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Definição de Emoção segundo critérios científicos

Anexo IV – Paradigmas de comportamento vocal – Valores totais de intensidade relativa dos parciais

Em 3.1, são referidas as diferentes abordagens da psicologia moderna relativamente à emoção, começando pela relação entre os processos cognitivos e emocionais segundo os modelos

3. A Emoção na Psicologia – Introdução

3.1. Definição de Emoção segundo critérios científicos

Com poucas excepções, a emoção como campo de investigação foi deixada à parte tanto pela ciência cognitiva como pela neurociência da primeira metade do séc. XX. Segundo Damásio, esta não era matéria de confiança, tanto na vida real como no laboratório, pela sua natureza demasiado subjectiva e vaga. Provavelmente, estudá-la seria mesmo irracional, por estar no extremo oposto da mais perfeita capacidade humana, a razão (DAMÁSIO, 2000). Era mais fácil e seguro analisar questões facilmente mensuráveis através de testes objectivos. Desse modo, não era necessário tomar em linha de conta o ponto de vista do sujeito, por não ser considerado fiável para um trabalho científico. Porém, desde os anos 60 que várias correntes da psicologia moderna voltaram a atribuir aos vários aspectos da emoção um papel central na investigação sobre o funcionamento da mente humana.

A investigação laboratorial dos fenómenos afectivos era fortemente limitada por várias ordens de razões: em primeiro lugar, por questões de natureza ética e prática, a maior parte da investigação cerebral era conduzida em animais. Em segundo lugar, o que os investigadores cerebrais medem são comportamentos, ao passo que o objectivo das teorias da emoção são os sentimentos, o que cria um hiato entre o objecto de investigação e os modelos teóricos que se pretendem desenvolver. Em terceiro lugar, o meio privilegiado de estudo da vida afectiva e emocional em humanos é a auto-avaliação, geralmente processada através de relatório verbal, o que coloca mais duas dificuldades suplementares para a validação científica dos seus resultados. Por um lado, um certo tipo de investigação não considera fidedignos quaisquer resultados que passem pela introspecção, que é o único meio à disposição do sujeito para avaliar as suas experiências emocionais. Por outro, mesmo utilizando testes com escalas simplificadas, é impossível evitar o recurso a uma qualquer forma de verbalização para categorizar o seu conteúdo.

A partir dos contributos dos teóricos e investigadores do séc. XIX e início do XX, a psicologia moderna baseou-se em métodos laboratoriais para o estudo dos processos emocionais, com o apoio da neurologia. Uma das suas prioridades foi a de definir claramente o que se entende por emoção e até que ponto esta está dependente de processos cognitivos da mente humana.

Por razões metodológicas, vamos apenas referir de passagem a abordagem de algumas correntes comportamentalistas dos anos 60 que consideravam que a utilização da emoção como conceito não tinha lugar no estudo científico do comportamento humano, propondo a sua substituição pelos conceitos de ‘activação’ ou de ‘estímulo’. Vamos também passar por cima do contributo da psicanálise de origem freudiana, pois a emoção como meio clínico, tanto de diagnóstico como terapêutico, ultrapassa os objectivos deste trabalho.

Em primeiro lugar, a grande questão que se coloca é a definição do próprio objecto de estudo, a emoção, a que várias correntes da Psicologia responderam de modo bastante diferente. Esta questão tem constituído matéria de reflexão para psicólogos e neurologistas, com implicações em ramos da investigação como a psicologia social, a antropologia e as ciências da comunicação.

A abordagem integrativa dos vários níveis de problemas que se colocam à mente humana pode ser representada por um esquema simples proposto por Tooby e Cosmides (1997), onde se representam os três níveis de fenómenos complementares numa perspectiva de psicologia evolucionista:

Nível adaptativo Nível cognitivo Base neurofisiológica

A importância relativa dada a cada um destes aspectos está na origem de distintas abordagens da psicologia. A emoção neste processo assume diferentes papéis, segundo a perspectiva subjacente.

Segundo Ekman, a emoção apresenta três características derivadas da adaptação filogenética, que evoluíram com a necessidade de lidar com as tarefas fundamentais da vida: 1 – As emoções apresentam elementos comuns nos diferentes contextos em que ocorrem, apesar das diferenças individuais e culturais da aprendizagem.

2 – As emoções são observáveis noutros primatas.

3 – A sua manifestação é tão rápida que pode ocorrer sem que haja consciência do seu início (EKMAN, 1994).

Este aspecto tem a ver com o facto de as emoções se iniciarem muito rapidamente, através de apreciação automática com um nível de consciência muito reduzido ou mesmo inexistente, acompanhadas de alterações fisiológicas e de expressão involuntárias. Nestas circunstâncias, a experiência emocional apresenta-se ao sujeito como algo que lhe está a acontecer, não algo sobre cujo lugar e tempo de ocorrência possa decidir.

