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Diagrama 2 – As esferas de preservação da ordem pública

2.2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.2.5 Policiamento

O policiamento envolve um conjunto de atividades que tem como finalidade preservar a segurança de uma ordem pública, particular ou social em geral (REINER, 2004). Comumente, sob a perspectiva jurídica funcionalista, a ordem social é concebida como o funcionamento estável e efetivo de qualquer sociedade humana, que se baseia em relações de respeito mútuo, no desempenho de papéis sociais preestabelecidos e aceitação, de modo geral, das normas de convivência estabelecidas. Baseada no consenso funcionalista, tal perspectiva, concebe a ordem como um sistema social que deve apresentar um nível mínimo de desvios às regras estabelecidas para determinado tempo e espaço concretos, que regula o seu funcionamento. Segundo essa concepção, a necessidade de manutenção da ordem tem como sentido a previsibilidade do comportamento dos indivíduos subordinados a essa ordem (DIAS, 2014).

A ordem social pode estar baseada, de forma latente ou manifesta, em um consenso de interesses, ou, também, em um conflito de interesses e opressão, entre grupos sociais que guardam uma distância na hierarquia das vantagens ou, talvez, num complexo entrelaçamento de ambos (REINER, 2004).

A ordem social não ocorre espontaneamente. Tal ordem é obtida mediante um controle social efetivo, e essa efetividade está vinculada a uma noção especifica de controle social. De modo amplo, o termo é visto como tudo que possa contribuir para a reprodução da ordem social. Para Reiner (2004, p. 20), o conceito amplo não “distingue a especificidade do que comumente é entendido como processos de controle. Isto é, que tais processos são essencialmente reativos, deliberados para prevenir ameaças à ordem social ou responder a elas”.

Seja em sua interpretação ampla seja na mais específica, a noção de controle social pode ser avaliada de forma positiva ou negativa, segundo diferentes interesses ou posições políticas. “Nas versões conservadoras da sociologia funcionalista [...], o controle social era

visto como a salvaguarda necessária do consenso que escorava a ordem social”. Na visão da teoria de rotulagem e das posições radicais que se seguiram, na criminologia e na sociedade do desvio, “mudaram a avaliação moral das instituições de controle. Longe de ser visto como uma proteção necessária contra os desvios, o controle social passou a ser considerado seu produtor, pelos efeitos de rotular e estigmatizar” (BECKER, 1963; LEMERT, 1967apud REINER, 2004, p.20).

Todas as análises radicais, no entanto, vêem o controle social, pelo menos em parte, como a manutenção opressiva da posição privilegiada dos grupos dominantes. Críticas mais complexas, entretanto, consideram o controle social como inextricavelmente entrelaçando a manutenção da ordem universal benéfica com a dominância e opressão sociais [...] (REINER, 2004, p. 21).

Reiner adverte, que o conceito de policiamento está bastante próximo ao de controle social e sujeito às mesmas variações de emprego e de interpretação. Assim como sucede com o uso amplo do conceito de controle social, a definição ampla de policiamento, como sendo a função de manter o controle social na sociedade,

Traz consigo o perigo de ser amorfo. Ela perde a especificidade da idéia de policiamento como um aspecto particular dos processos de controle social. [...] assim, policiamento não pode ser considerado co-termo de controle social, mas deve ser visto como uma fase ou aspectos específicos dela (REINER, 2004, p. 21-22).

Para Reiner, a atividade policial está voltada para garantir a ordem social. Contudo, adverte que, policiar não abrange todas as atividades destinadas ao alcance da ordem social. “O que é específico ao subconjunto do policiamento nos processos de controle é ele envolver a criação de sistema de vigilância associados à ameaça de sanção dos desvios descobertos [...]” (REINER, 2004, p. 22).

Assim, a ideia de policiamento é um aspecto particular dos processos de controle social, voltados para assegurar a ordem social. O policiamento “ocorre universalmente em todas as situações sociais onde houver, no mínimo, potencial para conflito, desvio e desordem”. E a sua operação “envolve vigilância para descobrir infrações existentes ou previstas, e a ameaça ou mobilização de sanções para garantir a segurança da ordem social” (REINER, 2004, p. 27).

