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Anexo IV – Paradigmas de comportamento vocal – Valores totais de intensidade relativa dos parciais

Em 3.1, são referidas as diferentes abordagens da psicologia moderna relativamente à emoção, começando pela relação entre os processos cognitivos e emocionais segundo os modelos

3. A Emoção na Psicologia – Introdução

3.2. Emoção e cognição

O estudo da base neurológica dos processos cognitivos deixou de parte durante muito tempo a emoção, tomando como campo de investigação todos os processos não emocionais, como a percepção, a memória, a resolução de problemas. Esta separação deu origem ao desenvolvimento de dois campos distintos na neurociência, a cognitiva e a afectiva, embora hoje se considere que ambos os processos envolvem a utilização conjunta de mecanismos e processos neurológicos.

A relação entre os aspectos emocionais e cognitivos é uma questão que colocou muitos desafios, segundo diferentes princípios teóricos e linhas de investigação. Segundo Izard, podemos distinguir dois modelos, o cognitivo e o neuro-sensorial. O primeiro baseia-se na relação entre o estímulo e a reacção fisiológica, enfatizando o papel do sistema nervoso autónomo e o estímulo simpático, caracteriza a emoção como uma reacção, ou uma resposta, que procede de processos cognitivos. O segundo coloca o centro do processo no sistema nervoso somático e no estímulo cortical, e que define a emoção como um processo experiencial e motivacional organizado. Este modelo realça a importância dos efeitos da emoção na percepção e cognição, reconhecendo a natureza recíproca das interacções entre os mecanismos perceptivos, emotivos e cognitivos.

Izard defende que a definição de emoção deve tomar em consideração três aspectos fundamentais: em primeiro lugar, a experiência, ou seja, o sentimento consciente de quem sente a emoção; em segundo lugar, os processos que ocorrem a nível cerebral e no sistema nervoso; em terceiro lugar, os padrões expressivos observáveis exteriormente, em particular, a nível da face (IZARD, 1977). Tanto Tomkins como Izard sublinharam o papel fundamental dos aspectos perceptivos e cognitivos no processo emocional, enfatizando a interacção dos factores cognitivos e emocionais em ambos os sentidos. Izard sublinha, no entanto, que os processos autonómico-viscerais que acompanham a emoção podem servir de indicador seguro da sua existência, mas indicam apenas a presença de activação (arousal). Esta tem lugar em função da emoção, mas não é possível identificar uma emoção específica ou mesmo um padrão específico de emoções através de medição do grau de activação. Para isso é necessário o recurso a outros dados, como padrões de expressão facial, dados neurológicos recolhidos através de EMG, e, sobretudo, o indispensável auto-relatório (self-report) fenomenológico.

Antes de mais, é necessário definir o que se entende por cognição, sobretudo quando estamos a tratar de aspectos da vida afectiva. Izard esclarece que a sua noção de cognição não é equivalente à de processamento de informação, já que este é necessário para praticamente todos os processos biológicos e psicológicos, considerando não haver requisitos cognitivos mínimos para a activação de um processo emocional. Ao assumir que a cognição não é causa necessária para a emoção, Izard pressupõe a existência de activadores não cognitivos de emoções. Estas duas

condições implicam a existência simultânea de activadores cognitivos e não cognitivos de emoção, obrigando a uma distinção entre ambos os processos. Para isso, caracteriza a emoção como um processo com três componentes essenciais: neural / avaliativa, expressiva e experiencial. Uma experiência emocional relativa a uma emoção específica é definida como um sentimento particular ou estado motivacional, que é produto directo da actividade dos substratos neuroquímicos dessa emoção, o que implica que o estado subjectivo de uma experiência emocional pode ocorrer sem mediação cognitiva (IZARD, 1994). No caso da componente experiencial, Izard considera a distinção entre emoção e cognição pouco nítida, porque o processo emocional pode incluir imagens ou pensamentos, segundo algumas teorias (ORTONY, CLORE & COLLINS, 1988), ou os próprios processos de apreciação da activação da emoção podem fazer já parte da experiência emocional (LAZARUS, 1991). Por isso, segundo a sua argumentação, tentar estabelecer uma definição para a emoção que inclua aspectos cognitivos torna difícil distinguir a cognição como causa do processo emocional ou como sua consequência, já que o estado experiencial / motivacional na emoção interage com os processos perceptuais, cognitivos e motores. Além disso, segundo a sua argumentação, não é possível equiparar a cognição a processamento de informação, porque todos os tipos de cognição são baseados na experiência que está na base de qualquer forma de aprendizagem, através da memória. O processamento de informação ocorre a todos os níveis de actividade de um organismo, mesmo no caso das unidades mais simples de matéria viva – as moléculas proteicas – até à estrutura mais complexa do reino animal, o cérebro humano com as suas redes neuronais. Izard propõe uma concepção dos níveis de processamento da informação como segmentos num continuum, ou elos de uma cadeia, onde a codificação e descodificação da informação genética se situa numa extremidade e a cognição na outra (IZARD, 1992). Desenvolvendo esta concepção, organiza os diversos tipos de processamento, do mais simples para o mais complexo:

