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As componentes somáticas na génese das emoções segundo William James

Anexo IV – Paradigmas de comportamento vocal – Valores totais de intensidade relativa dos parciais

Em 3.1, são referidas as diferentes abordagens da psicologia moderna relativamente à emoção, começando pela relação entre os processos cognitivos e emocionais segundo os modelos

2. A Emoção na Filosofia – Introdução

2.4. As componentes somáticas na génese das emoções segundo William James

A evolução do espírito científico moderno, baseado na experiência laboratorial em condições que permitam eliminar quaisquer dados subjectivos, teve na figura de William James um dos seus mais altos expoentes. Na sua monumental obra The Principles of Psychology (JAMES, 1890), expõe a sua teoria sobre a génese dos fenómenos emocionais, partindo do princípio de que a consciência não tem existência real fora da realidade corporal. A questão principal coloca-se na ordem pela qual o organismo reage a um determinado impulso exterior, defendendo que as alterações fisiológicas ocorrem imediatamente após a percepção do facto indutor da emoção, e só mais tarde se processa a sua apreciação cognitiva, que já não faz parte do processo emocional. Segundo James, os fenómenos mentais não só não são condicionados previamente, ou, para usar a sua terminologia, parte ante, pelos processos do corpo, mas levam a eles posteriormente ao facto (parte post). Os seus exemplos, tornados clássicos, das reacções de tristeza a uma situação negativa, de fuga à vista de um urso, ou de ira a um insulto, definem a emoção como a reacção corporal imediata, independente dos seus aspectos cognitivos, que ocorrem posteriormente. Segundo a sua teoria, que lançou as bases para uma discussão muito aprofundada sobre a natureza dos aspectos emocionais e cognitivos na reacção a um evento, as sensações de tristeza, de medo ou de ira, nas situações descritas, são causadas pelos efeitos que os eventos provocaram no corpo, e não o inverso. Esta hipótese foi desenvolvida, com pequenas diferenças, pelo psicólogo dinamarquês Carl Lange, na sua obra publicada em 1885 e conhecida dois anos mais tarde fora da Dinamarca através da edição alemã, “Über Gemustsbewegungen” (LANGE, 1887), tendo sido designada como “Teoria James – Lange”. Bastante contestada por alguns, como Cannon, que desenvolveu uma teoria defendendo precisamente o inverso, alguns dos seus pressupostos foram retomados pela investigação mais recente, que apontam para a importância do feedback corporal na resposta a estímulos exteriores, como é o caso da hipótese do marcador somático, desenvolvida por António Damásio (DAMÁSIO, 1994).

James sublinha que não ocorrem alterações a nível mental sem alterações somáticas, como as que têm lugar nos vasos sanguíneos, ou no ritmo cardíaco, ou a nível visceral e glandular. A articulação das respostas somáticas com os estímulos exteriores passa por uma hierarquia, em que o conceito de centro de decisão aparece claramente distinto do dos circuitos que controlam a execução do movimento. Segundo a sua concepção, os centros inferiores actuam apenas a partir de estímulos sensoriais presentes, cabendo aos hemisférios cerebrais o papel decisório, a partir de percepções e considerações. Toda a informação que serve de base a este processo se pode reduzir, portanto, a dados sensoriais obtidos a partir dos circuitos periféricos, pelo que as percepções não são mais do que agrupamentos de sensações. As considerações elaboradas sobre os estímulos

sensoriais e as percepções são, portanto, expectativas de sensações que se terão, segundo o curso que uma determinada acção irá tomar. Toda a informação acumulada, constituída por “vestígios de experiências passadas”, permanece arquivada nos hemisférios cerebrais, sendo estes, portanto, a “sede” da memória. Ao ser estimulada por estímulos presentes, aparece em primeiro lugar sob a forma de representações de experiências positivas e negativas passadas, provocando de seguida os mecanismos necessários através dos canais motores apropriados de modo a assegurara a protecção dos estados negativos e a assegurar os benefícios dos positivos.

Este processo está na origem de reacções instintivas a estímulos exteriores, que, segundo James, não é possível separar das reacções emocionais que os acompanham, porque provocam não só uma determinada acção, o que caracteriza a reacção instintiva, mas também alterações características na atitude e face, que afectam a respiração, a circulação e outras funções orgânicas de modos específicos. Porém, apesar das diferenças, “o plano fisiológico e a essência das duas classes de impulso” são comuns. James sublinha a possibilidade de tanto as reacções instintivas como emocionais poderem ser desencadeadas, não só pela presença de um estímulo externo como pela sua memória ou imagem mental.

James distingue dois tipos de emoções, segundo a “intensidade da reverberação orgânica”, que classifica como “rudes”, no sentido de primárias, básicas, e “subtis”, ou secundárias. Nas primeiras, inclui a dor (no sentido de tristeza profunda), o medo, a raiva e o amor, deixando para as secundárias um amplo campo onde cabem os sentimentos morais, intelectuais e estéticos. A estas emoções secundárias, que equipara a vários modos de representação imagética, seja de natureza sonora, visual ou abstracta, atribui uma origem independente de qualquer “reverberação” proveniente de zonas inferiores ao cérebro. Estas “formas genuinamente cerebrais de prazer ou descontentamento” não parecem ter relação, segundo a sua génese, com as emoções mais “rudes”.

