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Sensações, sentimentos, emoções e disposições Emoções primárias ou básicas e secundárias

Anexo IV – Paradigmas de comportamento vocal – Valores totais de intensidade relativa dos parciais

Em 3.1, são referidas as diferentes abordagens da psicologia moderna relativamente à emoção, começando pela relação entre os processos cognitivos e emocionais segundo os modelos

3. A Emoção na Psicologia – Introdução

3.3. Sensações, sentimentos, emoções e disposições Emoções primárias ou básicas e secundárias

Embora emoção e sensação sejam duas entidades intimamente relacionadas, compartilhando uma base biológica comum em muitos aspectos, podem e devem ser distinguidas. Todas as emoções e sensações integram de algum modo ou numa determinada proporção, os conceitos de prazer e de dor. Ambos são qualidades intrínsecas de certas emoções, podendo funcionar também como seus elementos desencadeantes. A dor está associada a emoções negativas, como a angústia, o medo ou a tristeza, que integram o vasto quadro conhecido como sofrimento. O prazer, por seu lado, faz parte do conjunto de emoções positivas, e está relacionado com todas as situações de bem-estar, sendo parte integrante das muitas expressões de felicidade.

Tanto o prazer como a dor fazem parte do nosso conjunto de respostas biológicas a alterações do meio e do organismo, mas funcionam de modos diferentes. A dor, no seu sentido mais primário e essencial, é a percepção da representação sensorial resultante de em estado de disfunção de tecidos vivos. A ameaça de perda ou perda efectiva de tecidos provoca uma série de sinais no organismo com o objectivo de combater o mais eficazmente essa ameaça, ou, pelo menos, reduzir os seus efeitos ao mínimo. Esses sinais provocam uma série complexa de respostas químicas e neurais, desde as que têm a ver com a resposta localizada dos leucócitos, respostas musculares, ou indução de estados emocionais. O prazer, por seu lado, é geralmente desencadeado pelo reequilíbrio de um nível baixo de glicose no sangue, ou de uma osmolaridade alta (DAMÁSIO, 1999).

A distinção entre uma sensação e a emoção provocada por essa sensação é relativamente clara, no caso específico da dor. Em doentes afectados por dor crónica, é possível bloquear através de sugestão hipnótica ou intervenção cirúrgica em determinadas regiões do cérebro, o sofrimento associado à sensação de dor, sem alterar a própria sensação.

A distinção torna-se mais difícil entre emoções e disposições (moods). Na maior parte das situações, deparamo-nos com um quadro misto de fenómenos que se intersectam. Davidson propõe encontrar as diferenças essenciais entre emoção e disposição através da análise funcional de cada um destes fenómenos. Concordando com uma grande parte dos teóricos, considera que a função primeira das emoções seja modular ou influenciar a acção. Por isso, a maior parte das vezes, as emoções ocorrem em situações que requerem uma qualquer acção adaptativa, e são acompanhadas de actividade autónoma, que suporta a acção coincidente com a emoção(DAVIDSON, 1994; FRIJDA, KNIPERS & TERSCHURE, 1989; LEVENSON, EKMAN & FRIESEN, 1990). Por seu lado, a função primordial das disposições é a de modular ou influenciar a cognição, alterando as prioridades do processamento da informação e o próprio modo de processamento. Assim, as disposições afectivas

facilitarão ou dificultarão a acessibilidade a determinados conteúdos cognitivos e redes semânticas, como acontece em casos de indivíduos com estados disposicionais deprimidos, onde a acessibilidade a memórias negativas como as que evocam acontecimentos tristes se encontra acentuada e a de memórias alegres diminuída.

