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Diagrama 2 – As esferas de preservação da ordem pública

4.1 OS CIRCUTOS E OS ESPAÇOS DA FESTA

O Carnaval é um momento de festa, e de todas as festas brasileiras, ele é a maior e a mais popular. O Carnaval do Brasil é um dos mais famosos do mundo e, todos os anos, atrai milhares de pessoas dos diferentes pontos do planeta. Na Bahia, o Carnaval de Salvador é o maior evento de rua do estado e é considerado por muitos, também, o maior do país. Em cada dia de festa, mais de 500 mil pessoas passam pelos circuitos oficiais da festa.

O evento que atrai milhões de foliões conta com três principais circuitos: Dodô (Barra- Ondina), Osmar (Campo Grande-Avenida Sete) e Batatinha (Centro Histórico). Nesses circuitos, os trios e artistas renomados desfilam pelos pontos mais conhecidos da cidade e pelos casarões do Centro Histórico. Desde 2016, a festa conta também com mais um polo de atrações: o Circuito Orlando Tapajós (Ondina-Barra). Nesse circuito ocorre o Furdunço e o Fuzuê, duas festas que marcam o pré-carnaval de Salvador. Existe ainda uma programação de carnaval alternativa no Palco do Rock, Villa Infantil e no Carnaval dos Bairros, que acontece em Cajazeiras, Nordeste de Amaralina, Periperi, Plataforma, Pau da Lima e em outras regiões da capital baiana.

No Circuito Batatinha, a folia acontece nas praças e no famoso Pelourinho. A ideia de festejar o Carnaval no local veio do Projeto Pelourinho Dia e Noite e um dos objetivos do circuito é reviver Carnavais passados e apresentar um ambiente mais familiar. Os concursos, os desfiles, as marchinhas e as fanfarras são as principais atrações.

Entre os circuitos Batatinha, Dodô e Osmar residem uma diferença significativa: a presença do trio elétrico. Diferentemente dos dois últimos, as atrações no circuito Batatinha revezam as apresentações nos palcos ou desfilam pelas ruas do centro histórico sem a utilização do trio.

Os circuitos “Dodô” e “Osmar” têm os perímetros mais cobiçados da festa e foram assim batizados como uma homenagem póstuma aos inventores do trio elétrico. O circuito Osmar/Campo Grande é o mais tradicional. Já o circuito Dodô (Barra/Ondina) era considerado percurso alternativo do Carnaval baiano.

O Circuito Osmar/Campo Grande, também conhecido como circuito da Avenida, é o trajeto mais antigo do Carnaval de Salvador, onde tudo começou. Partindo do Campo Grande, percorre toda a Avenida Sete de Setembro, retorna pela Rua Carlos Gomes e continua até o Hotel da Bahia. O trajeto inclui outros locais históricos, como a Praça Castro Alves e o Forte de São Pedro. O percurso tem aproximadamente 4 km e 5 horas de duração.

Figura 1

Trajeto do Circuito Osmar

Fonte: Site Bahiafolia

Esse é um circuito que não é cercado por camarotes. Exceto os camarotes Casa D'Italia e Polícia Militar, a prefeitura de Salvador disponibiliza milhares de lugares em arquibancadas com preço populares no largo do Campo Grande. A vista do alto fica por conta das janelas dos prédios e casarões antigos.

Com o passar dos anos, o circuito tradicional (Campo Grande) se tornou pequeno para um número cada vez maior de turistas e foliões. As ruas do circuito são consideradas estreitas para a multidão que recebe.

[Prefiro] o circuito Barra-Ondina. Já sair [no circuito Campo Grande] várias vezes. Mas é muito apertado. Ficou apertado demais pra sair acompanhado.

Em determinados pontos ali, o bolo é muito grande, não dar pra você pular, não dar pra você se divertir (André, 39 anos Folião).

Na década de 1980 surge o circuito Dodô. Oficializado em 1992, o circuito liga as praias da Barra e Ondina e tem início no largo do Farol da Barra, passa pelo Cristo da Barra, Morro do Gato (Avenida Oceânica) até chegar a Avenida Ademar de Barros (próximo ao monumento das Gordinhas). O percurso tem aproximadamente 4,5 km e 6 horas de duração.

Figura 2

Trajeto do Circuito Dodô

Fonte: Site Bahiafolia

O trajeto marca o crescimento da folia e a evolução da festa em termos de estrutura. É nesse circuito que está situado alguns dos grandes hotéis da cidade e os badalados camarotes. Hoje é um dos pontos de maior efervescência do Carnaval de Salvador.