Os mecanismos “pré-organizados” que medeiam os processos de alterações corporais através de “incontáveis permutas e combinações” orgânicas permitem supor que é possível, pelo menos a nível abstracto, que a cada diferença de matiz emocional, por mais leve que seja, corresponda um estado corporal específico, tão único e distintivo como o próprio estado mental em si. A dificuldade de reprodução voluntária desses estados deve-se, segundo James, à complexidade e grande número de alterações somáticas, a nível da pele, glândulas, coração e outras vísceras, impossíveis de reproduzir pelos grupos musculares voluntários.

A questão do tempo em que têm lugar as alterações somáticas constitui, em grande parte, a base de sustentação da sua argumentação. Segundo James, elas são sentidas no momento em que ocorrem, pelo que, se fosse possível separar, a nível de consciência, todas as sensações dos seus “sintomas corporais”, nada restaria que pudesse caracterizar, a nível mental, a emoção sentida. O que apelida de “material mental” da emoção não seria mais do que uma percepção intelectual, fria e

neutra, caso fosse possível separar a emoção sentida num determinado momento dos seus sintomas corporais, através de um processo de introspecção. A emoção desaparece logo que deixam de ter lugar as alterações orgânicas que a provocaram, não restando dela mais do que um estado de natureza cognitiva. Não é concebível um estado emocional separado da sua sensação corporal. Lange vai ainda mais longe, ao considerar a que são as alterações orgânicas em si que constituem a própria emoção.

Nesta linha de pensamento, a base neurológica do processo emocional e da sua consciencialização terão, necessariamente, que ser, nas suas palavras, “mais simples do que se supunha até aqui”, não sendo necessário mais do que os elementos sensitivos, associativos e motores. Desse modo, um objecto potencialmente produtor de reacção emocional passaria por um percurso iniciado num órgão sensorial, afectando uma zona cortical correspondente ao tipo de informação específica, ou, no caso de uma imagem, provocaria a ideia desse objecto. O reflexo provocado seria transmitido pelos canais pré-organizados, alterando as condições dos músculos, pele e vísceras. Estas alterações orgânicas, ao serem apreendidas pelas várias partes do córtex envolvidas, combinando-se com a imagem do objecto original, transformam-na de um objecto simplesmente apreendido num objecto emocionalmente sentido. Neste processo, James não vê a necessidade de introduzir a ideia de zonas cerebrais desconhecidas especificamente dedicadas ao processo emocional.

Reflexão crítica

A introdução de conceitos filosóficos num trabalho que pretende estabelecer bases científicas através do tratamento de dados experimentais tem vários objectivos, que não só o enquadramento histórico das abordagens desta matéria. Os filósofos gregos desenvolveram os conceitos e as metodologias utilizados na investigação científica posterior. Platão e Aristóteles aprofundaram e estruturaram as contribuições dos pré-socráticos, estando já conscientes da necessidade de encontrar um ponto de encontro entre os fenómenos da mente e os mecanismos somáticos.

Após séculos de abandono de uma perspectiva científica em que a investigação foi substituída por uma visão eminentemente religiosa, a obra de Descartes marcou o reencontro com uma atitude racionalista, ao pôr em causa todos os princípios teóricos não sustentados por uma fundamentação experimental. Apesar das limitações dos meios técnicos ao seu dispor, contribuiu de modo determinante para o desenvolvimento de uma abordagem crítica que viria a abrir as portas à investigação científica. As suas reflexões sobre a natureza da percepção, da sensação e da emoção foram de tal modo marcantes que a sua posição sobre o assunto serviu de tema, embora de forma crítica, para uma das mais importantes obras contemporâneas sobre a matéria.

Darwin veio revolucionar as bases em que a Biologia e a Psicologia se fundamentavam, ao propor uma nova perspectiva analítica baseada no conceito de adaptação dos organismos ao meio ambiente como motor evolutivo. As suas concepções influenciaram toda a investigação científica posterior. Dois dos pressupostos em que se baseia o presente trabalho partem de conceitos darwinianos, a universalidade da expressão emocional e a relação entre esta e a sua génese biológica. A importância da componente somática na génese da emoção constituiu o tema central da obra de William James, que subordina o conceito de emoção ao conjunto das manifestações corporais que o acompanham. Ao longo de toda a sua obra, Damásio chama a atenção para a importância dos contributos de ambos na definição das linhas de investigação contemporâneas sobre os aspectos fisiológicos da emoção.

Embora fora do âmbito desta tese, seria de grande interesse desenvolver um trabalho detalhado sobre o desenvolvimento actual das linhas de investigação abertas por estes dois precursores da Ciência moderna.

Este capítulo poderia ter tido um desenvolvimento maior, nomeadamente de contributos de outras figuras que são objecto de referência ocasional. Esta concisão obedeceu ao propósito de não alargar excessivamente o tratamento de matérias não essenciais aos objectivos centrais da tese, que teriam maior pertinência num trabalho de investigação mais específico.

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