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As incertezas da segurança ou as inseguranças da Certeza

Maria José de Figueiredo Tavares | mjftavares@gmail.com

Agrupamento Escolas Infante D. Henrique, Porto - Presidente CAP

“É preciso ensinar a compreensão humana, porque é um mal do qual

todos sofrem em graus diferentes. Começa na família, onde filhos não são compreendidos pelos pais e os pais não entendem seus filhos. Pode continuar na escola, com os professores e os colegas. Continua na vida do trabalho, no amor e acho que temos que ensinar também a enfrentar as incertezas. Porque em todo destino humano há uma incerteza desde o nascimento.

A única certeza é a morte e não sabemos quando. Mas, é claro que estamos em meio, não apenas das incertezas que chamaria de normais, de saúde, casamento, trabalho, mas também uma incerteza histórica impressionante.

Antes, a gente achava que existia um progresso certo e agora o futuro é uma angústia. Por isso, suportar, enfrentar a incerteza é não naufragar na angústia, saber que é preciso, de certa forma, participar com o outro, de algo em comum, porque a única resposta aos que têm a angústia de morrer é o amor e a vida em comum.”

Edgar Morin, 2019, Entrevista:

https://www.pensarcontemporaneo.com/

Naquela tarde de um março triste, como que parado no tempo, tivemos por fim a certeza – fora decretado o Estado de Emergência.

Um friozinho de medo, e ao mesmo tempo de expectativa, nos inundava o corpo e a alma. O coração tímido batia baixinho para não perturbar a razão. E as ideias assolavam em turbilhão de dúvidas e incertezas, desarmando-nos de todas as correntes de convicções e certezas.

A equipa, composta de mulheres maduras pelo tempo da experiência, sentiu-se, de repente, melancólica e triste. Um silêncio quase ensurdecedor embalava as copas despidas das árvores do jardim interior da escola. Tirámos umas fotos e houve quem dissesse que pressentira que nada seria como dantes.

Deixámos a direção, levámos connosco os registos e os códigos das plataformas que necessitaríamos, quando a escola encerrasse. Sim, encerrasse, porque estávamos em crise pandémica e em confinamento social.

Urgia recolhermo-nos em casa, como se, qual crisálida, voltássemos aos nossos casulos para nos protegermos da ameaça do contágio.

Despedimo-nos com um risinho de nervoso miudinho, dissemos piadas sobre Covid(es) e projetámos cenários e desenhámos estórias, cujas personagens eram figuras

reais da escola. Foi uma espécie de vivência fugaz de uma qualquer e nostálgica adolescência tardia.

No entanto, no dia seguinte, após a efabulação da gestão a distância, soubemos que a Escola não fecharia.

A Escola mudaria. E pela primeira vez alteraria o seu paradigma, a sua matriz, o seu modus operandi de tantos anos, de tantas décadas. E não foi necessário nem teses, nem estudos avançados, nem legislação, nem absolutamente nada. Só a necessidade imperiosa e primordial de preservar aquilo que é a sua missão de formadora, aprendente, transformadora de vidas, porta de conhecimento, reduto de inclusão.

Então, qual borboleta a sair do casulo, reinventou-se. As salas de aulas, vazias no espaço físico da escola, transformaram-se em espaços virtuais. O quadro foi substituído pelo écran do computador. A sala de aula pela sala de jantar. O autocarro pelo corredor, que liga o quarto à sala. A aula “apareceu”, ali, junto à chávena de café com leite. O cheiro e os sons dos recreios da escola foram substituídos pelos da torradeira, do pão com manteiga e dos flocos de cereais.

E o professor …?! Esse continuava lá. Do outro lado da tela, com o timbre da sua voz, a sua mestria, a sua experiência, o seu rosto. O aluno também permanecia à sua espera e da aula que começasse, no Zoom, no Skype, no Google Classroom...

O meio não importava. O importante era o fim. Nesse “agora”, fazia mais sentido o título do livro de Richard Bach Não há longe, nem distância.

Havia que fazer cumprir a determinação da tutela – a Escola organizou-se, gizou um plano a partir de um Roteiro, tendo por base uma reconfiguração do ensino- aprendizagem, e construiu o seu Plano de Ensino a Distância. E todas as escolas do país fizeram o mesmo. E houve reuniões a distância, e reconstruiram-se horários e construíram-se pontes. Era imergente (re)pensar as práticas pedagógicas e as práticas avaliativas, salvaguardando as condições de uma verdadeira inclusão pedagógica e social que, nesse momento de Ensino a Distância, fazia, ainda, mais sentido. E criaram-se e consolidaram-se laços, ainda que virtualmente liados.

A Escola fechada e sequestrada em si mesma, abriu-se, transmutou-se, superou- se.

A verdadeira e almejada Mudança aconteceu. E foi só preciso um vírus de uma dimensão nanoscópica para mudar a vida, para mudar o mundo, para alterar a(s) perspetiva(s).

E um novo léxico irrompeu, pleonasticamente, pela escola dentro – confinamento, ensino a distância, “TeleEscola”, plataformas, aulas síncronas e assíncronas.

E fomos, assim, exorcizando-o medo com álcool gel!

Fomos os atores e gestores da emoção, dada a emergência do momento de desafios e de reconfiguração da Escola. As interpelações de uma nova realidade provocaram uma revolução na sala de aula, uma revolução na aprendizagem, como diz António Nóvoa.

Mas não tenhamos ilusões. Existem, ainda, muitos guardiães de velhos paradigmas que prendem a mudança com as amarras da insegurança e os grilhões das suas arrogantes certezas. Opositores movidos pelo medo e pela angústia dos novos tempos, dos novos ares, das novas golfadas de ar fresco e puro.

E vem-nos à memória o momento em que, naquele Conselho Pedagógico, uma mistura de comoção e de raiva assolou quando líamos as palavras daquela criança do 1º ciclo: “Gostava que a minha professora pudesse falar ao vivo no computador com todos, porque tenho saudades de a ver e aprender com ela”.

E nós, tal como aquela criança, manifestamos um desejo – o de que nenhum profissional docente desligue a câmara de vídeo para o seu aluno, com receio de que um qualquer hacker pedagógico roube a sua identidade, ainda que falsa, de professor.