Ao se debruçar sobre os padrões de policiamento, Bayley (2006) reconhece que a definição de força proposta por ele erra intencionalmente por sua amplitude. Embora permita a vantagem de um estudo comparado, a amplitude da definição cria um problema para se administrar tantos dados. A solução encontrada pelo autor foi escolher as características da atividade policial que sejam mais relevantes no mundo contemporâneo. “Para grande maioria

das pessoas, as forças policiais mais autoritárias e importantes em suas vidas são aquelas públicas, especializadas e profissionais”. Público ou privado faz referência à natureza da agência policial. O policiamento torna-se especializado na medida em que as agências são direcionadas a concentrar-se em especial na aplicação de força física. “Uma força policial especializada se concentra na aplicação de força; uma força policial não especializada possui autorização para fazer uso da força, mas é capaz de fazer mais outras coisas também” (BAYLEY, 2006, p. 20-23).

De diversas maneiras, na prática, as características de público/privado e especializadas/não-especializadas podem ser combinadas. As combinações possíveis formam padrões de policiamentos diferentes: policiamento público especializado, policiamento público não-especializado, policiamento privado especializado e policiamento privado não- especializado. E a profissionalização faz referência a uma preparação explicita que permite realizar funções exclusivas da atividade policial. “Embora a maior parte da polícia pública especializada seja profissional, sob certos aspectos, o policiamento privado também pode ser profissional, tanto quanto uma força policial não-especializada” (BAYLEY, 2006, p. 23).

No que tange à relação entre policiamento e polícia, a literatura diz que o policiamento pode ser executado por uma variedade de pessoas e meios técnicos, e a concepção moderna de polícia é apenas uma delas (REINER, 2004; BAYLEY, 2006). Reiner distingue as ideias de policiamento e polícia: enquanto o primeiro “implica um conjunto de pessoas com funções sociais específicas”, o segundo refere-se “a certo tipo de instituição social”. O policiamento é necessário em qualquer ordem social, “e pode ser levado a efeito por inúmeros processos e feições institucionais diferentes”. Já polícia, nem toda sociedade possui, “e as organizações policiais e o pessoal da polícia podem assumir uma variedade de formas intercambiáveis”. “Um órgão de ‘polícia’ especializado, organizado pelo Estado, do tipo moderno, é apenas um tipo de exemplo” (REINER, 2004, p. 20).

Para Bayley (2006, p. 20), a ideia de polícia se refere “a pessoas autorizadas por um grupo para regular as relações interpessoais dentro deste grupo através da aplicação de força física. Esta definição possui três partes essenciais: força física, uso interno e autorização coletiva”. O uso da força, real ou como ameaça, para afetar o comportamento é competência exclusiva da polícia. “Outras agências podem recomendar medidas coercitivas e mesmo direcionar seu uso, mas os policiais são os agentes exclusivos da força”. Quanto ao uso interno da força, a sua estipulação é essencial para excluir exércitos. Como terceiro elemento definidor, a autorização conferida por um grupo é “necessário para que se possa excluir do

termo polícia as pessoas que utilizam de força dentro da sociedade para propósito não- coletivo”.

Com relação ao policiamento privado, Lopes (2015) aponta contribuições significativas para a compreensão do poder e dos abusos relacionados às atividades realizadas pelos agentes de segurança privada. No diálogo com Stenning (2000), acerca da relação entre policiamento público e privado com a utilização das ferramentas legais e fisicamente coercitivas, as considerações salientadas servem como premissas basilares para se compreender as práticas da segurança privada. O cerne da relação consiste na “inclinação para um policiamento de tipo consensual”, “ao invés da ameaça ou do uso da força física”. Isto estaria relacionada a vários fatores. Em primeiro lugar, o policiamento privado está mais focado em prevenção, e restituição e compensação do dano do que em repressão e reafirmação do consenso moral. Em segundo lugar, policiamento privado estaria mais interessado em minimizar conflitos e intervir por meio do consentimento, por ser considerado mais fácil, menos estressante, caro e perigoso do que o pela força. Por fim, a orientação na atuação é influenciada pelos processos legais movidos contra as organizações de policiamento privado e os seus contratantes.

Dessa forma, a não utilização das ferramentas legais e fisicamente coercitivas sugerem padrões de abusos distintos das atividades de policiamento público e privado (LOPES, 2015).