Ao contrário das emoções, os estados disposicionais estão sempre presentes, constituindo uma espécie de cenário afectivo a tudo o que fazemos. As emoções, neste plano, serão como perturbações que se sobrepõem a esta actividade de fundo. A natureza dos acontecimentos antecedentes que despoletam emoções e disposições é também diferente. As emoções são geralmente provocadas por acontecimentos compreendidos como acontecendo subitamente e sem aviso prévio, ao passo que as disposições têm maior probabilidade de suceder a eventos compreendidos como ocorrendo durante um período mais largo de tempo (DAVIDSON, 1994). Um episódio emocional envolve uma relação entre o sujeito e um objecto específico – alguém tem medo, está feliz ou zangado com alguma coisa. Há um elemento de intencionalidade na experiência e no comportamento emocional. Por outro lado, a causa e o objecto de uma emoção podem ser entidades distintas (FRIJDA, 1994).

A distinção mais simples e que levanta menos controvérsia é, segundo a teoria cognitiva – motivacional – relacional das emoções desenvolvida por Richard Lazarus (LAZARUS, 1991a, 1991c), entre estado e traço emocional. Por estado emocional designamos geralmente uma reacção passageira a um tipo de encontro adaptativo específico. Esse estado aparece e desaparece consoante as circunstâncias que o provocam. O traço emocional, por outro lado, designa uma disposição ou tendência para reagir de uma determinada maneira a um determinado encontro adaptativo. Por outras palavras, trata-se de um estado emocional recorrente numa determinada pessoa. Este conceito é transversal ao de ‘sentimento’, que não é, de facto, uma emoção, mas uma disposição para responder de uma determinada maneira em relação a uma pessoa ou um evento. Para simbolizar a diferença entre estado e traço emocional, Lazarus dá o exemplo dos dois lados de uma moeda: no caso de um estado, a questão que se coloca é sobre a situação que o gerou. Quando se fala de traço emocional, a questão tem a ver com a pessoa que o experiencia. Do ponto de vista desta teoria, o que conta para a definição de um traço emocional é o significado relacional (relational meaning), que se baseia na apreciação (appraisal) de conjunções funcionais recorrentes entre variáveis relevantes para o sujeito e o meio envolvente. As emoções, portanto, dependem sempre da conjunção de traços de personalidade característicos do sujeito, os seus padrões de objectivos ou crenças, e de propriedades específicas do meio envolvente.

Lazarus distingue ainda as emoções agudas, relativas a um processo adaptativo imediato num encontro com o meio envolvente que coloque em causa o destino de um objectivo específico em confronto com uma condição exterior benéfica ou danosa. Por essa razão, as emoções agudas

tendem a ser de ocorrência rápida e breve em comparação com as disposições, que são resultado da apreciação da experiência existencial prévia do sujeito, e que têm a ver com aquilo que define o sujeito como indivíduo, tanto num determinado momento como a longo prazo, ao longo da sua existência.

Frijda, por seu lado, designa por ‘afecto’ a qualidade de agradável ou desagradável de um estímulo. Os estados de espírito, ou disposições, serão, na sua opinião, estados difusos de afecto ou ‘prontidão para a acção’ (action readiness), que não se dirigem a um objecto em particular. Frijda reserva a noção de ‘emoção’ para um estado de ‘apreciação’ (appraisal) afectiva de um objecto – que pode ser um objecto exterior, real, ou um pensamento, simultâneo a uma alteração da ‘prontidão para a acção’ relativa a esse objecto real ou pensamento. A emoção é um estado intencional, o que não sucede com a disposição, envolve uma alteração na prontidão para a acção, e é relativa a um objecto particular. A disposição não é, segundo a sua interpretação, necessariamente um ‘afecto’. As respostas às questões relativas ao papel dos elementos cognitivos determinantes são distintas para afectos, disposições e emoções.