A camarotização do Carnaval de Salvador é uma tendência que vem se concretizado ao longo dos anos. Os camarotes são espaços elevados, montados ao longo do circuito, dos quais o Carnaval de rua pode ser observado. As instalações incluem buffet, open bar, acesso privativo à praia, pista de dança e shows entre a passagem dos trios. Os mais luxuosos oferecem também salão de beleza e sala de relaxamento com massagem. Embora seja uma tendência crescente a camarotização da festa, os espaços da rua continuam sendo ocupados por milhões de foliões.

A rua se configura um espaço de disputas. E a cada ano essas disputas se tornam mais complexa e acirrada. Nos últimos anos, a disputa pelas vendas de bebidas nos circuitos criou novos atores e agregou mais uma fonte de tensão à festa.

Desde 2012, a Prefeitura tem firmado contratos de patrocínio oficial da festa, que garante a empresa patrocinadora exclusividade na venda dos produtos e publicidade nos circuitos Dodô e Osmar, durante os dias de Carnaval. A principal interessada nesse modelo de patrocínio são as cervejarias. Do ponto de vista econômico, o modelo de parceria firmado pela Prefeitura é lucrativo para os cofres públicos. Do ponto de vista do consumo, o modelo suprime a liberdade de escolha dos consumidores.

Quando a marca da cerveja agrada a maioria dos foliões, a supressão de liberdade não gera grandes tensões. Contudo quando a marca da cerveja patrocinadora não tem uma grande aceitação entre os foliões, estes geram uma demanda pela venda clandestina. Desse modo, vendedores e foliões se viram para driblar a restrição às cervejas que não podem ser vendidas.

É comum foliões se aproximarem dos vendedores ambulantes e perguntarem a eles sobre as latinhas geladas que estão no fundo do isopor. Nessa hora, eles olham para os lados, coloca a mão no gelo e retira a latinha desejada. E em alguns casos, o preço pode chegar a custar três vezes mais do que o valor da latinha patrocinadora (Diário de campo, 2017).

Nesse modelo de Carnaval, quando a cerveja desejada entre os foliões não é da marca patrocinadora, ela vale ouro no isopor dos ambulantes. Os vendedores se valem da lei da oferta e da procura e do risco da operação. Com o patrocínio exclusivo das cervejarias nos circuitos da festa, a venda de outras marcas cria um mercado clandestino de cerveja.

Para garantir o cumprimento da exclusividade e também coibir a presença de ambulantes não credenciados, a prefeitura contrata agentes que atuam como fiscais nos circuitos durante a festa. Assim, os agentes da Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo do Município (SUCOM) ficam responsáveis pela parte de publicidade, e os agentes da Secretaria Municipal de Ordem Pública (SEMOP) fiscalizam o comércio dos produtos.

Os profissionais supracitados realizam vistorias minuciosas. Em alguns casos, eles literalmente metem a mão nos isopores dos ambulantes para verificar a existência de outras marcas comercializadas dentro dos limites colocados pela prefeitura. Caso sejam flagrados comercializando outra marca de bebida, os agentes da SUCOM apreendem a mercadoria e o vendedor perde a licença para atuar no Carnaval.

E para garantir a segurança da operação de fiscalização das vendas dos produtos e da publicidade da marca patrocinadora oficial do Carnaval, a prefeitura estalou barreiras de

segurança nos pontos de entrada dos circuitos da festa que recebe, todos os anos, uma média de um milhão de visitantes.

As barreiras montadas ajudaram a aumentar a segurança. Elas funcionam como pontos de controle de entradas de produtos, logo são pontos de triagem para evitar que produtos de outras cervejarias, que não os das patrocinadoras, sejam comercializados. Os foliões e ambulantes são impedidos de comercializarem produtos não autorizados. Com efeito, essas barreiras serviram de modelo para os portais de abordagem da Polícia Militar instalados posteriormente nos principais acessos dos circuitos. Por meio desses portais, os Policiais Militares (PMs) pretendem controlar o acesso ao circuito com objetos não permitidos, como garrafas de vidro e objetos perfuro cortantes que possam servir como armas – entre eles os espetinhos.

Os circuitos Dodô e Osmar são espaços de conflitos comerciais, que agregam tensões à fruição das oportunidades festivas dos foliões. Além disso, a privatização do consumo de bebidas impõe uma gestão do espaço. Os isopores dos vendedores ambulantes devem ser padronizados e estar perfilados sobre a calçada. As caixas ficam lado a lado sobre o passeio e em paralelo com o paredão dos camarotes. O corredor que se forma é utilizado pelos foliões para circulação ou como audiência.