• Nenhum resultado encontrado

6. DA LEI COMPLEMENTAR

6.6 Da Hierarquia da Lei Complementar

6.6.1 Do conceito de Hierarquia e sua implicação jurídica

6.6.1.1 Da Hierarquia Formal da Lei Complementar

No empenho de delimitar as correntes doutrinárias acerca da hierarquia da lei complementar face à legislação ordinária, convém apontar alguns dos autores, bem como seus respectivos argumentos, que ora defendem, ora repugnam o argumento de superioridade formal das espécies legislativas em tela.

Neste diapasão, nos termos dos ensinamentos de MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “conforme lição de Maximiliano, deve-se sustentar que a lei complementar encontra-se em posição de hierarquia entre a lei ordinária e a Constituição, no mesmo sentido do que defendia Pontes de Miranda nos seus Comentários à Constituição de 1967.”260.

No intuito de justificar a razão pela qual entende ser a lei complementar hierarquicamente superior à lei ordinária, MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO afirma que:

A lei complementar só pode ser aprovada por maioria qualificada, a maioria absoluta, para que não seja, nunca, o fruto da vontade de uma minoria ocasionalmente em condições de fazer prevalecer sua voz. Essa maioria é assim um sinal certo da maior ponderação que o constituinte quis ver associada ao seu estabelecimento. Paralelamente, deve-se convir, não quis o constituinte deixar ao sabor de uma decisão ocasional a desconstituição daquilo para cujo estabelecimento exigiu ponderação especial. Aliás, é princípio geral de direito que, ordinariamente, um ato só possa ser desfeito por outro que tenha obedecido à mesma forma. 261

Ao final, atesta que da inserção da lei complementar entre a Constituição e a lei ordinária decorrem conseqüências inexoráveis e óbvias, quais sejam, a de que a lei

259 BAPTISTA, Marcelo Caron, Ob. cit. p. 183/187

260 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Ob. cit. p. 203.

261 Idem, p. 208.

complementar não pode contradizer a Constituição e a de que a lei ordinária está sujeita à lei complementar.

Acerca do tópico em voga, vale a citação de NELSON DE SOUSA SAMPAIO, cujo entendimento é no sentido de ser “discutível que as leis votadas por maioria absoluta, para complementar o governo de gabinete, se situavam acima das leis ordinárias porque o conteúdo não bastava para essa conceituação e a maioria absoluta exigida para a aprovação também não seria suficiente para coloca-las naquele plano”262.

Aliás, como bem subscreveu SOUTO MAIOR BORGES, “a opinião da Comissão de Reforma sobre a posição da lei complementar, tida como hierarquicamente superior a das leis ordinárias, não constitui um argumento definitivo.

Só a interpretação sistemática da Constituição federal em vigor poderá confirmar ou infirmar a conclusão pela superioridade formal da lei complementar, tal como penetrou no direito brasileiro”263.

Interessante destacar que foi esse último autor que concebeu uma classificação das leis complementares sob o prisma exclusivamente material, distinguindo-as em dois grupos.

O primeiro deles se refere às leis complementares que fundamentam a validade de atos normativos, tais como leis ordinárias, decretos legislativos e convênios;

ao passo que o segundo reporta-se às leis complementares que não fundamentam a validade de outros atos normativos ressalvando que não parece viável, fora dessa perspectiva, uma classificação das leis.

Consoante se depreende da obra consultada, JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES não concebia uma possível hierarquia formal superior da lei complementar em confronto com a lei ordinária, uma vez que, para tanto, seria necessário que aquela determinasse ou o processo de criação desta última ou apenas o órgão competente para desempenhar a atividade legislativa ordinária.

Ocorre que, com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, permitiu-se a subsunção da classificação quanto ao aspecto formal,

262 SAMPAIO, Nelson de Sousa. Ob. cit. p. 37.

263 BORGES, José Souto Maior. Ob. cit. p. 5.

uma vez que passou-se a exigir a observância de formas técnicas e procedimentos para o processo legislativo.

Nos bem claros termos de MARCELO CARON PABTISTA, foi a partir de tal momento que “a doutrina detecta questões que merecem discussão, tendo como fundamento eventual hierarquia formal da lei complementar em detrimento aos demais instrumentos infraconstitucionais primários introdutórios de normas jurídicas, ressalvando-se que interessa ao presente estudo a comparação em relação à lei ordinária”264.

O supra citado autor enumera os principais argumentos dos quais se valem os juristas, ora fundamentando-se na posição topográfica em que se encontra a lei complementar no texto constitucional (redação do artigo 59); ora em função do quorum qualificado exigido para a sua edição em detrimento do quorum simples exigido à lei ordinária; ora em função da redação do parágrafo único do artigo 59 da Constituição da República Federativa de 1988 que se reporta à edição, superveniente, de lei complementar, que disporá acerca dos requisitos procedimentais para a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis, da qual resultou a edição da Lei Complementar nº 95, de 26/02/1998, posteriormente alterada pela Lei Complementar nº 107, de 26/04/2001.

