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6. DA LEI COMPLEMENTAR

6.1 Do Histórico no Direito Brasileiro

No empenho de elucidar os campos de atuação da lei complementar tributária, JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES buscou desvendar as raízes do instituto genérico “lei complementar” sustentando que:

Segundo autorizada doutrina a lei complementar, com a eficácia característica de superioridade formal relativamente às outras leis, dada pelo quorum especial e qualificado de votação insinuou-se no direito brasileiro por meio da Emenda Constitucional n. 4/61, que instituiu o efêmero regime parlamentar de governo e cujo art. 22 dispunha:

212 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Ob. cit. p. 207.

213 BORGES, José Souto Maior. Ob. cit. prefácio.

214 TORRES, Heleno Taveira. Ob. cit. p. xxi/xxii

‘Poder-se-á completar a organização do sistema parlamentarista de governo ora instituído mediante leis votadas nas duas Casas do Congresso Nacional, pela maioria absoluta dos seus membros`.215

No entanto, há que se frisar, desde logo, que, naquela época, a lei complementar a que se reportava o legislador não tinha o condão de ser qualificado como instituto nos moldes formais atualmente conhecidos, ou seja, a figura originária da lei complementar a que se referia o texto constitucional ligava-se tão-somente à possibilidade de se complementar a organização do sistema parlamentar de governo mediante leis votadas, nas duas Casas do Congresso Nacional, pela maioria absoluta dos seus membros.

Especificamente quanto ao ato legislativo denominado Lei Complementar, NELSON DE SOUSA SAMPAIO afirma que, na história constitucional brasileira, a noção de lei complementar é mais antiga do que o adjetivo propriamente dito216.

Isso porque, o qualificativo usado outrora era orgânica – lei orgânica - que já aparece na Constituição de 1891, em seu artigo 34, e na de 1934, em seu artigo 39.

Posteriormente, com o advento da Constituição de 1946, a preferência passou a ser pelo termo complementar, embora não inscrito no texto constitucional, uma vez que o Congresso Nacional, em pretensão apressada, teria criado uma “Comissão Mista de Leis Complementares”.

Com a Emenda Parlamentarista de 1961 surge a consagração constitucional da idéia, no seu art. 22, em que se consignou o verbo complementar e não o adjetivo, nos seguintes termos: “Poder-se-á complementar a organização do sistema parlamentar do governo ora instituído, mediante leis votadas, nas duas Casas do Congresso Nacional, pela maioria absoluta dos seus membros”.

Diante do disposto no Ato Institucional nº 2, o adjetivo ingresso no Direito Positivo pátrio, pela competência dada ao Presidente da República para “baixar atos complementares” àquele Ato, teriam se colocado acima dos simples decretos-leis, oriundos da mesma fonte.

215 Idem, p. 01.

216 SAMPAIO, Nelson de Sousa. O Processo Legislativo. 2.ed./ ver. e atual. Por Uadi Lamêgo Bulos.

Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 65.

Para NELSON DE SOUSA SAMPAIO, “essa posição hierárquica foi proclamada pelo art. 173, III, da Constituição de 1967, onde se aprovam e se excluem de apreciação judicial ´os atos de natureza legislativa expedidos com base nos Atos Institucionais e Complementares`”217.

Consoante preceito da Emenda Constitucional nº 17, de 1965, art. 6º, §8º, estampou-se a expressão completa “leis complementares”, no entanto, sem conferir a estas nenhuma diferenciação formal. Pelo contrário, o citado parágrafo prescrevia, paradoxalmente, uma tramitação mais rápida para os seus projetos, dispondo que eles só poderiam receber emendas perante as comissões.

Com a Emenda Constitucional nº 4, de 1961, ainda se podia discutir se as leis votadas por maioria absoluta, para complementar o governo de gabinete, situavam-se acima das leis ordinárias. Isso porque o conteúdo daquelas não bastava para essa conceituação, pois, desde 1891, as leis orgânicas, que teriam objetivo de complementar a Constituição, não se reputavam possuidoras de tal privilégio.