Parece haver padrões distintivos na actividade do sistema nervoso autónomo (SNA) nos casos da ira, medo ou repugnância, bem como um padrão específico para a tristeza. Estes padrões devem ser o resultado evolutivo de padrões de comportamento motor que preparavam o organismo para as acções correspondentes.

Ekman atribui sete características ao fenómeno emocional, como a apreciação automática, características comuns a eventos antecedentes, presença noutros primatas, início rápido, duração

breve, ocorrência involuntária e um quadro fisiológico distintivo. Segundo a sua apreciação, estas características estão presentes em vários quadros emotivos, tanto de carga afectiva positiva ou agradável, como acontece no divertimento, admiração, excitação, interesse, orgulho resultante da conquista de um objectivo, alívio, satisfação e prazer sensorial, como de carga afectiva negativa ou desagradável, como sucede na ira, desdém, repulsa, embaraço, medo, culpa, tristeza ou vergonha. Lazarus também distingue entre emoções de natureza positiva e negativa. A felicidade, o orgulho ou o amor fazem parte das emoções positivas. O conjunto das negativas inclui a ira, ansiedade, culpa, vergonha, tristeza, inveja, ciúme ou aversão (LAZARUS, 1991).

A existência de um sinal distintivo universal, que Ekman considera característica fundamental, transmissor de informação (o que acontece com uma grande parte das emoções identificadas), não está, no entanto, presente em todas. A sua existência ou a sua ausência não devem constituir evidência da realidade de um determinado estado emotivo. Esse sinal foi identificado para algumas emoções negativas, como a ira, o medo, a repulsa e a tristeza (EKMAN, 1989), ou positivas, como o divertimento, o contentamento, a excitação, o orgulho resultante da conquista de um objectivo, a satisfação, o prazer sensorial ou o alívio (EKMAN, DAVIDSON, & FRIESEN, 1990).

Ekman propõe ainda a existência de grupos ou famílias de emoções, ao relacionar cada emoção com estados afectivos relacionados. Cada membro dessa família partilharia as oito características atrás descritas, diferindo das de outra família. Utilizando uma terminologia musical aplicada aos grupos de estados afectivos, cada família teria como traço distintivo um “tema”, que a distinguiria das outras. Este tema seria complementado com “variações”, que seriam o produto das diferenças individuais. Em termos evolutivos, o tema seria produto da evolução, enquanto as variações reflectiriam a aprendizagem.

Para Panksepp, a herança genética não se limita a um conjunto passivo de conhecimentos ancestrais acumulados, mas comporta vastos conjuntos de arquivos de informação dinâmica pronta a ser aplicada (PANKSEPP, 1994). A maior parte dos potenciais de comportamento comum terão portanto uma base genética, devendo ser moldados pelas condições do meio para atingirem um nível de “sofisticação coordenada”.

Em termos de abordagem metodológica das várias correntes de estudo da emoção, Scherer distingue os modelos unidimensionais dos multidimensionais. De acordo com os modelos unidimensionais, uma única dimensão é suficiente para a caracterização dos estados emocionais, a de ‘activação’ ou ‘excitação’, apenas diferindo no grau. Este critério assenta na dimensão variável de ‘agradável’ a ‘desagradável’ para a determinação da sensação emocional, propondo como o mais importante princípio de diferenciação a ‘valência’, que vai do pólo ‘mau’, desagradável, ao pólo ‘bom’, agradável. Este critério permite a distinção entre emoções positivas e negativas,

reflectindo as duas orientações comportamentais básicas, a aproximação ou o afastamento. Esta distinção com base no afecto positivo e negativo foi bastante popular na psicologia social da emoção, sendo um critério aceite para o estudo de estados afectivos e disposicionais, particularmente nos campos da cognição social e personalidade.

No entanto, já em finais do séc. XIX Wundt propôs que a natureza de um estado emocional deveria ser determinada pela combinação de três dimensões independentes, utilizando as coordenadas ‘agradável / desagradável’, ‘repouso / activação’ e ‘relaxamento / atenção’. Na sua obra monumental Grundzüge der physiologischen Psychologie, publicada em 1873, advogou o uso da introspecção (Selbstbeobachtung) aliada aos métodos experimentais para estudar a emoção, incluindo medições através de exames fisiológicos. O modelo proposto por Wundt teve um grande impacto em vários campos da psicologia, em particular na psicologia da emoção, como os desenvolvidos por Schlosberg (1954), Plutchick (1982), e mesmo em alguns dos mais recentes investigadores, como Lang (1994), Borod (1992, 1993, 2000), ou Davidson (1992, 1993), que sugeriu um modelo que relaciona o mecanismo da aproximação / fuga à valência positiva / negativa, postulando localizações cerebrais específicas para estas funções.

