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Anexo IV – Paradigmas de comportamento vocal – Valores totais de intensidade relativa dos parciais

Em 4.2, estes processos serão objecto de uma análise mais aprofundada, quando nos detivermos nos aspectos químicos da transmissão de informações através do sistema nervoso.

4.3. O papel do cérebro na génese da emoção

4.3.2. Processamento dos estímulos e respostas emocionais

Embora a experiência emocional tenha lugar através de processos neurais que implicam a libertação na corrente sanguínea de substâncias químicas (as endorfinas, os neurotransmissores ou os neuromoduladores), que alteram a representação neural do que acontece na paisagem corporal, num determinado momento, não é possível reduzi-la a um simples conjunto de reacções químicas confinadas ao sector subcortical do cérebro. Do mesmo modo que para o processamento de estímulos visuais, o cerne do cérebro e o córtex cerebral trabalham em conjunto para criarem os estados emocionais e os sentimentos (DAMÁSIO, 1995).

De uma forma esquemática, os sistemas sensoriais neocorticais estão estruturados em sistemas de redes organizadas sequencialmente, envolvendo informações obtidas através de áreas receptoras primárias. Estes inputs são processados em áreas de associação organizadas em termos de estações de processamento sequencial. Estas áreas específicas de associação sensorial unimodal estão envolvidas na representação de estímulos informativos como entidades perceptuais, e têm projecções para outras áreas de associação, estas de natureza polimodal, que integram informação entre modalidades sensoriais. Um terceiro nível de áreas de associação supramodal recebe inputs de duas ou mais áreas polimodais. Quanto mais afastado da fase inicial desta rede se encontra a representação do estímulo, maior é o seu nível de abstracção (LEDOUX, 1994).

Assim, um estímulo sensorial é mediado pelo fluxo de informação obtido através do sistema de processamento dessa modalidade sensorial (visual, auditiva, ou outra) até à sua área específica de processamento primário no córtex. Estas áreas encontram-se perfeitamente definidas por estudos como o de Brodmann, que ainda hoje serve de mapa das funções cerebrais. Seguindo vias corticais, atinge os estágios mais avançados do processamento unimodal específico da sua modalidade sensorial. Questões mais complexas, como a localização no espaço, ou outro tipo de relações, são tratadas em zonas mais afastadas. A integração das informações obtidas com os conhecimentos relevantes armazenados em memória envolve redes mais extensas de associação polimodal, como o córtex peririnal, o córtex entorinal e a formação do hipocampo. Estas redes permitem categorizar um estímulo como uma representação semântica, ao relacioná-lo com outros estímulos e situá-lo num contexto pessoal (LEDOUX, 1994).

Partindo de um evento suficientemente importante para criar no sujeito um estado emocional, o cérebro forma uma imagem mental sobre os aspectos mais significativos desse evento, o que vai provocar uma mudança no estado do corpo caracterizada por diversas modificações nos parâmetros de funcionamento das vísceras (coração, intestinos, pele), musculatura esquelética e glândulas endócrinas. Este processo passa por uma primeira fase de formação de imagens mentais relativas ao evento em curso, por um processo de avaliação cognitiva