1- Celular – o processo de codificação e descodificação da informação nas unidades mais simples da matéria viva, e, mais importante ainda, nos genes. Estes processos geram directamente emoção e influenciam outros sistemas ou tipos de activação de emoção. Izard propõe que seja este o tipo de processamento responsável pela base emocional que constitui a disposição característica de um indivíduo.

2- Organísmico – também envolve dados codificados geneticamente. Estes dados podem levar à emoção, ou, pelo menos, à expressão de emoção, com muito pouco ou nenhum input exteroceptivo, e é independente da cognição. No entanto, este tipo de processamento envolve muitas vezes dados sensoriais de interoceptores que transmitem sinais de estados da drive fisiológica. Como exemplos deste tipo de processamento teríamos as expressões de aversão

originadas por determinados sabores, ou a ira activada pela dor. Estes dois primeiros tipos de processamento de informação são, segundo Izard, estritamente não cognitivos.

3- Biopsicológico – este tipo de processamento é baseado em interacções entre códigos genéticos e processos biológicos e psicológicos, como a aversão ou o medo a estímulos geneticamente preparados. Este terceiro tipo inclui uma importante componente não cognitiva.

4- Cognitivo – o mais complexo, que inclui os processos mentais que produzem certas formas de memória e os que dependem das memórias baseadas na aprendizagem e experiência. O tipo de processamento cognitivo pode ser automático ou deliberado, consciente ou inconsciente, e incluir memórias de tipo episódico, semântico, explícito ou implícito, excluindo os processos sensoriais e perceptivos.

Em resumo, para Izard, a noção de cognição cobre os dois antecedentes mais largamente estudados da emoção, a apreciação (appraisal) e a atribuição. A memória é requisito indispensável para o processo de atribuição causal que, por definição, deve ser baseada em dados de conhecimento adquiridos através da experiência e guardados em memória. A apreciação, por seu lado, é a avaliação do significado do conhecimento, ou seja, o reconhecimento da relevância de um determinado evento para os objectivos e bem-estar do indivíduo (IZARD, 1992; LAZARUS, 1991).

Para Lazarus, a mediação cognitiva no processo emocional é uma condição simultaneamente necessária e suficiente. Algumas emoções pressupõem um envolvimento cognitivo maior do que outras. Na sua opinião, o caso mais simples, sob o ponto de vista cognitivo, é o alívio, emoção resultante da alteração para melhor de uma condição perturbadora incongruente com o objectivo. Lazarus sublinha que a espécie humana, sendo a mais emotiva de todas, possui, simultaneamente, a capacidade de pensamento mais rica, mais abstracta e mais simbólica.

Uma reflexão sobre os requisitos cognitivos mínimos para que uma emoção possa ocorrer deve colocar a questão de quanta informação é necessária – e de que tipo – sobre a relação entre o sujeito e o contexto envolvente (environment) para que ela possa ter lugar. O desenvolvimento de um estado emocional pleno está dependente de um conjunto de aspectos intrínsecos da relação entre o sujeito e um determinado contexto. A maior parte das emoções ocorre numa situação envolvendo uma relação interpessoal. O que determina a aquisição de sentido com a capacidade de despoletar uma emoção é a relevância de um determinado acontecimento para o bem-estar ou qualquer outro objectivo pessoal, o que envolve sempre as noções de benefício e prejuízo. Para Lazarus, é a justaposição da possibilidade do empenhamento nos objectivos (goal commitment) com a acção (ou inacção) de outra pessoa que tem capacidade de interferir no objectivo que define o conceito de “sentido relacional” (relational meaning), que está na origem de qualquer emoção. Outro dado de natureza cognitiva que é necessário para o desenvolvimento de uma emoção tem a ver com a distinção entre uma condição do meio prejudicial para atingir um objectivo de uma