A definição de Damásio de emoção serve de introdução a uma distinção mais complexa, entre emoções primárias (ou básicas) e secundárias, reservando a noção de sentimento para a experiência que consiste na percepção dessas mudanças:

“A emoção é a combinação de um processo avaliatório mental, simples ou complexo, com respostas disposicionais a esse processo, na sua maioria dirigidas ao corpo propriamente dito, resultando num estado emocional do corpo, mas também dirigidas ao próprio cérebro (núcleos neurotransmissores

no tronco cerebral), resultando em alterações mentais adicionais.” (DAMÁSIO, 1995)

A definição do conceito ‘básico’ aplicado à vida afectiva e emocional levanta alguns problemas, a que diferentes escolas de psicologia dão diferentes respostas, segundo a fundamentação teórica, a metodologia utilizada, ou a amplitude semântica dos conceitos de ‘emoção’ e ‘básico’.

Segundo Panksepp, esta noção procura reflectir o desenvolvimento de potenciais genéticos. O problema consiste em determinar onde termina o desenvolvimento de base genética e onde começa o papel da influência do meio, sempre presente (PANKSEPP, 1994). Para Izard, as emoções básicas, ou fundamentais, são caracterizadas por possuírem propriedades motivacionais únicas de importância crucial para o indivíduo e para a espécie. Cada uma delas modela através das suas características únicas a consciência, mobilizando de modo diferenciado o potencial de energia do indivíduo para as respostas físicas ou cognitivas aos eventos exteriores, podendo ser por isso considerada mais ou menos desejável para uma resposta adequada às solicitações externas. Cada

emoção tem, portanto, uma função adaptativa intrínseca. São consideradas fundamentais ou básicas porque possuem um substrato neural específico, determinado de modo inato, uma característica expressão facial ou um padrão expressivo neuromuscular, e uma qualidade distinta subjectiva ou fenomenológica. Um processo emotivo completo implica a existência destas três ordens de factores. Cada uma das emoções fundamentais constitui um sistema composto pela interacção entre estes três componentes. Este processo implica o envolvimento da ‘rede homeostática’ (homeostatic

network) através dos sistemas endócrino, cardiovascular e respiratório (IZARD, 77). Na teoria

conhecida como DET “Discrete” ou “Differential Emotions Theory”, sustenta que as emoções básicas, inatas e de identificação universal, emergem durante os primeiros dois a seis meses de vida, sem movimentos faciais precursores (IZARD, ET AL., 1995), defendendo a conformidade da expressão emocional com a experiência subjectiva (IZARD & ABE, 2004). Izard também propôs a hipótese do feedback facial, segundo a qual as emoções que têm diferentes funções provocam expressões faciais distintas que, por seu lado, fornecem pistas sobre a natureza exacta da emoção que o sujeito está a sentir.

Quanto ao seu número e características, parte da base darwiniana, identificando dez emoções fundamentais: interesse, alegria, surpresa, angústia, ira, aversão, desdém, medo, vergonha e culpa. O interesse, sendo uma fonte de excitação, é uma emoção positiva, de valor motivacional elevado para a aprendizagem, criatividade e desenvolvimento de capacidades. A alegria, emoção altamente desejável, é no entanto mais o resultado de acontecimentos e condições do que do esforço do sujeito para a obter. Associada ao interesse, a alegria estará na base do comportamento social do Homem, iniciada na relação entre a mãe e o bebé, traduzido no padrão da reciprocidade de sorriso em relação social pela vida fora. Izard associa a angústia ao acto de separar a criança da mãe durante o nascimento, e sublinha que a separação constitui uma fonte profunda e comum de angústia ou tristeza profunda durante a vida. A função da ira, em termos evolutivos, é a de perturbar ou amedrontar um oponente. Tal como a aversão, serve de protecção do indivíduo a algo que pode constituir uma ameaça. Em conjunto com o desdém, especialmente na sua forma mais activa de desprezo, a ira e a repugnância constituem aquilo que Izard apelida de “tríade da hostilidade”. Esta seria o resultado evolutivo de um mecanismo capaz de fazer frente a um adversário perigoso, ao promover o sentimento de superioridade do sujeito, fazendo-o sentir-se mais forte, mais inteligente, mais civilizado. O medo, uma das emoções mais estudadas, é activado por um rápido aumento na densidade da estimulação neural, devido a um perigo, que tanto pode ser real como imaginário. A sua função é a de motivar do indivíduo para escapar ao perigo, mobilizando a energia necessária para a fuga. As emoções negativas de tipo social, a vergonha e a culpa, devem o seu aparecimento à natureza social do Homem, como resultado de desvios às

