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Diagrama 2 – As esferas de preservação da ordem pública

7 AS OPORTUNIDADES CARNAVALESCAS E A ORDEM PÚBLICA FESTIVA NA

7.1 A RACIONALIDADE DA MULTIDÃO CARNAVALESCA

7.1.1 As expectativas recíprocas de curtição e as configurações de estilos de vida

O Carnaval oferece oportunidades ampliadas de interações significativas. As interações, entre conhecidos e desconhecidos, são significativas para os participantes, porque envolvem afeto, troca e satisfação. O acúmulo de interações significativas é motivado pelas expectativas de curtição e aventura dos foliões. Eles convertem tais expectativas em oportunidades carnavalescas de interações significativas mediante reciprocidade. As expectativas recíprocas estabilizadas estabelecem uma relação de conformidade mútua dos limites e possibilidades de experiências festivas na multidão carnavalesca.

A curtição da festa implica em duas formas de expectativa de fruição. Os foliões podem curtir a festa e curtir na festa. Curtir a festa significa a expectativa de fruição daquilo que é oferecido ou estruturado pelo evento festivo: ver as atrações, dançar e pular, azarar, beber e comer. Por sua ver, Curtir na festa para os foliões consiste na expectativa de fruição

das potencialidades da multidão carnavalesca, como o jogo do tombo, as experiências sexuais, o uso de psicoativos e as azarações.

A curtição na festa com elevado potencial de risco são experiências de aventura para os foliões. As aventuras carnavalescas são experiências de interações significativas de prazer em excesso e com elevado potencial de risco. O prazer em excesso está na adrenalina alcançada nas interações significativas.

As experiências festivas de curtição e aventura são produzidas na reprodução ou rupturas com o estilo de vida da vida cotidiana. Quando pretendem evitar a exposição moral ou a profanação do Eu (GOFFMAN, 1974), os foliões reproduzem na festa comportamentos próprios do seu estilo de vida cotidiano, ou seja, é uma experiência normalizada do Eu folião. Nas experiências extraordinárias, os participantes procuram se desvincular das representações normalizadas do Eu e das expectativas positivas de envolvimento situacional impostos pelos papéis sociais cotidianos (GOFFMAN, 2007; 2010; 2011), significando uma experiência de ruptura com a vida cotidiana e seu estilo de vida. Com efeito, a reprodução ou a ruptura com o estilo de vida da vida cotidiana condiciona as experiências dos foliões na multidão carnavalescas.

As diversas configurações (ELIAS, 2008) de estilos de vida (BOURDIEU; 2012) ou cultural não se distanciam das estruturas e racionalidade dos contextos sociais de origem, mas, no Carnaval, elas não são definidas estritamente pelos padrões de consumo ou de existência dos seus adeptos como na vida cotidiana. Na festa, as configurações são formadas pelas disposições duráveis e as práticas sociais dos foliões. Estes estilos são definidos pelas expectativas recíprocas vinculadas aos laços de parentesco, à orientação sexual e outras formas de identificação social e cultural. As configurações de estilos de vida no Carnaval incluem LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, transexuais, travesti e intersexuais), juvenil, alternativo, o estilo família, esportivo-marcial e favela.

A atração sexo-afetiva pelo outro do mesmo sexo não é o elemento definidor do estilo de vida LGBT. Esse grupo representa o estilo de pessoas que se “assumem” e se associam a outras com gostos sexuais semelhantes como parte de sua vida. A abertura e reconhecimento social para a conquista e estabelecimento de relações também caracteriza esse estilo de vida.

A juventude, que no Carnaval tem uma idade media de 15 a 19 anos, é bastante diversificada em relação à classe, raça/cor, gênero e orientação sexual. Entretanto, a energia, a busca pela autenticidade e a abertura para as experimentações são traços definidores do estilo de vida juvenil das configurações carnavalescas. Os jovens são cheios de energias, muito dinâmicos e ativos. Embora tenham dinamismo e energia, os jovens têm problemas diversos,

mas vivem sua vida compartilhando e se divertindo de várias maneiras. A busca incessante pela autenticidade é outra marca do estilo de vida juvenil, sendo enumeradas as escolhas feitas para atingir a autenticidade. As roupas, os acessórios, o visual dos cabelos e a maquiagem são protagonistas para a autoexpressão e identificação de grupo. E participar (ou sentir-se membro) desse grupo é legitimar-se como adolescente autêntico, moderno e independente. Os jovens querem conhecer e experimentar muitas coisas ao mesmo tempo, eles querem tentar tudo o que podem. Desse modo, a curiosidade pela descontração psicoativa e pelas relações sexuais hétero e homoafetiva aflora em momentos festivos significativos.