benéfica. Se esta relação for avaliada como prejudicial, está presente a base para o desenvolvimento de uma emoção negativa. No caso de essa avaliação ser benéfica, poderá desenvolver-se uma emoção positiva. A avaliação de uma situação como capaz de produzir uma determinada emoção passa pela mediação de ambos os conjuntos de informações, o dos objectivos individuais e o das condições do meio. É esta avaliação que fornece as bases cognitivas para a definição do sentido relacional. Desenvolvendo esta noção, Lazarus introduz ainda um outro conceito, o de que cada emoção envolve um sentido relacional diferente e específico, que denomina como “tema relacional nuclear” (core relational theme). Se este for sentido como aplicável a uma situação, a experiência emocional associada a esse tema é inevitável. Dando exemplos práticos de temas relacionais nucleares, caracteriza a ira como resultado de uma ofensa grave contra o sujeito ou a sua família, a ansiedade como uma perspectiva de uma ameaça existencial incerta, a tristeza como experiência de uma perda irreparável, o orgulho como resultado da afirmação do valor individual ao ser atribuído crédito a um objecto ou um feito a que se deu especial valor, ou o alívio como uma transformação de uma situação negativa para melhor.

A base cognitiva que permite o desenvolvimento de uma emoção depende da avaliação sobre a capacidade de um acontecimento poder ajudar ou impedir que um objectivo seja atingido. Lazarus chama a esta capacidade de influenciar um determinado objectivo “relevância de objectivo” (goal relevance), e defende que, na sua ausência, não há qualquer possibilidade de emergência de uma emoção. Em algum nível, seja consciente ou não, deve haver um sentido de relevância de objectivos para que uma emoção seja activada. A complexidade dos requisitos mínimos para este processo vai aumentando à medida que se vai passando de uma emoção genérica para uma emoção mais particularizada (LAZARUS, 1991).

Frijda, por outro lado, distingue o conhecimento consciente (conscious awareness) do processamento complexo de informação. Relativamente ao primeiro, a questão que se coloca é se o comportamento emocional, ou mesmo a resposta fisiológica aos estímulos emocionalmente significantes, podem ocorrer sem uma experiência emocional consciente. Relativamente ao segundo, a questão é se emoções completamente desenvolvidas podem ser evocadas por estímulos simples que não pressuponham a cooperação de estruturas elaboradas de conhecimento ou de processos elaborados de inferência (FRIJDA, 1994). Esta é uma questão fulcral para este trabalho, já que incide na questão da transmissão não verbal de informação emocionalmente relevante. Por outras palavras, será que é possível evocar emoções apenas através de simples sons, formas ou cheiros, por exemplo, e, em caso afirmativo, qual o nível de envolvimento de processamento actual ou anterior de informação? Para Frijda, não há dúvida de que é o significado dos eventos – as suas implicações para o bem-estar e a conquista de objectivos e valores do indivíduo – e não a natureza objectiva dos estímulos que determina a maior parte das emoções. É ainda esta consciência que

modela a experiência emocional e o seu processo de desenvolvimento, e não é apenas a sua causa, mas constitui parte da própria experiência emocional. Frijda reflecte ainda sobre o papel da consciência do acontecimento que provoca a emoção como tal, propondo que a sua compreensão como portador de sentido emocional é simultânea à sua percepção.

Aprofundando o papel dos processos cognitivos na indução da emoção, coloca a questão fundamental no grau de complexidade cognitiva mínimo que permite o desenvolver de um processo emocional completo. Opondo, neste caso, o conceito de ‘cognitivo’ ao de ‘estímulos simples’ ou ‘associações simples’, distingue vários graus de complexidade, partindo dos mais elementares e de acção directa nos processos bioquímicos ou neurais até aos mais complexos, que exigem o recurso a inferências semânticas e associativas, ou ainda a assimilação a esquemas ou expectativas armazenados.

Para que seja possível uma compreensão da medida em que os estímulos têm a capacidade de induzir emoção, Frijda propõe um esclarecimento dos termos utilizados, especialmente as noções de ‘afecto’, ‘disposição’ e ‘emoção’. Em cada caso, o papel dos elementos cognitivos determinantes na indução de um processo emocional é diferente. Segundo a sua opinião, não parece haver desacordo quanto à possibilidade de uma indução não cognitiva nos casos de emoção e disposição, embora um número de agentes fisiológicos seja sinal da existência de alterações disposicionais. Este tipo de estímulos são não cognitivos, no sentido de não necessitarem de processamento complexo de informação, e em muitos casos a sua acção não passa por uma intervenção da consciência (awareness) sobre o seu valor afectivo, ou até da sua presença no processo.