onde são calculadas as consequências que dele poderão advir, à luz de experiências anteriores armazenadas na memória. Neste processo intervêm diversos córtices sensoriais iniciais, de natureza visual, auditiva ou outra, onde ocorrem representações desse evento, processadas por vários córtices associativos. De seguida, redes no córtex pré-frontal vão reagir de modo automático e involuntário aos sinais resultantes do processamento dessas imagens. Este processamento implica disposições pré-frontais adquiridas, relativas às emoções secundárias, distintas das inatas, por onde se processam as emoções primárias. Porém, as emoções secundárias utilizam bases neurais e mecanismos relativos às primárias para se poderem manifestar. Os sinais resultantes desta fase do processo passam pela amígdala e cíngulo anterior, de onde partem respostas que activam vários sistemas de formas complementares. Os núcleos do sistema nervoso autónomo são activados, e enviados sinais para as vísceras através dos nervos periféricos. O sistema motor solicita a musculatura esquelética para organizar respostas eficazes, assumindo expressões faciais e posturas corporais adequadas. Os músculos da face adoptam as configurações típicas que distinguem emoções como a alegria, a tristeza ou o medo. O ritmo cardíaco altera-se, aumentando ou diminuindo. A palidez pode surgir como resultado do aumento do ritmo da actividade dos músculos lisos nas paredes das artérias, que dá origem à contracção e estreitamento dos vasos sanguíneos. No caso inverso, em que haja relaxamento dos músculos lisos e consequente dilatação dos vasos sanguíneos, surge o rubor. As mãos e mesmo outras partes do corpo podem sofrer sudação. O sistema endócrino e peptídico é activado, donde resultam alterações no estado do corpo e do cérebro. Há secreção de hormonas, como o cortisol, que altera o perfil do milieu interno, ou de péptidos, como a b-endorfina ou a ocitocina, que modificam diversos circuitos cerebrais. Núcleos neurotransmissores situados no hipotálamo, tronco cerebral e prosencéfalo basal são activados, enviando substâncias químicas como monoaminas (norepinefrina, serotonina ou dopamina) para diversas regiões do telencéfalo (gânglios basais e córtex cerebral), que vão provocar uma alteração significativa no modo como muitos circuitos neurais funcionam, durante o processo emocional. Os desvios relativamente aos estados normais de equilíbrio funcional, ou homeostase, que correspondem ao nível óptimo da economia do organismo, ou seja, que lhe permite gastar o mínimo de energia, são devidos a ajustamentos à nova realidade criada pelo estímulo ou evento emocional. As mudanças causadas pela activação dos sistemas nervoso autónomo, motor e endócrino têm lugar ao nível do organismo, provocando um estado específico que caracteriza uma determinada situação emocional a nível somático. Estas mudanças são representadas posteriormente nos sistemas límbico e somatossensorial. As mudanças ao nível de estruturas do tronco cerebral, relativas à regulação do corpo, vão ter um efeito determinante no modo como se desenvolve o próprio processo cognitivo, e são uma via de resposta emocional paralela (DAMÁSIO, 1995, 1999).

Em complemento ao modo como os controlos subcorticais influenciam as funções cognitivas do córtex, vamos considerar dois exemplos que ajudarão a compreender a influência das redes corticais e límbicas na regulação dos sistemas emocionais do tronco cerebral. Um deles, a resposta reflexa a um estímulo sonoro intenso e inesperado, é um reflexo simples mediado por um circuito do tronco cerebral envolvendo cinco sinapses (nervo auditivo, núcleo ventral coclear, núcleo do lemnisco lateral, núcleo reticular da ponte e interneurónio espinal), modulado a partir de estruturas límbicas, em particular a amígdala. Estudos em humanos que implicam estados emocionais complexos que envolvam redes corticais alargadas, como, por exemplo, a exposição a imagens com uma grande componente de aversão, demonstraram que as representações cognitivas do córtex estão associadas a um conjunto de respostas adaptativas apropriadas estabelecidas através de uma determinada hierarquia neural. Embora a resposta reflexa a um estímulo deste tipo (susto) não seja um mecanismo motivacional significativo em humanos, a modulação ordenada deste reflexo ilustra o papel dos estados emocionais na ligação entre vários sistemas, incluindo o postural, motor, sensorial e visceral, para cima e para baixo do neuraxis (DAVIS, HITCHCOCK, & ROSEN, 1987; LANG, BRADLEY, & CUTHBERT, 1990; VRANA, SPENCE, & LANG, 1988; apud TUCKER, DERRYBERRY, & LUU, 2000).

Os papéis diferenciados das influências límbicas e corticais na regulação dos estados emocionais foram postos em evidência num estudo de Detlev Ploog, psiquiatra e professor da Universidade de Munique, que estudou o comportamento dos macacos. Na sua pesquisa sobre vocalizações emocionais em macacos, concluiu que os chamamentos estão organizados ao nível mais básico em núcleos motores discretos no tronco cerebral inferior. Ao nível seguinte, estes núcleos estão subordinados aos padrões de sequências motoras específicas da espécie, que estão organizadas ao nível do mesencéfalo. As estruturas límbicas, amígdala e hipocampo, contribuem para que as sequências motoras sejam moduladas pelo estado emocional do momento. Nesta sequência hierárquica, o controlo corticolímbico ao nível do cíngulo entra em acção quando é necessário um comportamento orientado para um objectivo, no que Ploog apelida de “iniciação vocal voluntária”. O controlo neocortical é indispensável para a “formação de um chamamento voluntário”, em que os córtices frontal e motor se substituem aos geradores de padrões do mesencéfalo, de modo a poderem elaborar vocalizações específicas. Ploog sugere ainda que este controlo neocortical pode estar subjacente à capacidade humana para a linguagem (PLOOG, 1992).