Um estilo de vida alternativo, no geral, é percebido como sendo externo à norma social vigente. Geralmente, mas não sempre, esse é um estilo que mantém uma afinidade ou identificação com movimentos subculturais. O termo “alternativo” tende a ser conjugado a formas de estilo de vida, muitas vezes baseadas na decisão de substituir preferências ou de não trilhar a linha de conduta e de pensamento vigente.

O estilo família caracteriza o modo de vida dos grupos familiares, cujos membros realizam encontros preferencialmente entre si, sobretudo os encontros voltados para o lazer. Neste estilo, os mais novos estão sempre acompanhados dos mais velhos, principalmente nas ocasiões em que não podem sair sozinhos. Assim, os mais novos não ficam impedidos de sair, mas só fazem na companhia dos membros mais velhos da família. Muitos foliões tiveram seu primeiro contato com a multidão carnavalesca e foram socializados na dinâmica do carnaval acompanhados dos pais. Esse é um ritual de inserção típico do estilo de vida familiar, que, às vezes, é passado para as gerações futuras.

A busca pelo corpo bélico caracteriza o estilo de vida esportivo-marcial. Por meio da prática esportiva das artes marciais, os adeptos instrumentalizam seus corpos para o combate. Eles, no geral, os homens, recorrem à ameaça ou ao uso da força física como recurso de afirmação da identidade. Ter um corpo musculoso e portar capital muscular intimida pela ameaça ou potencial uso da força, mas o uso efetivo do corpo como arma, numa situação de confronto, requer vigor bélico, ou seja, o emprego estratégico da vitalidade corporal.

Na minha galera só tem “Pitbull”, porque todo mundo é treinado... é treinado para aquilo [confronto]. Todos treinam alguma coisa. Não tem um... pelo menos naquela galera, não tem um que não treine alguma coisa. Eu treinava boxe, muay thai e jiu jitsu (Juan, 20 anos).

Um corpo desprovido de massa muscular pode surpreender outro abastardo desse capital, pois, o capital muscular torna o corpo uma arma de grosso calibre. Contudo, sem o vigor bélico, o corpo apresenta grandes limitações de agilidade e perícia num possível confronto.

O estilo favela tem como particularidade a defesa dos jovens das periferias da sua identidade social. Embora os jovens das periferias absorvam e resinifiquem elementos da moda difundida pelas classes médias, os parâmetros incorporados ao seu estilo recebem significados ambíguos. Os parâmetros do corpo, que no estilo favela são signos de status, fora desse círculo, são considerados signos de estigma. Tais parâmetros, que incluem marcas e combinação de peças de roupas e corte e tingimento dos cabelos, quando apropriados pelas classes populares recebem rótulos preconceituosos e racistas.

A gente sempre julga, infelizmente. A nossa sociedade sempre julga, e eu não seria diferente. Então, sempre que a gente vê aquela pessoa com o porte denominado do mal, digamos assim, sempre tem aquele receio. Sempre tem aquele preconceito. Eu tenho vergonha de falar isso, apesar de que é normal. Mas... pessoas com aquelas vestimentas mais despojada, aquelas vestimentas mais florescentes, o corte de cabelo, o corte da sobrancelha, piercing, tatuagem, apesar de ser completamente contra, as vezes a gente julga sem querer (Francielle, 15 anos, Foliã).

Com efeito, o estilo favela é caracterizado pela resistência dos seus adeptos ao preconceito, à repressão social e institucional, contra a construção de sua identidade. Além disso, esse estilo absorve e é absorvido pelos integrantes de grupos criminosos nos contextos de sua construção, mas, de qualquer sorte, ao adotar o estilo favela, os jovens da periferia pretendem não viver sós e nem isolados em seu próprio mundo.

De acordo com a ordem em que estão dispostos os estilos de vida acima, há uma tendência em assumirem uma conformação heteronormativa. O ser hétero, visto como a sexualidade padrão, está implicada a um conjunto de coisas e ideias que trata a heterossexualidade como norma. Ligado a essa postura encontra-se a afirmação das identidades ofensivas, que envolvem o combate, o comportamento desafiador e o uso da força. A afirmação da virilidade masculina é a expressão máxima dessas identidades.

As diferenças de classes sociais e raciais também são as condições objetivas de distinção dos estilos de vida. A condição de classe e raça faz com que o estilo favela destoe das demais configurações. Os foliões negros e pobres se concentram na configuração favela. Os outros estilos apresentam variações de configuração que tem a classe média branca como segmento expressivo.