No caso das emoções, que provocam, por definição, alterações na prontidão para a acção, mesmo os mais simples estímulos capazes de despoletar uma emoção envolvem uma determinada medida de cognição, mesmo que elementar, pois passam pela sua comparação a um conjunto de esquemas ou expectativas. Estão neste caso estímulos inesperados ou intensos em situações desconhecidas, estímulos desconhecidos, restrições corporais ou que impliquem interferências num movimento auto-iniciado, perda de equilíbrio, por exemplo. As emoções podem surgir nestes casos porque as acções desejadas não puderam ser executadas. Neste caso, estamos em presença de frustração, que pode ser levada ao desespero – ao comprovar-se a impossibilidade de ajuda, quando se esgota o conjunto de acções que fazem parte do repertório do sujeito para lidar com um acontecimento que provoca aversão. Em ambos os casos há recurso a formas elementares de cognição e de processamento da informação, pois para haver frustração ou desespero é necessária uma prévia definição de objectivos. O caso da angústia devida à separação, por exemplo, pressupõe um prévio estabelecimento de laços a uma figura anteriormente reconhecida como familiar e a quem se atribuiu qualidades positivas. Um evento inesperado ou desconhecido pode provocar

confusão, surpresa, susto, o que implica o estabelecimento prévio de uma situação com um conjunto de condições distintas das que são apresentadas, e da inexistência ou fragilidade de esquemas para gerir esta nova situação. Em casos como este, em que o estabelecimento de objectivos e a expectativa não passam por representações articuladas desenvolvidas através de conhecimento racional ou pensamentos proposicionais, estamos mesmo assim a falar de aspectos cognitivos, embora no sentido de estímulos sensoriais simples que agem no sistema afectivo. Frijda sugere como requisito mínimo um nível de envolvimento cognitivo muito pequeno para que um estímulo possa desencadear uma emoção. No entanto, considera absolutamente desnecessário argumentar se o processamento das variáveis contextuais neste processo deve ou não ser considerado cognitivo, já que tem a ver com coincidência ou não com experiências prévias. (FRIJDA, 1994)62

Partindo de uma questão particularmente relevante, LeDoux põe em causa a própria correspondência dos termos ‘emoção’ e ‘cognição’ com funções reais com representação no cérebro. De acordo com o seu ponto de vista, o uso destes termos não passa de etiquetas usadas para descrever essas funções. A interacção entre estas duas categorias de fenómenos tem lugar no cérebro. LeDoux atribui à noção de cognição a característica de categoria, dando o exemplo de uma árvore. Tal como uma árvore que produz frutos específicos, também o cérebro produz processos cognitivos específicos – como a atenção, a percepção ou a memória. Tal como ‘fruto’, ‘cognição’ é uma categoria, não uma entidade real. Cognição, como categoria, não tem uma representação cerebral específica, porque não passa de uma palavra utilizada para descrever um grupo de funções de processamento de informação, que inclui dados de natureza diversa, embora relacionada entre si. Esses dados incluem o processamento de dados sensoriais, percepção, imagens, grau de atenção utilizado, memória, raciocínio, ou resolução de problemas. Além disso, cada processo cognitivo específico tem as suas representações neurais específicas – o sistema que medeia a percepção visual é distinto do que medeia a percepção auditiva, por exemplo. Num grau de especialização maior, dentro do sistema de processamento dos dados visuais, há circuitos neurais distintos para o

62 - Frijda estabelece o seguinte continuum no grau de complexidade cognitiva necessária para que um determinado estímulo despolete um processo emocional:

1 – Estímulos internos, ou seja, influências directas nos processos bioquímicos ou neurais.

2 – Estímulos sensoriais simples com acção directa sobre o sistema afectivo, como é o caso de sabores ou cheiros.

3 – Estímulos com determinada carga semântica associada, que activam uma reacção afectiva por meio de modelos de correspondências ou associações.

4 – Condições que alteram o grau de facilidade ou dificuldade exigido a uma acção ou tarefa, física ou mental.

5 – Acção de estímulos através da sua assimilação a esquemas ou expectativas armazenados, como figuras associadas ou estímulos familiares, ou da incapacidade de serem assimilados a um esquema deste tipo, como no caso de estímulos completamente novos e inesperados.

6 – Estímulos que agem através de esquemas de inferências semânticas a que estão assimilados. (FRIJDA,

objecto – a forma ou o tamanho, por exemplo, – para a cor, o movimento ou a percepção espacial. LeDoux considera que a descrição dos processos cognitivos específicos é mais esclarecedora do modo como o cérebro está organizado do que o conceito genérico de cognição.

A análise da conectividade dos circuitos neurais implicados nos processos cognitivo e emocional pode servir de pista para compreender as relações entre ambos, além de ajudar a definir os requisitos cognitivos necessários para o despoletar de um processo emocional.

3.3. Sensações, sentimentos, emoções e disposições. Emoções primárias ou básicas e

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