanente contrário a sistema, e designadamente, a chamada “tendência individualizadora” da justiça que contracenando com o pensamento sistemático – assente na “tendência generalizadora” – tem como conseqüência o surgimento de normas que a priori se opõem à determinação sistemática. ‘Quebras no sistema” e “lacunas no sistema” são, por isso, inevitáveis.58

Por derradeiro e não menos importante, deve-se alertar ao fato de que a abertura não se confunde com eventual mobilidade do sistema, de modo que, este último atributo refere-se tão somente à possibilidade de substituição mútua entre princípios ou critérios de igualdade de categoria idêntica, ou seja, mediante a ausência de hierarquia entre os elementos.59

Ainda, cabe destacar que, pelo que fora acima exposto, tanto o sistema de proposições doutrinárias (científico) como o sistema da ordem jurídica (objetivo ou positivo) são abertos, de modo que no primeiro está-se a reportar à incompletude do conhecimento científico e no segundo à mutabilidade dos valores jurídicos fundamentais.

58 CANARIS, Claus- Wilhelm, Ob. cit. p. 199.

59 Claus-Wilhelm Canaris cita que o mentor da expressão “mobilidade” em relação apartada da figura da abertura do sistema é o autor Wilburg, para quem a mobilidade do sistema é muitas vezes confundida com a sua abertura, interpretação esta não recomendável.

2.4.2 Do sistema Jurídico fechado

No curso do desenvolvimento das teorias jurídicas, especialmente nos países que adotaram o sistema da civil law, o método dedutivo de concepção do sistema jurídico passou a ser mais realçado e valorizado.

Isto se deu, principalmente em razão da teoria do positivismo jurídico, influenciado pela famosa obra de HANS KELSEN, a Teoria Pura do Direito, que valorizou a concepção formalista do Direito e introduziu a conhecida “pirâmide kelseniana” , a qual colocava no topo dela as normas mais gerais como sendo as de maior hierarquia e na base da pirâmide a norma individual e concreta que seria a sentença judicial, sendo que cada norma retirava seu fundamento de validade na norma hierarquicamente superior.

Ocorre que, pela visão dos radicalistas positivistas, objetivou-se formalizar o Direito e valorizar o viés dedutivo, o que culminou com o advento da Escola de Exegese, que propugnava pelo sistema fechado, no qual o juiz é escravo da lei e os casos concretos são decididos exatamente da forma prevista pelas normas jurídicas gerais e abstratas que continham precisão de conceitos.

A intenção de se preconizar a existência de um sistema jurídico plenamente fechado era a de estabelecer a segurança jurídica, evitando-se o cometimento de arbitrariedades pelo juiz, o qual deve ser “escravo da lei”.

Dentre as principais características do pensamento que adota o sistema jurídico como hermético, pode-se citar a) a rígida estrutura formal do sistema; b) hierarquia de normas jurídicas, sendo que a norma retira seu fundamento de validade na norma hierarquicamente superior; c) a norma mais geral e abstrata possui maior hierarquia do que a norma individual e concreta; d) o juiz atua como “boca da lei”, executando a subsunção do fato concreto à norma jurídica posta, e, principalmente e) rigidez semântica dos termos empregados nas normas jurídicas, a fim de que a norma possua apenas uma interpretação possível.