• Nenhum resultado encontrado

Sinais vocais e a sua relação com os sinais faciais

Anexo IV – Paradigmas de comportamento vocal – Valores totais de intensidade relativa dos parciais

Em 4.2, estes processos serão objecto de uma análise mais aprofundada, quando nos detivermos nos aspectos químicos da transmissão de informações através do sistema nervoso.

5. Expressões somáticas da emoção – Introdução

5.2. Sinais vocais e a sua relação com os sinais faciais

A transmissão de informação através de alterações na expressão vocal e facial é particularmente relevante entre as várias modalidades de comportamento social humano. No capítulo VI da sua obra The Expression of Emotion in Man and Animals, Darwin atribui a origem da emissão dos sons vocais a contracções involuntárias e sem objectivo definido dos músculos da glote e do peito. Esta capacidade aprendida foi aproveitada e desenvolvida como meio privilegiado de comunicação. Pela sua capacidade como meio de ajuda para lidar com determinadas situações, como medo, ira, prazer, ajudando a induzir determinadas emoções, passou a ser utilizada sempre que as mesmas sensações ou emoções eram sentidas, mesmo em condições diferentes. Darwin dá particular relevo à utilização de sons vocais por várias espécies animais para a procura de parceiro durante a época de acasalamento. Este parece ter sido a utilidade primordial da voz, associando o seu uso à antecipação de uma situação de prazer. Outro caso em que os sons vocais são utilizados pelos animais que vivem em grupo é o chamamento entre mães e crias, ou entre indivíduos do mesmo grupo. Pelo contrário, em situações onde o indivíduo ou o grupo procuram combater ou evitar uma situação potencialmente perigosa, os animais procuram provocar o terror nos seus inimigos através de sons violentos e ameaçadores. Estes são a expressão somática da ira, e são provocados, segundo Darwin, pela contracção violenta de todos os músculos do corpo, tentando parecer maior aos olhos do inimigo. Associando várias situações potencialmente geradoras de estados emocionais, Darwin associa os movimentos musculares específicos para cada comportamento social e individual com a emissão de um determinado tipo de som. No caso da voz humana, observa que as suas características se alteram sob a influência de diferentes emoções. Referindo-se ao ensaio de Spencer sobre a origem da Música, enumera as variáveis acústicas que sofrem alterações: intensidade, qualidade – que define como a combinação do timbre e da ressonância, altura e os intervalos utilizados no discurso.

Há uma relação estreita entre a informação transmitida através de alterações corporais, especificamente na expressão facial, e o tipo de som emitido pela voz humana. Ainda não é possível identificar experimentalmente a totalidade dos parâmetros acústicos portadores de informação emocional, e de que maneira a sua variação é significativa, assim como as relações entre ambos os tipos de sinais, acústicos e visuais. Sabemos que o processamento da informação afectiva através da voz se realiza preferencialmente no hemisfério cerebral direito, o que foi comprovado através de vários estudos (VAN LANCKER, 1997; CARMON & NACHSHON, 1973; MAHONEY & SAINSBURY, 1987), e confirmado através de ressonância magnética funcional (GEORGE ET AL., 1996). Além disso, estudos com pacientes com lesão no hemisfério direito

demonstraram que estes eram incapazes de reconhecer os aspectos afectivos da prosódia, mantendo inalterados os aspectos conceptuais do discurso.

Uma questão que se coloca desde logo, dada a coexistência de dois tipos distintos de sinais, é como se realiza a combinação perceptual de dois tipos de inputs, visuais e auditivos. Este processo pode ser integrativo, se ambas as categorias são compreendidas como um todo, ou seja, o conjunto de sinais é descodificado em simultâneo, ou, pelo contrário, essa combinação é realizada depois do processamento separado de cada tipo de sinais. Em termos neurológicos, esta questão é particularmente relevante, pois, a haver um processamento simultâneo, isso implicará a partilha por ambos os sistemas dos mesmos recursos funcionais e neuroanatómicos. Este ponto de vista implica uma conexão intrínseca entre ambos, o que pressupõe uma origem comum. Por outras palavras, as alterações na expressão facial provocadas por uma determinada emoção deverão estar na origem das alterações no tracto vocal correspondentes à mesma emoção. Esta ideia foi desenvolvida na sua aplicação à fala, que defende que a linguagem falada se desenvolveu a partir de padrões gestuais de fonação definidos por padrões de movimento do tracto vocal.75 Na sua aplicação à expressão da emoção, sabemos que a mesma informação emocional pode ser transmitida pela expressão facial ou pelo “tom” da voz, sendo igualmente eficaz, independentemente do canal de transmissão utilizado. De acordo com este ponto de vista, a capacidade de reconhecimento da informação, seja conceptual, através da linguagem, seja emocional, através do tom de voz, tem como base a capacidade do ouvinte para reproduzir os padrões gestuais de emissão de voz subjacentes. A origem desta “universalidade” vocal humana estaria nas semelhanças morfo-anatómicas dentro da mesma espécie (DE GELDER, 2000). Investigação posterior sobre a existência de grupos específicos de neurónios que possibilitam este efeito de imitação veio trazer luz sobre a questão, e estabelecer uma base científica para algo de que se suspeitava há muito, mas que não passava do campo da mera especulação. Por isso, desde o primeiro sorriso que o recém-nascido recebe informação afectiva através das expressões faciais e vocais da mãe.

