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Diagrama 2 – As esferas de preservação da ordem pública

3.2 TRABALHO DE CAMPO

Como estratégia de trabalho de campo foi estabelecida uma atuação que permitiu um “olhar de dentro e de perto” (MAGNANI, 2009). Com a inserção no campo, a pretensão consistiu em participar ativamente do Carnaval de Salvador.

A investigação foi desenvolvida, acompanhando a passagem dos trios independentes e os desfiles dos blocos de trio. O público da festa conta com três principais circuitos: Dodô (Barra-Ondina), Osmar (Campo Grande-Avenida Sete) e Batatinha (Centro Histórico). Entre os circuitos Batatinha, Dodô e Osmar residem uma diferença significativa: a presença do trio elétrico. Diferentemente dos dois últimos, as atrações no circuito Batatinha revezam as apre-

sentações nos palcos ou desfiles pelas ruas do centro histórico sem a utilização do trio. Assim, em conformidade com o objetivo da pesquisa, o trabalho de campo foi realizado nos circuitos com maior circulação de foliões e efervescência corporal, ou seja, nos circuitos por onde des- filam trios elétricos: Dodô e Osmar.

Como apoio analítico e comparativo, o estudo também acompanhou a dinâmica de du- as festas de grande destaque no calendário festivo e que atraem grandes concentrações de fo- liões durante os festejos: a Micareta de Feira de Santana e a Lavagem de Arembepe. A Mica- reta de Feira de Santana há muito tempo deixou de ser uma festa local, pois, representa o se- gundo maior destaque no gênero de festas populares na Bahia e no Nordeste. Já a Lavagem de Arembepe tem início com o cortejo religioso. O percurso começa na Igreja da Volta do Roba- lo e segue até a praça das Amendoeiras, na igreja do padroeiro da localidade, São Francisco de Assis. Assim, misturando ritmos e muita animação, milhares de pessoas acompanham a tradicional lavagem e curtem diversas atrações durante quatro dias de festa.

3.2.1 Cronologia do trabalho de campo

Em 2013 foi dado início ao trabalho de campo da pesquisa. Nesse ano foram duas in- cursões de caráter exploratório. A primeira incursão foi realizada no Circuito Dodô (circuito Barra-Ondina), na sexta-feira, dia 8 de fevereiro. A observação ocorreu entre as 6 horas da noite e 1 hora da manhã (7 horas de observação). Foram acompanhados os desfiles de três blocos de trio, Burburinho (Alexandre Peixe), Yes (DJ Bob Sinclar), Fissura / Aviões Elétrico (Aviões do Forró) e Nu Outro (Jammil), e dois trios independentes, Psirico e Daniela Mer- cury.

A segunda incursão foi realizada no Circuito Osmar (circuito Campo Grande), na terça-feira, dia 12 de fevereiro. A observação ocorreu entre as 5 horas da tarde e 11 horas da noite (6 horas). Nesse dia foi possível acompanhar os desfiles de quatro blocos de trio: Coruja, com Ivete Sangalo; Camaleão, com Chiclete com banana; As muquiranas, com Parangolé; Traz a massa, com Black Style; o Bloco Olodum, com a banda Olodum; e um Trio independente, com a Banda Eva.

Os aspectos observados nessa incursão se concentraram na atuação do policiamento estatal, no perfil dos cordeiros, na estrutura hierárquica e operacional da segurança dos blocos, na gravidade dos conflitos violentos, nos fatores objetivo de estresses e nos facilitadores dos conflitos violentos, na contribuição do policiamento estatal e dos cordeiros para a violência expressiva e na diferença entre os circuitos.

Em 2014, ano de ingresso no doutorado, o trabalho de campo foi realizado tendo ainda um caráter exploratório, tendo sido realizadas duas incursões. A primeira foi feita no Circuito Dodô, na sexta-feira, dia 28 de fevereiro. A observação ocorreu entre as seis horas da noite e uma hora da manhã (7 horas de observação) e essa foi a primeira incursão como folião associado. A observação ocorreu dentro do Bloco Fissura / Aviões Elétrico, um bloco de trio animado por uma banda de forró (Aviões do Forró). Por esse ângulo foi possível conhecer internamente a estrutura da segurança dos blocos e verificar a relação custo-benefício em curtir a folia como folião associado.

A segunda incursão foi realizada no Circuito Osmar, no domingo, dia 2 de março. A observação ocorreu entre as seis horas da noite e uma hora da madrugada (7 horas). Além dos aspectos observados no ano anterior, nesta incursão o foco da observação foi a fila e a ordem do desfile dos blocos de trio.

Neste mesmo ano foi realizada a primeira incursão nas micaretas de Arembepe e Feira de Santana. A proposta consistia em conhecer, por meio dessas festas, o Carnaval baiano. Em Arembepe a observação ocorreu nos dois principais dias da festa, no sábado e domingo, e em Feira de Santana a investigação ocorreu no sábado. Apesar das diferenças, a presença dos blocos de trio confere às duas festas algumas semelhanças objetivas com a folia corporal do Carnaval de Salvador.