Todavia, nenhum dos dois primeiros itens supra arrolados são suficientes, em conjunto ou isoladamente, para atestar a existência de superioridade hierárquica formal da lei complementar em relação à lei ordinária.

Isso porque, consoante ensina MARCELO CARON BAPTISTA, está-se diante de mero dado geográfico, sem qualquer relevância jurídica, uma vez que a interpretação do texto constitucional deve-se dar a partir do método científico-sistemático265.

Vale dizer, o excessivo apego à literalidade e signos, apartados, prejudica uma perfeita análise de um enunciado prescritivo.

No que tange ao argumento atinente ao maior rigor do quorum exigido à edição da lei complementar, assevera referido autor que “também não há que se falar

264 BAPTISTA, Marcelo Caron. Ob cit. p. 184

265 Idem, p. 184.

em hierarquia formal da lei complementar em razão apenas dos requisitos de quorum qualificado para a sua edição, embora isso a destaque das demais espécies legislativas. Tal exigência, por si só, nada esclarece sobre a questão da hierarquia, por ser apenas um traço de distinção, e não de fundamentação de validade, de natureza formal, entre a lei complementar e os demais instrumentos infraconstitucionais primários introdutores de normas”266.

Em sentido contrário, defende HAMILTON DIAS DE SOUZA, que a lei complementar, por se tratar de instituto legislativo com quorum especial e mais rigoroso, é hierarquicamente superior às leis ordinárias. Para o autor, a hierarquia resulta da conjugação da forma especial ao conteúdo específico267.

Por derradeiro, no entanto, no que tange à redação do parágrafo único do artigo 59 do texto constitucional, MARCELO CARON BAPTISTA ensina que “é certo que a Lei Complementar nº 95/98, por impor parâmetros formais ao quais o legislador federal está irremediavelmente vinculado, possui hierarquia formal superior em relação a qualquer outra lei infraconstitucional, inclusive em relação a outras leis complementares”268.

No mesmo sentido, PAULO DE BARROS CARVALHO assevera que “é a consagração da superioridade hierárquica formal dessa espécie do processo legislativo, com relação às previstas nos outros itens”269.

Vale destacar que, adotando-se o entendimento supra, nenhuma outra lei, seja ela da natureza que for, e nem mesmo as que eventualmente venham a alterar a disciplina conferida à matéria veiculada pela própria Lei Complementar nº 95/98, excetuam-se da submissão formal aos termos da lei prevista no parágrafo único do artigo 59 da Constituição de 1988.

Para MARCELO CARON BAPTISTA, em referência à lei superveniente que venha a alterar as exigências e condições impostas pela lei vigente e editada para atender ao parágrafo único do artigo 59, defende que “mesmo essa nova lei

266 Idem, p. 185.

267 SOUZA, Hamilton Dias de. em artigo “Lei complementar em matéria tributária” do livro coordenado por MARTINS, Ives Gandra da Silva. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Centro de Estudos de Extensão Universitária, 1982. p. 29-59.

268 BAPTISTA, Marcelo Caron. Ob. cit. p.185.

269 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito tributário, p. 209.

complementar, para que possa ser tida como juridicamente válida, e assim alterar materialmente a de nº 95/98, deverá respeitar, do ponto de vista formal, as determinações desta”270.

Segundo o autor, até mesmo as emendas constitucionais editadas posteriormente à vigência da Lei Complementar nº 95/98 se submetem, quanto aos requisitos formais, às suas prescrições, já que o enunciado do referido artigo 59, parágrafo único da Carta Constitucional se refere a todos os tipos de instrumentos normativos decorrentes da função legiferante do órgão competente. Vale lembrar que, como bem constatado pelo autor, o inciso I do artigo 59 faz expressa menção às emendas constitucionais.

Por fim, conclui-se que, no vigente sistema constitucional, somente se pode falar em eventual hierarquia formal, na esfera do processo legislativo federal lato sensu, em se tratando da Lei Complementar nº 95/98, com a redação que lhe deu a Lei Complementar nº 107/01.

No entanto, deve-se destacar que a mesma superioridade formal não é regra extensiva aos Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, ao menos que suas respectivas Constituições e Leis Orgânicas estabelecem regramento semelhante ao âmbito federal.

Assim, pode-se concluir, objetivamente, que inexiste hierarquia formal entre lei complementar e lei ordinária, salvo na hipótese versada pela Lei Complementar a que se refere o artigo 59 da Carta Magna em vigor. Outrossim, que a posição topográfica dos atos legislativos no corpo do texto constitucional não é critério para o reconhecimento de suposta hierarquia.