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Diagrama 2 – As esferas de preservação da ordem pública

9 PRODUÇÃO DA ORDEM PÚBLICA FESTIVA E REDES FORMAIS DE

9.1 A REDE PRIVADA DE SEGURANÇA E A GOVERNANÇA DOS BLOCOS DE TRIO

9.1.2 O agenciamento da força e a performance do insulamento contensivo-expansivo

O perfil dos agentes e os auxiliares de segurança e a forma como ficam dispostos na corda definem a performance da barreira, caracterizando o insulamento como contensivo- expansivo. Esse isolamento contensivo-expansivo é determinado pela capacidade de demarcação da circunscrição espacial privada, com potencial para disputa por espaço, mediante a contenção, diluição e dispersão dos foliões pipoca.

Nesse tipo de insulamento, os pontos de concentrações densas e efervescentes na corda são reforçados para elevar a capacidade contensiva e expansiva da corda.

As características físicas dos operadores desse reforço são ao mesmo tempo evidências do caráter seletivo do recrutamento e dos atributos para o exercício das funções dos ocupantes desse posto. Eles formam os grupos de apoio à corda, que atuam na elevação da performance contensiva da barreira (Diário de Campo, 01.03.2014).

Desse modo, enquanto os cordeiros erguem a barreira, os demais auxiliares atuam mantendo a contenção ativa. De outra forma, enquanto os cordeiros contem o avanço dos foliões “pipoca”, os grupos de apoio à corda atuam na progressão expansiva da corda. Nesses casos, a função desses grupos consiste em auxiliar os cordeiros a diluir ou desfazer a massa de foliões que se concentra na corda, exercendo pressão sobre ela e reduzindo o espaço interno do bloco. Em outras palavras, os grupos de apoio atuam para garantir que os foliões “pipoca”

se concentrem fora da rua, nas margens do circuito, deixando, assim, todo espaço livre para o desfile do bloco.

A diluição das concentrações se faz por meio da corda tesa, que vai sendo esticada, com um vigor corporal que intimida e espreme os foliões. Estes são comprimidos contra o paredão formado pelos isopores, vendedores ambulantes e a audiência. Muitas vezes, os foliões pipoca são imprensados contra o paredão formado pelos tapumes de madeira dos camarotes. Essa ação violenta sufoca e obriga os foliões a recuarem (Diário de Campo, 2014).

Em alguns esquemas contensivos-expansivos, quando fracassa a tentativa de diluir ou desfazer a massa de foliões “pipoca” que se concentra na corda, para a expansão da corda os auxiliares da segurança recorrem à dispersão. E o recurso estratégico de dispersão é a predação violenta. Por meio desta predação, que consiste em agredir com socos e chutes os foliões, tende a gerar dispersão dos mesmos, deixando, com isso, espaço para o avanço da corda.

O padrão operacional de contenção e expansão da corda encontra resistência dos foliões pipocas que se inclina a responder fazendo uso, também, da violência.

Durante muito tempo, a faixa azul, que os organizadores da festa pintavam sobre o asfalto indicou o espaço dos blocos e os limites de ocupação da rua pelos foliões “pipoca”. Mesmo não existindo mais a pintura, os limites estabelecidos pela faixa azul continuam sendo a referência expansiva da corda, pois demarcava o máximo de espaço da rua ocupado pelos blocos. A orientação é mantar a corda na “faixa azul”.

O Carnaval tem uma faixa azul. A gente tem que manter a corda sempre na faixa azul. Quando o público “pipoca” vai passando e encosta... qual é a orientação? Empurrar pra faixa azul. Nem toda vez, “os pipocas” não gostam. Aí tem que saber chegar, sair pra o lado de fora da corda e conversar de boa, porque se a gente for empurrando com agressão, corre o risco de tomar... como aconteceu com o nosso líder. Ele foi empurrar a corda e tomou uma latada na garganta e lascou... ficou internado e quase morre. [...] Porque não soube chegar, tem que passar para o lado de fora da corda, ir abraçando e pedindo “ô meu irmão, vamos liberar a corda”. A pessoa se sensibiliza e vai encostando. Não pode apertar o público do abadá, mas eu empurrei a corda e tomei uma lata na cabeça. Foi no Relógio de São Pedro. Eu olhei pra trás e ele me chamou. Eu fui... a gente acabou com tudo no Relógio. Os cordeiros foram, foi uma briga “retada” e o bloco teve que parar. Foi pau viola (Eduardo, 28 anos, Segurança).

