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Anexo IV – Paradigmas de comportamento vocal – Valores totais de intensidade relativa dos parciais

Em 4.2, estes processos serão objecto de uma análise mais aprofundada, quando nos detivermos nos aspectos químicos da transmissão de informações através do sistema nervoso.

4.3. O papel do cérebro na génese da emoção

4.3.3. Papel da memória no processo emocional

Uma reacção emocional baseia-se em situações anteriores experimentadas pelo indivíduo. À medida que o número e a complexidade de relações entre objectos e eventos aumentam, o mesmo sucede com o nível e a variedade de estados emocionais. Segundo Tooby e Cosmides, o significado de uma determinada situação é determinado pelo modo como foi estruturado ancestralmente através de situações recorrentes experimentadas pelo organismo. Este está organizado para responder a contingências prévias, não a presentes. As emoções levam o organismo a agir como se certos pressupostos fossem verdadeiros nas circunstâncias actuais, quer sejam ou não, porque o foram em circunstâncias passadas (TOOBY & COSMIDES, 1990).

Podemos distinguir diferentes tipos de memórias, que estão na base de diferentes níveis de respostas emocionais. A capacidade de reflectirmos conscientemente sobre experiências passadas é conhecida como memória explícita ou declarativa. O sistema neural subjacente a este tipo de memória foi identificado há décadas através de estudos experimentais, que demonstraram que o hipocampo é um componente essencial para o sistema de memória declarativa. Quando este se encontra lesionado, a capacidade de armazenar informação que possa vir a ser recordada mais tarde está seriamente comprometida. No entanto, memórias de outro tipo permanecem intactas, como as competências motoras ou o condicionamento de reflexos (SQUIRE, 1987). O condicionamento de memórias emocionais também não sofre qualquer dano, pois dependem da amígdala (LEDOUX, 1990, 1992), pelo que a sua contribuição para a memória declarativa é muito pequeno (MURRAY, 1992, SQUIRE & ZOLA-MORGAN, 1991).

Quando há lesão na amígdala, perde-se o significado emocional de um estímulo estabelecido anteriormente através de recompensas ou punições, ao mesmo tempo que ficam impossibilitadas novas associações deste tipo (AGGLETON, 1992). Dá-se uma alteração nas respostas emocionais involuntárias libertadas por estímulos condicionados ou não condicionados, tal como algumas respostas voluntárias. A formação hipocampal e a amígdala formam portanto os pólos de duas redes centrais da memória. O hipocampo, para a memória explícita ou declarativa, a amígdala, para a memória emocional. Estes dois sistemas funcionam paralelamente, fornecendo simultaneamente traços de uma determinada experiência. Convém distinguir entre memória emocional, mediada pela amígdala, de memória de uma emoção, já que esta é uma memória consciente, declarativa, de uma experiência emocional, armazenada como um facto sobre um determinado episódio emocional, e, como tal, mediada pelo hipocampo. Memórias de ambos os tipos podem vir a ser reactivadas em paralelo em ocasiões posteriores (LEDOUX, 1994).

O armazenamento de dados relativos a estímulos, situações ou eventos anteriores é determinante para o modo como cada indivíduo processa qualquer informação nova e se esta irá