No regime constitucional de 1946, alguns projetos de leis estaduais dependiam, para aprovação, de maioria absoluta ou de dois terços da Assembléia, sem que isso as guindasse acima das leis ordinárias. No próprio parágrafo único do art. 22 da citada emenda parlamentarista, estipulou-se que a legislação delegada poderia ser admitida pelo voto da maioria absoluta das duas Casas do Congresso Nacional, cujo ato tinha a forma de decreto legislativo, consoante o art. 30 da Lei Complementar nº 1/62.

Com o advento da Constituição de 1967, mais precisamente em seu art.

106, §1º, exigia-se maioria absoluta para votação das leis que criam cargos nas secretarias dos Tribunais federais ou das Casas do Congresso.

Diante do quadro histórico ora delineado, pode-se afirmar que a disciplina constitucional conferida ao instituto da lei complementar foi aprimorada, mormente após o advento da Carta Constitucional de 1988 e com o auxílio da Ciência do Direito, estabelecendo-se sua função e as matérias que se submeteriam ao crivo do legislador complementar.

217 SAMPAIO, Nelson de Sousa, Ob. cit. p. 67.

Nesse contexto atual, a caracterização de lei complementar vincula-se às imperativas adequações de forma e de conteúdo, de modo que, diante da falta de um desses pressupostos não há de se considerar determinado instrumento legal como lei complementar.

Com base em tais assertivas, pode-se conduzir à conclusão de GERALDO ATALIBA, para quem "a lei complementar fora de seu campo específico – que é aquele expressamente estabelecido pelo constituinte – nada mais é que lei ordinária." 218.

A lei complementar tem, nos termos do que preceitua PONTES DE MIRANDA, “limites de fundo e limites de forma”219, entendendo-se pelo primeiro aqueles estabelecidos dentro do campo material previamente delimitado pela Constituição, ao passo que esses se referem ao quorum qualificado que deve ser observado para sua votação no Congresso Nacional.

JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, ao tratar do regime jurídico da lei complementar, aduz:

Sem que sejam conjugados dois requisitos constitucionais – quorum especial e qualificado – mais o âmbito material de competência legislativa próprio – não há lei complementar no direito constitucional brasileiro. Haverá, quando muito, lei ordinária da União (observância do quorum e inobservância do âmbito material de validade da lei complementar, contido não obstante a ato legislativo dentro do campo de lei ordinária da União) ou lei complementar material, viciada de inconstitucionalidade formal ou extrínsica (inobservância do quorum e observância do âmbito material de cabimento da lei complementar.220

Do manifesto acima conclui-se que lei complementar votada obedecendo-se o quorum qualificado mas fugindo do âmbito material de validade será, na verdade, uma lei ordinária da União. Do mesmo modo, lei complementar versando acerca de tema que lhe é própria mas sem obedecer ao quorum qualificado é viciada por inconstitucionalidade formal.

218 ATALIBA, Geraldo. Lei Complementar na Constituição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1971; p. 47.

219 MIRANDA, Pontes. Comentários à Constituição de 1946. Rio de Janeiro: Borsoi, 1962, t. VIII, p.

180.

220 BORGES, José Souto Maior. Ob. cit. p. 72.

Em sendo assim, dada a relevância da dissociação do aspecto material e formal do instituto legislativo em tela, passa-se à análise de cada qual nos tópicos seguintes.

6.2 Do Aspecto Formal

Promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil em 1988, esta estabeleceu, em seu artigo 59 inciso II221, que as leis complementares fazem parte do processo legislativo, ao lado das emendas constitucionais assim como das leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções.

Especificamente quanto às leis complementares, a exemplo do que ocorre com as leis ordinárias, tratam-se de atos normativos de iniciativa de qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, do Congresso Nacional, do Presidente da República, do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores, do Procurador-Geral da República ou dos cidadãos, consoante previsão no artigo 61222 da Carta da República Federativa do Brasil em vigor.

221 Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:

I - emendas à Constituição;

Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.

222 Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;