A orientação de expansão da corda expõe os cordeiros e seguranças às reações defensivas e predatórias dos foliões. Para evitar tais reações, alguns operadores adotam o diálogo e a conversa como tática alternativa às práticas convencionais de expansão da corda. Para a contensão e expansão da corda, seguir os modus operandi de diluição, expansão e dispersão arrisca e expõe os auxiliares e segurança ao risco de predação. Dessa maneira, a

recorrência ao uso instrumental da violência, numa ação racional em legítima defesa, pode ser verificada, tendo como sentido se proteger das agressões dos foliões.

Por outro lado, não são raras as situações em que os cordeiros e os auxiliares de apoio à corda protagonizam várias ações violentas. Eles também atuam com condutas hostis e agressivas, além de perpetram constantes covardias expressivas. Um caso representativo, que ilustra bem as diversas ações, em seus scripts e modus operandi, ocorreu na passagem de um folião pelo estreito corredor formado no lado direito do trio elétrico, do bloco Nu Outro (Jammil).

Entre a corda e os vendedores ambulantes, um folião e os cordeiros trocaram hostilidades. Sem atentar contra a integridade física dos cordeiros, o folião seguiu andando. De repente como uma avalanche, como uma massa acumulada de neve, que repentinamente se movimenta de forma rápida e violenta e se precipita em direção ao vale, parte dos cordeiros e todo o pessoal de apoio desse lado da corda partiram para cima do jovem, que logo desapareceu no meio dessa massa acumulada de corpos. Mais de quinze cordeiros o espancavam. Diante dos vários socos e pontapés bem do lado do trio, a banda continuava tocando. Indignados com o descaso dos componentes do grupo, frente à cena de espancamento, foliões “pipoca” começaram a jogar na direção destes garrafas de água e cerveja. Eles, esquivando-se dos objetos, somente acenavam, dizendo não poder fazer nada. A sessão só parou com a chegada da Polícia Militar, mas os protestos continuaram, exigindo dos policiais alguma providência com relação aos agressores. Indiferente aos protestos, os PMs prenderam o folião, que estava cheio de hematomas, sangrando e completamente desorientado. Diante da intensa manifestação surge um operador do nível gerencial da segurança, dizendo ser policial e ameaçando os foliões “pipoca” que se manifestavam, perguntado se eles também queriam ser levados pelos PMs: “Eu também sou policial, vocês querem, eu posso mandar levar vocês também” (Diário de Campo, 2013).

Com efeito, não somente a conduta dos auxiliares de segurança dos blocos, como também o estreito vínculo dos agentes do Estado com a segurança privada das entidades está por trás da violência expressiva nos corredores da folia. Isso ficou evidente no posicionamento dos policiais militares frente à violência e ao seu desdobramento, que só conduziu a vítima, ao invés de levar todos os envolvidos para averiguação.

Um grande efeito desse estreito vínculo é a garantia de impunidade e imunização das condutas dos últimos. Assim como os excessos cometidos pelos policiais durante a festa não são punidos, os cometidos pelos cordeiros também não são.

A corda erguida pelos blocos segrega a multidão, tensão, conflitos, insegurança e violência à folia corporal. A manutenção da segregação de multidão depende do uso extensivo e intensivo da violência física. Isso implica o uso autorizado da violência física por agentes

não autorizados. Desse modo, os blocos empregam práticas irregulares e, portanto, precisam do poder de intimidar e de imunizar dos agentes da segurança estatal.