provocar ou não uma situação emocional. Porém, há vários factores que não dependem da consciencialização para despoletar uma reacção emocional. Foram feitas várias experiências utilizando estímulos subliminares, em que imagens visuais altamente estimulantes eram projectadas durante poucos milissegundos, imediatamente seguidas por uma imagem neutra, que permanecia visível durante vários segundos, impedindo o primeiro estímulo de atingir um reconhecimento consciente e de entrar na memória de trabalho. No entanto, embora não tenha sido processado cognitivamente nem tenha atingido a memória, provocava sempre reacções emocionais, não só reconhecidas pelos sujeitos em experiência, como em aspectos somáticos, como a alteração dos batimentos cardíacos ou sudação nas palmas das mãos. (LEDOUX, 2002). Estas respostas devem ser baseadas no processamento inconsciente do significado do estímulo e não na sua experiência consciente, pois aquele foi impedido de entrar na memória de trabalho. Este tipo de reacção coloca-se numa fase anterior ao da génese da própria emoção primária, a nível do que Damásio denomina “consciência nuclear”. Ao analisar as suas características, conclui que é apenas necessária uma brevíssima memória de curto prazo para a criação da consciência nuclear. Tanto a memória convencional como a memória de trabalho são indispensáveis para a memória alargada, que é fundamental para os níveis avançados da consciência alargada. A partir de dados baseados em casos clínicos de deficit da memória, como o do seu paciente mais profundamente amnésico, cuja memória estava limitada a períodos de tempo inferiores a um minuto, abrangendo toda a sua vida até ao nascimento, Damásio verificou que o seu desempenho em termos de consciência nuclear se mantinha inteiramente normal. Nas suas relações pessoais, demonstra que não sofreram qualquer alteração as emoções de fundo, muitas das emoções primárias e secundárias. As manifestações somáticas das emoções também não, demonstrando todas as cambiantes emocionais através da expressão facial, corporal e vocalizações, no que Damásio classifica como “uma cartilha da emoção humana” (DAMÁSIO, 1999). A sua conclusão é a de que uma brevíssima memória de curto prazo é suficiente para gerar consciência nuclear sobre um conjunto suficientemente vasto de coisas. As imagens, representações mentais da realidade exterior obtidas através das várias modalidades sensoriais – visão, audição, tacto, etc. – são formadas através da perspectiva do seu organismo. Embora privado do acesso aos dados armazenados na memória, devido a lesão em várias regiões como o hipocampo, os córtices do pólo e da zona inferior do lobo temporal, em termos de consciência nuclear, este paciente mantém todas as capacidades para sentir e exprimir emoção como qualquer pessoa sem esse tipo de lesão.

O caso de doentes cuja consciência nuclear está alterada é completamente diferente. Nem há lugar a expressão facial, corporal ou a qualquer tipo de vocalização. Nestes casos, não há possibilidade de se manifestarem nem as emoções de fundo, nem as emoções secundárias.

Se uma memória breve é suficiente para gerar consciência nuclear, esta é apenas a base indispensável sobre a qual se irá erguer o edifício da consciência alargada. É sobre a reactivação consistente de conjuntos de memórias autobiográficas que se vai construindo o edifício do nosso “eu” característico e distinto de todos os outros, o “si autobiográfico”, segundo Damásio. Aqui são chamadas todas as memórias pessoais, memórias de situações do nosso passado, que caracterizam a identidade individual. Estas memórias autobiográficas são tratadas como objectos pelo cérebro, relacionando-as com o organismo do mesmo modo que para a consciência nuclear, atribuindo-lhes uma “pulsação” de consciência nuclear. Esta capacidade de aprender, armazenando na memória registos de experiências anteriormente conhecidas através da consciência nuclear, é uma componente fundamental da “consciência alargada”. Para que ela possa ter lugar, é necessário ter a capacidade de reactivar esse vastíssimo conjunto de informações armazenadas como objectos capazes de gerar um sentido da identidade. A memória de trabalho, ou seja, a capacidade de manter activos, durante um período de tempo suficiente, todas as informações armazenadas como “objectos” relevantes para uma relação entre o evento que está a ser processado e todas as suas manifestações anteriores que com ele de algum modo se possam relacionar. Esta capacidade de reactivar memórias autobiográficas resultantes de “objectos” da biografia do organismo e do passado individual, sempre que um novo evento está a ser processado desenrola-se num período temporal mais vasto do que as fracções de segundo que caracterizam a consciência nuclear. Neste caso, é necessária a capacidade de as manter activas durante segundos, minutos, ou até mesmo de períodos mais vastos, a mesma escala temporal em que decorrem os eventos capazes de induzir emoção na vida de cada indivíduo. Neste processo, cada memória autobiográfica é tratada como um novo objecto, indutor de consciência nuclear. Este implica não só o reconhecimento de um determinado objecto, mas a capacidade de trazer simultaneamente à memória um vasto conjunto de objectos previamente memorizados e a sua relação com a história do organismo. Para completar este quadro, é ainda necessário manter activas, simultaneamente e durante um período de tempo suficiente, todas as imagens cujo conjunto constitui o “si autobiográfico” e as que caracterizam o objecto, criando um sentido de perspectiva individual (DAMÁSIO, 1999).