Outra linha de investigação, originalmente seguida por Cannon (1927) e outros, e de que Gray (1990) e Panksepp (1982, 1989) são os mais proeminentes representantes actuais, relaciona a diferenciação das várias emoções básicas, ou primárias, com o desenvolvimento evolutivo de circuitos neuronais específicos. Esta noção, que já encontramos em Darwin, pressupõe um número de estratégias desenvolvidas ao longo do percurso evolutivo que terão deixado a sua marca genética num número limitado de emoções básicas ou fundamentais, sendo cada uma activada através de condições específicas, com padrões de reacções fisiológicas, expressivas e comportamentais específicos. Este modelo teórico, que parte de conceitos desenvolvidos em “The Expression of Emotion in Man and Animals” (DARWIN, 1899), deve a sua aplicação à Psicologia moderna a Silvan Tomkins, (TOMKINS, 1962, 1963), que propôs que as emoções fundamentais deveriam ser concebidas como programas neuromotores de base genética. Esta teoria, que pressupõe a existência de reacções emocionais diferenciadas independentes da aprendizagem é conhecida como DET, “Discrete” ou “Differential Emotions Theory”, (teoria das emoções diferenciadas, ou distintas), e foi desenvolvida por Paul Ekman e Carrol Izard (EKMAN, 1972, 1973, 1980, 1992b, 1994; EKMAN ET AL., 1987; IZARD, 1971, 1990, 1994; IZARD ET AL., 1980, 1995), que procuraram obter evidência laboratorial para a existência de um conjunto de padrões corporais e faciais distintivos relativos a um conjunto de emoções básicas, de base genética e universais. A grande variedade e complexidade de estados emocionais seria o resultado da combinação destas emoções básicas, que se poderiam organizar em “famílias de emoções”, explicando-se o desenvolvimento emocional através da influência do meio e da aprendizagem.

Ao tentar definir este conceito, Ekman sublinha que a designação de básico enfatiza o papel do processo evolutivo na moldagem, não apenas dos aspectos específicos como comuns da emoção, em conjunto com a sua função actual. Os factores inatos teriam portanto um papel primordial, tanto na génese das características compartilhadas pelas emoções como nas que as distinguem umas das outras. Para Ekman, a sua evolução deve-se ao valor adaptativo relativamente às tarefas fundamentais da vida (EKMAN, 1994). Para os antropólogos americanos John Tooby e Leda Cosmides, a evolução tem um papel crucial na compreensão das nossas emoções actuais, já que estas “impõem no mundo presente um panorama interpretativo derivado da estrutura co-variante do passado”, ao tratar de situações adaptativas como a luta, o amor, o escapar aos predadores, o confronto com a infidelidade sexual, situações recorrentes na história evolutiva do Homem (TOOBY E COSMIDES, 1990). Este passado ancestral, segundo Ekman, influencia a nossa apreciação ou avaliação (appraisal) de um evento em curso, determinando as nossas respostas emocionais. Este mecanismo de apreciação determina selectivamente o grau de atenção dada aos estímulos, internos ou externos, que podem originar uma determinada emoção. Ao constatar que o intervalo temporal entre o estímulo e a resposta emocional é, por vezes, extremamente curto, Ekman postula que o mecanismo de apreciação deve ter a capacidade de operar com grande velocidade. Além disso, já que em muitas situações nem sequer é consciente, deverá funcionar de modo automático.

Segundo Panksepp, as emoções básicas fazem parte de um conjunto vasto de mecanismos especiais para todas as situações (general-purpose) desenvolvidos através do processo evolutivo, que fornecem aos organismos potenciais de comportamento relativamente complexos, sob a forma de tendências instintivas. Estes mecanismos definem os valores intrínsecos que irão modelar a aprendizagem e regulam o comportamento pela vida fora (PANKSEPP, 1994).

Esta estreita relação entre o desenvolvimento de padrões comportamentais de sobrevivência e a génese das emoções fundamentais é também sublinhada por Plutchik, que as considera biologicamente primitivas, sendo o resultado de um processo evolutivo com o objectivo de aumentar as aptidões reprodutivas do animal (PLUTCHIK, 1980). Ao desenvolver a sua teoria de matriz evolucionária sobre as emoções básicas a partir de dez postulados, começa por afirmar que o conceito de emoção deve ser aplicável a todos os níveis evolucionários – portanto, não apenas biológico, mas também psicológico e comportamental. Embora com características diferentes, não é um fenómeno exclusivo do Homem, mas deverá ser comum a todos os animais. A História evolutiva das emoções definiu distintas formas de expressão emocional segundo as diferentes espécies, que têm a função de ajudar os organismos no seu percurso adaptativo às necessidades de sobrevivência colocadas pelas condições do meio ambiente. Embora cada espécie tenha desenvolvido diferentes formas de expressão, há alguns elementos comuns, ou padrões

prototípicos, que podem ser identificados, que constituem as emoções básicas, primárias ou prototípicas. Todas as outras emoções são estados mistos ou derivados, ocorrendo como combinações, misturas ou compostos das emoções primárias, que podem ser agrupadas em pares opostos em termos semânticos. As emoções variam em graus de similitude e intensidade ou nível de activação.

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