Em 2015, o trabalho de campo foi realizado tendo objeto e objetivos definidos, e as incursões contaram com roteiro de observação, que foi sistematicamente seguido e testado. No total, foram oito dias de incursões, seis nos dias oficiais do Carnaval e dois no Furdunço. Durante a festa momesca foram cinco incursões no circuito Dodô, três como folião “pipoca” e dois como folião associado. Na folia “pipoca” as incursões ocorreram na quinta, segunda e terça-feira, e tiveram uma duração media de oito horas cada uma. Destaque para a fila dos blocos, que contou com pouquíssimos trios independentes com artista de peso, sobretudo no horário nobre. Como folião associado, as incursões ocorreram no sábado com o Bloco Vumbora e no domingo com o Bloco Camaleão, ambos animados pelo cantor Bell Marques. Em cada dia, a observação teve uma duração media de nove horas. Em comparação com o bloco observado no ano anterior, as duas entidades apresentaram diferenças no espaço interno e no perfil dos associados. E o duplo ângulo de observação (“pipoca” e associado) permitiu identificar nuances na estrutura organizacional da segurança privada dos blocos e na expressividade corporal dentro e fora da corda.

Já o furdunço ocorreu em dois dias diferentes e em dois circuitos distintos. Um aconteceu no dia e no circuito que viriam a ser instituídos como oficiais, ou seja, no domingo

que antecede a semana comemorativa do Carnaval: o circuito Ondina-Barra. O outro aconteceu na sexta-feira de Carnaval no Circuito Osmar. O destaque foi a presença de trio elétricos e atrações artísticas de peso.

Neste mesmo ano, as incursões nas micaretas de Arembepe e Feira de Santana foram intensificadas, com a realização de observações em todos os dias da festa de Arembepe. E na micareta de Feira de Santana foram observados dois dias de festas como folião pipoca e associado, durante à noite e madrugada. Com a ampliação dos números de dias da festa que foram observados, as hipóteses levantadas no Carnaval puderam ser verificadas.

No ano de 2016, o trabalho de campo ganhou mais um ponto de observação: o camarote. Esse terceiro ponto de vista permitiu verificar a extensão da corda dos blocos e avaliar a distribuição do espaço dentro e fora da corda. A incursão via camarote ampliou o período de observação. Durante dois dias foi possível ficar observando a festa durante a madrugada.

Nesse Carnaval foram feitas incursões em mais três blocos de trio. Na sexta-feira, a observação foi no Bloco Banana Coral; no sábado, foi a vez do Bloco Yes; e, no domingo, no Bloco Me Abraça. Esses três blocos possuem públicos associados bem distintos entre si.

No Carnaval de 2017 e 2018, o foco das incursões foi a folia “pipoca”. Desde o início da pesquisa, o trabalho de campo teve como foco a folia protagonizada pelos blocos de trio, por conta da sua predominância na cena carnavalesca soteropolitana. Como veremos adiante, a falta de patrocinadores tiraram vários blocos da rua, sobrando espaço para os trios independentes. Com isso, o foco das incursões destes dois anos esteve centrado na passagem dos trios independentes, com artistas consagrados na cena carnavalesca, como Ivete Sangalo, Claudia Leite, Daniela Mercury, Saulo e Igor Kannário.

Além dos trios independentes, os blocos também foram acompanhados. Nestes dois anos, as incursões foram realizadas na condição de folião “pipoca”. E para os dias de grandes concentrações e predominância de bloco na fila de desfile, as observações foram realizadas do camarote.

3.2.2 Redefinição do objeto e dos objetivos da pesquisa

Inicialmente, a pesquisa teve como objeto de estudo a segurança privada dos blocos de trio. O objetivo geral consistia em compreender as práticas de policiamento operacionalizado pela governança dos blocos de trio e seus efeitos no controle da multidão do Carnaval de

Salvador. Em 2016, o Carnaval de Salvador passou por algumas mudanças e o objeto e o objetivo de pesquisa tiveram que se adequarem a elas.

A crise econômica mundial, que atingiu diversos setores da economia brasileira, também afetou o Carnaval de Salvador. As entidades carnavalescas foram reduzindo a sua participação nos dias da festa por conta da redução do apoio financeiro de antigos patrocinadores. A ausência de patrocinadores foi maior e várias entidades não conseguiram botar o bloco na rua. O governo do estado e a prefeitura tiraram proveito dessa situação, contratando os artistas que ficaram sem blocos para desfilarem em trios independentes. O resultado dessa configuração político-econômica foi a redução dos blocos de trio. Com isso, a folia “pipoca” comandada por artistas renomados tem sido a sensação da festa nos últimos anos.

Qual o impacto disso sobre o trabalho de campo? É que o objeto da pesquisa estava se tornado um coadjuvante da festa. A concentração de foliões em torno dos trios independentes, isto é, a folia corporal não segregada, voltou a ser o grande protagonista do Carnaval de Salvador. Com efeito, o campo de pesquisa abriu a possibilidade de ampliação do objeto de investigação. Com mais trios independentes na rua, a pesquisa ganhou abertura para conhecer os padrões de expressividade corporal e as redes informais de segurança. Com essa abertura no campo, o objetivo da pesquisa foi ampliado para compreender as redes plurais formais e informais de segurança e as práticas de policiamento empregadas na gestão e controle de multidão no Carnaval de Salvador.