Darwin notou que as crianças eram capazes de modular a sua voz para exteriorizar estados afectivos, mesmo antes de saberem articular palavras. Izard, ao postular a sua teoria das emoções básicas, defende que estas emergem durante os primeiros meses de vida, sem que haja precursores de movimento facial (IZARD ET AL., 1995) e propõe uma confluência entre a expressão da emoção e a experiência subjectiva. Na sequência deste raciocínio, propõe a hipótese de feedback facial, segundo a qual emoções com funções distintas provocam expressões faciais que fornecem pistas sobre que emoção está a ser sentida nesse momento pelo sujeito (IZARD & ABE, 2004).

75 - Teoria da percepção motora da linguagem (motor theory of speech perception), desenvolvida por Liberman e Mattingley, 1985.

A informação veiculada pelas alterações do tipo de som usado na voz falada ou cantada depende de vários factores acústicos. Os primeiros estudos apontavam a altura do som – em termos acústicos, a variação da frequência – como a mais provável fonte de informação emocional (WILLIAMS & STEVENS, 1972). Outros apontavam a duração e a intensidade como portadores de sentido (MURRAY & ARNOTT, 1993). Tanto a frequência como a intensidade ou a duração de um som podem ser portadores de sentido, mas, em termos de emoção, a sua capacidade semântica é muito reduzida. As diferenças de sentido emocional são transmitidas pela variação simultânea de vários parâmetros acústicos, dos quais o timbre, que depende das alterações na forma de elementos do tracto vocal, me parece ser a mais importante. Um som mais agudo do que a norma de transmissão de informação neutra (sem valência emocional), caso seja devido a uma experiência emocional, tanto pode ser originado por emoções tão díspares e contraditórias como a alegria, o medo ou a ira. O mesmo se pode dizer da variação de intensidade. Quando o timbre se altera, então estamos quase de certeza em presença de uma alteração no estado emocional. As variações de intensidade ou de altura, sobretudo quando combinadas, são marcadores de intensidade de uma determinada emoção, não da sua natureza. No entanto, um aumento de intensidade sonora não está directamente relacionado com a intensidade da emoção. Há casos em que, pelo contrário, uma diminuição de intensidade sonora é resultante da maior intensidade emocional.

Vários estudos demonstraram que nem sempre é fácil distinguir as diversas emoções apenas através da sua expressão vocal. Pode haver um grau de indeterminação relativamente grande quando se isolam os aspectos vocais da expressão facial correspondente. Em estudos com pacientes com deficiência de reconhecimento afectivo através da voz ou através da face, alguns investigadores concluíram que havia simetria em ambas as deficiências, ou seja, os pacientes incapazes de processar a informação através da face também eram incapazes de processar a informação através da voz, e vice-versa (VAN LANCKER & SIDTIS, 1992; SCOTT ET AL., 1997). No entanto, esta evidência não parece permitir inferências sobre processamento combinado da voz e da face, ou recursos comuns de processamento ou de representações supramodais (DE GELDER, 2000). Outros estudos parecem confirmar que a percepção de traços emocionais através da voz se processa através de categorias, tal como sucede no caso das alterações faciais (VROOMEN & GELDER, 1996).

Importa esclarecer algumas questões relativas aos aspectos não verbais durante a comunicação. Em primeiro lugar, parece não haver dúvida de que a génese dos sinais faciais está relacionada com alterações internas devidas a diversos mecanismos somáticos, que se traduzem em modificações na estrutura da face. Estes mecanismos têm a sua expressão acústica nas alterações dos sinais vocais a nível não verbal. O processamento destes sinais é realizado através de circuitos neurais complementares, que integram a expressão emocional nos aspectos cognitivos da comunicação. Tanto os sinais faciais como os vocais têm uma dupla função, que será objecto de

análise em 5.4: para o ouvinte, servem de apoio à identificação dos estados emocionais, atitudes e motivação do emissor durante a comunicação verbal; para este, ajudam à persuasão do ouvinte através da identificação do seu estado emocional e disposições, quer reais quer fictícios. Este mecanismo, cuja base neural será objecto de análise em 5.3, é utilizado tanto por actores como por cantores, o que está documentado desde os poemas homéricos, como vimos em 1.2.

Outline

Documentos relacionados