Para uma compreensão da génese de um episódio emocional, ou, num plano mais lato, de um sentimento, temos que tomar em linha de conta o processo evolutivo do cérebro humano. Partindo das respostas reflexas primitivas a estímulos exteriores e mecanismos de regulação homeostática, que compartilhamos com outros vertebrados, cuja função primordial é a manutenção das condições de sobrevivência, o processo adaptativo do cérebro humano evoluiu para uma

estrutura complexa de processos de controlo hierarquizados. A integração vertical, ou seja, o modo como os processos de controlo são coordenados através dos vários níveis do neuraxis, ou eixo neural, é fundamental para a compreensão do processo emocional. Esta deve explicar como os reflexos e drives actuam para modelar a memória e a atenção, ao mesmo tempo que se encontram subordinados a processos mais complexos de representação cognitiva. Para complementar este processo, as próprias capacidades cognitivas e de memória do córtex humano são influenciados pelos mecanismos límbicos e do tronco cerebral.

O estudo de doentes com lesões cerebrais focais e doenças neurológicas tem permitido avançar bastante na compreensão da génese e processamento das emoções. Utilizando tecnologias como o estudo de imagens funcionais por ressonância magnética ou a tomografia por emissão de positrões, foi possível localizar diferentes modelos de activação cerebral segundo emoções distintas. Em primeiro lugar, há um número relativamente reduzido de regiões cerebrais que induzem as emoções, e estão localizadas na sua quase totalidade sob o córtex cerebral. Estas principais regiões subcorticais envolvidas encontram-se no tronco cerebral, no hipotálamo e no prosencéfalo basal. A região periaqueductal cinzenta (PAG) é um dos principais centros coordenadores de respostas emocionais, actuando através de núcleos motores da formação reticular e de núcleos dos nervos cranianos, como o nervo vago. A amígdala, uma pequena estrutura localizada numa zona muito profunda do lobo temporal, é outra das regiões subcorticais mais importantes no processo emocional, pelo menos no processamento de informações relacionadas com o medo. Regiões do córtex cerebral como diversos sectores do córtex cingulado anterior e dos córtices pré-frontais ventromediais estão directamente ligados à indução das emoções. Foi possível demonstrar que a indução e a experiência de várias emoções como a tristeza, a cólera, o medo e a felicidade provocam a activação de várias destas regiões, mas segundo padrões distintos para cada uma das emoções. Há aumento da actividade nos córtices ventromedianos pré-frontais, no hipotálamo e no tronco cerebral, na indução experimental da tristeza, o que não acontece no caso da cólera ou do medo, em que não há activação do córtex pré-frontal nem do hipotálamo. Os núcleos do tronco cerebral são activados pela indução da tristeza, da cólera e do medo. No caso da tristeza e da felicidade, o hipotálamo e a região ventromediana pré-frontal são activados segundo padrões diferentes. A amígdala é indispensável para o reconhecimento do medo nas expressões faciais, para o condicionamento do medo, ou mesmo para a própria capacidade de expressar o medo, mas parece nada ter que ver com emoções como a tristeza ou a felicidade (DAMÁSIO, 1998).

Já há muito que se sabia que muitas funções de processamento emocional envolviam a amígdala, através de estudos tanto com humanos como com animais com lesões nesta zona. Apesar de não perderem a capacidade de reconhecer os objectos, tornam-se incapazes de lhes atribuir qualquer significado emocional. Foi demonstrado em extensos estudos experimentais o seu

envolvimento em estímulos com significado emocional, e que tem um papel determinante na avaliação do significado emocional de muitos tipos de estímulos (LEDOUX, 1992). No entanto, não se trata de um processador universal da emoção, pois que a diferentes funções emocionais correspondem inputs e outputs de diferentes núcleos da amígdala.

