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3. DA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA

3.3 Dos Processos Hermenêuticos

Dentre as diferentes espécies de processos hermenêuticos, optar-se pelo estudo e elaboração de digressões acerca de tão-somente dois deles, quais sejam, do processo literal e do processo sistemático, posto que se mostram de maior relevância ao formulação de considerações atinentes ao tema que se pretende analisar.

3.3.1 Do Processo Literal

É fato incontroverso à grande parte dos cientistas do Direito que a investigação científica não alcança a finalidade almejada se prender-se ao estrito teor das palavras do texto sobre a qual se debruça, posto que o resultado da atividade seria parcial e não retrataria um verdadeiro estudo.

Assim, o método que se esgota na expressão literal dos dispositivos tem merecido grandes críticas da doutrina.

Para JUAREZ FREITAS, “qualquer norma singular só se esclarece plenamente na totalidade das normas, dos valores e dos princípios jurídicos. Isolada, por mais clareza que aparente ter o seu enunciado, torna-se obscura e ininteligível”70.

Com efeito, a chamada interpretação literal é apenas uma das fases de toda a atividade hermenêutica no âmbito do direito.

70 FREITAS, Juarez. Ob. Cit. p. 16.

Importante mencionar, ainda, que o princípio da legalidade não pressupõe a limitação da análise aos termos, à expressão literal, do dispositivo sobre o qual se debruça, razão pela qual JUAREZ FREITAS afirma que:

Ainda quando se prescreva, em determinadas matérias, permaneça o intérprete jungido à literalidade, também uma semelhante prescrição tem que ser interpretada sistematicamente e, por conseguinte, de molde a fazer com que o seu comando se relativize pela subordinação inteligente sobretudo aos princípios fundamentais do sistema jurídico, sem que deixe de entender o seu significado restritivo, às normas e aos valores do sistema, captado em seu âmago.71

Diante do exposto, forçoso concluir que a tarefa interpretativa que se pauta na literalidade dos dispositivos normativos deve se constitui um ponto de partida e não um fim em si mesmo.

3.3.2 Do Processo Sistemático

Considerando que a idéia de sistema pressupõe uma ordenação axiológica, uma adequação valorativa de princípios gerais de Direito, que lhe dão unidade interna, o argumento sistemático implica capacidade de derivação valorativa, o que, para CANARIS, significa derivação não no sentido de dedução lógica mas de ordenação valorativa72.

A interpretação sistemática ocupa assim um lugar firme entre os cânones da interpretação jurídica.

Assim, na hipótese de a atividade do intérprete da norma não preservar a unidade e a adequação valorativa no processo de obtenção do Direito, restarão ofendidos os alicerces do sistema jurídico, razão pela qual CANARIS73 entende que não há interpretação sem considerar o sistema como um todo, contexto em que cita as lições de HARTMANN, para quem o modo de pensar sistemático parte do todo.

71 JUAREZ, Freitas, Ob. cit. p. 54.

72 CANARIS, Claus Wilhelm. Ob. cit, p. 153.

73 Idem, p. 172.

Especificamente quanto ao tema, na obra “Interpretação Sistemática do Direito”, JUAREZ FREITAS afirma:

A interpretação sistemática do Direito tem por objeto o sistema jurídico na sua condição de totalidade axiológica, convindo recordar que, mesmo na tradição romano-germânica, o Direito é maior do que o conjunto das normas jurídicas, tanto em significado quanto em extensão. A interpretação sistemática não sucede nem antecede o Direito: é contemporânea dele.

Empresta-lhe vida e dinamicidade. O conteúdo jurídico, por força de sua natureza valorativa, transcende o mera e esparsamente positivado. Neste caso, a legalidade faz as vezes de um valiosíssimo princípio, que experimenta sentido justamente na correlação com os demais princípios.

Pensar o Direito apenas como um conjunto de normas é subestimar a complexidade e a riqueza do fenômeno jurídico. Por este viés, mesmo diante das mais rígidas disposições, a interpretação sistemática haverá de ser apresentada em novos e profícuos termos, em sua dimensão hierarquizadora e finalística em face das características essenciais do Direito objetivo, notadamente a abertura e a vocação teleológica para a unidade.74

Vale destacar, desde já, que a interpretação sistemática pressupõe a concretização de fases exegéticas prévias, tais como o uso do processo literal-gramatical, a interpretação autêntica, histórica, lógica, teleológica e outras, posto que se tratam de diferentes momentos de uma mesma atividade em busca do conhecimento.

Tanto é assim que JUARES FREITAS assevera que:

A hermenêutica jurídica da chamada ordenação sistemática, a qual decididamente não pode ser confundida com um mero elemento ou método interpretativo, porque somente uma exegese que realize tal ordenação é capaz de estabelecer o alcance teleológico dos dispositivos, realizando o mister de harmonizar os comandos, de sorte a resguardar e a manter a unidade em meio à multiplicidade axiológica.

Em outras palavras, não se pode considerar a interpretação sistemática como um processo, dentre outros, da interpretação jurídica. É pois, a interpretação sistemática o processo hermenêutico, por essência, do Direito.

(...) Neste sentido, é de se afirmar, com os devidos temperamentos, que a interpretação jurídica é sistemática ou não é interpretação.75

74 FREITAS, Juarez. Ob. cit. p. 15.

75 Idem. p.47.

Ocorre que, mesmo tendo sido a utilização da interpretação sistemática a mais adequada para alcançar o verdadeiro sentido e extensão da norma, há que se atentar que a mesma encontra limites de ordem material, uma vez que “realizar uma interpretação sistemática não é poder tudo, mas é poder à luz do Direito sem apreço desvirtuado de matizes personalistas”76.

Em breves termos e considerando o acima exposto, pode-se conceituar a interpretação sistemática como uma operação que consiste em atribuir a melhor significação, dentre várias possíveis, aos princípios, às normas e aos valores jurídicos,

“hierarquizando-os num todo aberto, fixando-lhes o alcance e superando antinomias, a partir da conformação teleológica, tendo em vista solucionar os casos concretos”77.