normas comportamentais do grupo. Tomkins considera-as diferentes aspectos da mesma emoção (TOMKINS, 1963).

Para a teoria psico-evolucionária da emoção, desenvolvida pelo psicólogo Robert Plutchik, uma das abordagens taxonómicas mais influentes a partir dos anos 80, as emoções primárias são apenas oito: ira, medo, tristeza, aversão, surpresa, antecipação, aceitação (confiança) e alegria. Estas emoções estariam organizadas em pares opostos – a alegria e a tristeza, a ira e o medo, a aceitação ou confiança e a aversão, a surpresa e a antecipação. Tal como as cores, com que organizou a sua roda das emoções, as emoções primárias podem ter diferentes intensidades, e podem misturar-se entre si, formando emoções diferentes (PLUTCHIK, 1980). Assim, das combinações de pares diferentes, resultariam oito emoções compostas, também organizadas em pares opostos. O optimismo seria uma emoção mais complexa, resultando da antecipação e da alegria, tendo como oposto o desapontamento, resultado da surpresa combinada com a tristeza. O amor, composto de alegria e aceitação, seria o oposto do remorso, que será o resultado da tristeza combinada com a aversão. A submissão, resultado da combinação da apreensão com o medo, teria o desdém como oposto, que, por seu lado, seria resultante da aversão e da ira. O medo e a surpresa combinados resultariam no temor, emoção oposta à agressividade, resultado da ira combinada com a antecipação.

O número das emoções consideradas básicas é variável, embora as divergências residam na maior ou menor amplitude semântica do que da sua relação com a atitude perante um evento capaz de ajudar ou dificultar a prossecução de objectivos essenciais para a existência. Para Ekman e Friesen, entre outros, as emoções básicas podem reduzir-se a seis: ira, aversão, medo, alegria, tristeza e surpresa. Este número eleva-se para nove, no caso de Tomkins: ira, interesse, desprezo, aversão, angústia, medo, alegria, vergonha e surpresa. Estas duas, no entanto, são consideradas por Panksepp demasiado simples para poderem ser consideradas emoções (PANKSEPP, 1998).

Damásio acentua as suas características “inatas, pré-organizadas, jamesianas”, e relaciona-as com a rede de circuitos do sistema pré-límbico, de que a amígdala e o cíngulo são “as personagens principais.” No entanto, este mecanismo não é suficiente para o processamento de toda a gama de comportamentos emocionais. Quando se começam a estabelecer relações entre “ligações sistemáticas entre categorias de objectos e situações, por um lado, e emoções primárias, por outro”, processo que ocorre “mal começamos a ter sentimentos”, a rede tem que passar a incluir os córtices pré-frontal e somatossensorial (DAMÁSIO, 95). A sua distinção entre as emoções primárias ou básicas e as secundárias depende, fundamentalmente, do alargamento desta rede, de modo a incluir processamentos mais complexos, onde as experiências acumuladas são armazenadas e relacionadas.

Reflexão crítica

Embora tentando obedecer a um princípio de concisão, não foi possível uma apresentação das matérias incluídas neste capítulo de modo mais sintético.

Considerámos indispensável a inclusão de uma análise das abordagens teóricas mais relevantes sobre a natureza da emoção e a caracterização dos estados afectivos para fundamentar as opções seguidas no presente trabalho de investigação, sobretudo nas fases descritas nos capítulos 7 e 8.

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