Estímulos ameaçadores provocam reacções viscerais e comportamentais estereotipadas, o que tem a ver com a conectividade privilegiada da amígdala com os sistemas do tronco cerebral envolvidos no controlo de comportamentos típicos da espécie e às suas reacções autonómicas e endócrinas associadas (LEDOUX ET AL., 1988; LEDOUX, 1987, 1990, 2000).

O acesso da amígdala aos núcleos do tronco cerebral que controlam a musculatura facial está na origem de um dos comportamentos típicos da espécie, a alteração das expressões faciais durante o medo e outras emoções (EKMAN, 1984; TOMKINS, 1962; IZARD, 1977; HOLSTEGE, KUYPERS, & DEKKER, 1977; apud LEDOUX, 1994). Por seu lado, a maior parte das áreas de associação de nível mais elevado no córtex não têm conexão com as áreas motoras do tronco cerebral que controlam este tipo de resposta “estereotipada”, típica da espécie. As suas conexões a nível motor encontram-se no neocórtex e nos gânglios basais, que estão envolvidos no controlo voluntário (JONES & POWELL, 1970; ALHEID & HEIMER, 1988; apud LEDOUX, 1994). Deve-se a esta diferença de conectividade a natureza involuntária e característica da espécie de reacções emocionais primitivas, e a variabilidade das respostas comportamentais controladas por factores cognitivos (LEDOUX, 1994).

A amígdala está activamente envolvida na activação da emoção. Embora a sua relação com estados emocionais como o medo tenha sido a mais estudada, parece não haver dúvidas de que está implicada tanto em emoções repulsivas como apelativas. As funções cognitivas são processadas basicamente através das áreas corticais de associação, como o arquicórtex da formação hipocampal ou as áreas de associação neocorticais (LEDOUX, 1994).

Os diferentes níveis de inputs recebidos pela amígdala podem ajudar a compreender a interacção entre mecanismos cognitivos e emocionais. Assim, as projecções tálamo-amigdalares estão envolvidas no processamento do significado emocional de eventos sensoriais simples; as projecções unimodais cortico-amigdalares, no processamento do significado emocional de padrões de estímulos discriminados ou de objectos reconhecidos; as projecções polimodais ou supramodais cortico-amigdalares, no processamento do significado emocional de representações complexas, como, por exemplo, a memória de um contexto onde teve lugar um determinado estímulo emocional. Além destas, a amígdala recebe projecções a partir do hipocampo, que poderão estar na base de indução de medo ou ansiedade com o suporte de memórias explícitas ou declarativas dependentes da formação hipocampal (LEDOUX, 1987; 1990; PHILLIPS & LEDOUX, 1992; KIM & FANSELOW, 1992; apud LEDOUX, 1994).

A amígdala tem amplas funções na atribuição de sentido emocional a vários níveis da representação de um estímulo, uma que podem ser activadas pela complexa rede de conexões que possui com as diferentes áreas de processamento da informação. As áreas talâmicas de processamento sensorial são ao mesmo tempo ponto de entrada dos sinais sensoriais para o neocórtex, onde se constroem as representações dos objectos a partir dos sinais sensoriais, e para a amígdala, onde lhes é atribuído um significado emocional. Como a amígdala e o córtex podem ser activados a partir do tálamo, a representação de um objecto e a sua carga emocional podem ser processados ao mesmo tempo. Isto pressupõe a possibilidade da atribuição de um significado emocional a um estímulo antes da sua representação completa. O facto de o campo de projecções da amígdala para os sistemas neocorticais ser muito mais largo do que o das áreas neocorticais que projectam para a amígdala pode significar que o processamento dos sinais pela amígdala pode ter uma grande influência modulatória sobre os processos cognitivos organizados a nível cortical. Esta possibilidade ainda é aumentada pelas projecções da amígdala para o tronco cerebral (HOPKINS & HOLSTEDGE, 1978; KRETTEK & PRICE, 1978; apud LEDOUX, 1994) e para o prosencéfalo (PRICE & AMARAL, 1981; RUSSCHEN, AMARAL, & PRICE, 1985; apud LEDOUX, 1994). A amígdala pode assim influenciar directamente o processamento cognitivo por meio de retro-projecções para o córtex e indirectamente através de sistemas do tronco cerebral não específicos (LEDOUX, 1994).

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