Esta quantidade de informação a armazenar necessária para a construção e consolidação da identidade não se limita a um grande ficheiro de imagens sensoriais, mas também à quantidade de informações e conhecimentos que sobre elas vamos acumulando, e que permitem reconstrui-las no momento da recordação. Este conjunto de disposições possibilita que o processo de recordar não seja apenas um acesso a imagens tal como foram obtidas no momento da sua percepção. A base neural para o espaço imagético e o espaço disposicional é distinta. Os córtices sensoriais iniciais estão na base de padrões neurais que suportam as imagens mentais. As disposições que permitem gerar imagens ou acções localizam-se em córtices de ordem superior e diversos núcleos

subcorticais, em conjuntos de neurónios conhecidos como zonas de convergência. Esta divisão da capacidade de armazenamento de distintos padrões cognitivos no cérebro corresponde a um espaço de imagens e a um espaço de disposições, segundo mapas de padrão neural, activados a partir dos córtices sensoriais iniciais, córtices límbicos e alguns núcleos subcorticais, e zonas de convergência, nos córtices de ordem superior, temporal e frontal, e em alguns núcleos subcorticais, como a amígdala. A activação desta multiplicidade de informação relacionada localizada em zonas distintas com origens múltiplas é coordenada por núcleos do tálamo. A sua permanência durante períodos alargados requer a colaboração dos córtices pré-frontais envolvidos na memória de trabalho. Quando trazemos à memória uma determinada imagem, todos os conhecimentos relevantes relativos a essa imagem são mantidos activos durante o tempo necessário, de modo que todo o processo resulta numa exibição de conhecimentos imagéticos e disposicionais de vários tipos, armazenados em níveis e localizações muito distintos, mas perfeitamente integrados e de forma contínua (DAMÁSIO, 1999).

Há uma grande influência dos mecanismos límbicos no processo de aquisição de memórias, pela integração dos controlos motivacionais com as capacidades cognitivas. A consolidação de memórias implica conexões entre regiões corticais e estruturas límbicas (SQUIRE, 1992). O nucleus basalis tem uma função de controlo modulatório sobre as interacções corticolímbicas na consolidação da memória, através das suas projecções colinérgicas ascendentes. Estudos demonstraram que as projecções colinérgicas nas vias do input sensorial da amígdala recebem uma modulação colinérgica mais forte à medida que se aproximam do sistema límbico. A maior parte das áreas corticais não tem projecções para o nucleus basalis, que é controlado primariamente pelas estruturas límbicas e córtices paralímbicos. A arquitectura da memória cortical apresenta um dispositivo de controlo determinado pelo valor motivacional e emocional dos inputs corticolímbicos do qual depende a resposta ao nucleus basalis, que projecta em retorno regulando as regiões mais alargadas do tráfico corticolímbico (MESULAM, 1988, apud TUCKER, DERRYBERRY, & LUU, 2000). O hipocampo apresenta uma capacidade específica para o processo de consolidação da memória, através de um mecanismo de potenciação a longo termo74, em que o

input aferente que chega a um neurónio provoca uma resposta potenciada, quando este se encontra

associado a uma activação simultânea desse neurónio por uma outra fonte (GUSTAFSSON & WIGSTROM, 1988; TEYLER, 1986; apud TUCKER, DERRYBERRY, & LUU, 2000).

74 - Potenciação a longo termo é um modelo de aprendizagem, desenvolvido a partir do modelo do psicólogo canadiano Donald Hebb (HEBB, 1949), que descobriu que, quando dois neurónios disparam em simultâneo,

se cria um laço funcional entre ambos, de tal modo que sempre que um deles disparar, aumentam as probabilidades de o outro o fazer também. A potenciação a longo termo (PLT, ou, como é normalmente conhecida, LTP) envolve o fortalecimento da conexão funcional entre duas áreas cerebrais. Este fenómeno pode ser induzido em laboratório, através do aumento da estimulação electrónica a uma das áreas (LEDOUX,

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