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6. DA LEI COMPLEMENTAR

6.6 Da Hierarquia da Lei Complementar

6.6.1 Do conceito de Hierarquia e sua implicação jurídica

6.6.1.2 Da Hierarquia Material da Lei complementar

No que se refere ao aspecto material de atuação da lei complementar, tem-se que sua caracterização decorre da designação constitucional das matérias próprias de lei complementar, que na definição de CELSO RIBEIRO BASTOS é “toda aquela

270 BAPTISTA, Marcelo Caron. Ob. cit. p. 185.

que contempla uma matéria a ela entregue de forma exclusiva e que, em conseqüência, repele normações heterogêneas, aprovada mediante um quorum próprio de maioria absoluta”271.

MARCELO CARON BAPTISTA, partindo dos ensinamentos do acima citado autor, em consonância com a classificação elaborada por JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES, entende que “a lei complementar poderá, em hipóteses predeterminadas pela Constituição, localizar-se em patamar hierarquicamente superior (hierarquia material) aos demais instrumentos normativos primários, tais como a lei ordinária, mas unicamente naqueles casos em que lhes servir de fundamento imediato de validade, quanto ao seu conteúdo material”272.

Assim é que, para SOUTO MAIOR BORGES, “não se nega a procedência da afirmação de que a lei ordinária não pode revogar a lei complementar. Todavia, partindo dessa afirmação não é possível extrair a conclusão pela superioridade formal da lei complementar porque a recíproca é igualmente verdadeira: a lei complementar não pode revogar a lei ordinária”.273

Trata-se, portanto, da pertinência obrigatória do conteúdo normativo a ser submetido à forma de lei complementar.

Pelo que se extrai do exposto, em se tratando de matérias específicas a serem reguladas por lei ordinária, uma vez evidenciada a necessidade de sua normatização em conformidade com o que dispuser dada lei complementar, enquanto fundamento de validade daquela, diz-se que a lei ordinária será hierarquicamente inferior à lei complementar.

Vale dizer, somente se poderá afirmar presente a relação de hierarquia material quando qualquer instrumento normativo buscar seu fundamento de validade em outro instrumento, o que é passível de ocorrer entre leis complementares em relação a leis ordinárias ou qualquer outro ato normativo, e vice-versa.

A fim de melhor esclarecer a questão da posição doutrinária que atesta a existência de hierarquia material da lei complementar em relação à lei ordinária, JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES entendeu que:

271 BASTOS, Celso Ribeiro. Lei Complementar: teoria e comentários. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 17.

272 BAPTISTA, Marcelo Caron. Ob. cit., p. 180

273 BORGES, José Souto Maior. Ob. cit. p. 24.

De acordo com essa tomada de posição, só quando a lei complementar disciplinasse assunto que lhe fosse próprio, gozaria da superioridade hierárquica própria da espécie. Portanto, a lei ordinária estaria subordinada à lei complementar votada com observância do modelo constitucional. A razão seria porque, fora do seu campo, a lei complementar valeria tão-só como lei ordinária; estaria a esta equiparada quanto ao regime jurídico.274

Ao final conclui, em crítica a tal posição, que:

É um irremediável ilogismo reconhecer que a lei complementar somente pode explorar um campo de competência cujo limite esbarra na área privativamente reservada à legislação ordinária e pretender, ao mesmo tempo, identificar na lei complementar superioridade hierárquica.

(...)

Não tem nenhum sentido, nem utilidade teórica, no plano de análise puramente jurídica, colocar-se o problema da graduação no escalonamento normativo, quando se reconheça apenas que o campo reservado à lei complementar é materialmente distinto do campo reservado à lei ordinária.

Com base nessas considerações, não é viável extrair nenhuma conclusão sobre a situação hierárquica da lei complementar no direito brasileiro.275

Nesse contexto, oportuno destacar que nos casos em que a Carta Constitucional atribui ao legislador ordinário a tarefa legislativa, sendo, no entanto, exercida pelo legislador complementar, tem-se entendido que não se trata de hipótese de inconstitucionalidade formal, uma vez que a rigorosidade procedimental exigida à lei complementar é maior em relação à lei ordinária.

Ou seja, não existe impedimento jurídico para que isso ocorra, uma vez que todos os requisitos mínimos estabelecidos para a lei ordinária restaram observados.

O mesmo não se pode afirmar quanto à hipótese em que a lei complementar federal disponha acerca de matéria que lhe é vedada pela Constituição da República Federativa do Brasil, por se tratar de tema exclusivo à competência dos estados-membros ou municípios. Nessa situação estar-se-á diante de inconstitucionalidade formal e material.

274 BORGES, José Souto Maior, p. 57.

275 Idem, p. 58

Vale dizer, não há que se falar em hierarquia material da lei complementar nas hipóteses em que a Constituição Federal de 1988 exigiu, com exclusividade, a edição do referido ato legislativo. Por outro lado, além da inexistência de hierarquia, o que se verifica é uma delimitação de campos privativos para o exercício da competência legislativa.

Nessas hipóteses, portanto, cabe à lei complementar atuar na regulação de matéria que lhe é própria, sendo improcedentes afirmações que reconheçam qualquer espaço para que a mesma matéria seja disciplinada por meio de quaisquer outras espécies normativas.

Todavia, há quem defenda tal hierarquia, dentre eles VITTORIO CASSONE, para quem a hierarquia é definida pela competência material legislativa, ou seja, se a Constituição Federal prevê, para certa matéria, a necessidade de Lei complementar, deve-se respeitar a seguinte hierarquia: Constituição Federal; lei complementar; lei ordinária e demais normas de caráter executório276.

No entanto, consoante lições do referido autor, poderá a Carta Magna remeter a matéria diretamente à Legislação Ordinária ou Resolução do Senado Federal para regulamentá-la, sendo então desnecessária a lei complementar. Nesse caso, a hierarquia a ser observada é a seguinte: Constituição Federal; Resolução do Senado Federal e/ou Lei Ordinária e demais normas de caráter executório.

A partir do entendimento anterior, a hierarquia das leis ficaria relativizada em função da exigência do caso concreto, isto é, falar-se-ia em hierarquia genérica, em que a Constituição Federal figuraria no pólo superior, seguida de Lei Complementar, e em hierarquia específica, conforme definição explícita da Carta Magna, segundo a matéria a ser tratada.