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Da Escola Epicentro da Economia e do Mundo

Lídia Santos Sousa | lidiamsantossousa@gmail.com

Professora de Inglês e Alemão, Vice-Presidente da CAP do Agrupamento de Escolas Infante D. Henrique

“As politicians and business leaders talk about reopening the economy,

one looming question goes unanswered: How can parents go back to work when it may not be safe for kids to go to school? In Alex Sherman, CNBC – The Next Normal: https://www.cnbc.com/2020/05/04/will-

schools-be-open-in-september-experts-weigh-in.html (acedido a 14 de maio de 2020).

Deste momento insólito que a humanidade atravessa, causado pela pandemia da Covid 19, emerge a Escola como reduto de estabilidade e segurança, responsável, em grande medida, pela ratificação da normalidade social entre as pessoas e o mundo.

Em todo o planeta, os media fazem depender questões relativas ao relançamento da economia do início das atividades escolares, que, segundo referem, libertarão a sociedade para a retoma dos compromissos rápida e eficazmente cancelados pelo coronavírus.

Independentemente do rumo desta pandemia, no decurso da qual a realidade rapidamente ultrapassou a ficção, é inequívoca a perceção, cada vez mais nítida, do impacto da Escola à escala mundial, não só sob o ponto de vista socioeconómico, mas também no plano educativo e instrucional, inscrito na sua matriz. Registam-se, de resto e a este propósito, inúmeras preocupações por parte de prestigiadas instituições de ensino, dependentes de avaliações e progressões de alunos para planeamento e estabelecimento de prioridades em termos de ofertas educativas sem as quais está em risco a…

… Espaço Suspenso

“Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em vôo. […] O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.”

Ruben Alves

Simultaneamente à cadência apressada de notícias e projeções, nos recreios escolares por calcorrear, os pássaros, imperturbados, ensaiam voos calmos entre árvores e beirais. As salas de aulas, corredores e demais espaços permanecem limpos,

vazios e imersos no silêncio. Em modo de suspensão. Na expectativa do encorajamento de muitos outros voos.

… Vista do Interior da Nova Normalidade: Pelos Alunos

“Covid-19. Inquérito revela que mais de 80% dos alunos estão preocupados ou muito preocupados com a pandemia - e têm saudades da escola”

Isabel Paulo In Expresso: 9/04/2020

São 8 horas. Não é que corra propriamente o risco de chegar tarde, mas o João é um aluno pontual. Lava-se, veste-se, toma o pequeno almoço e prepara-se para as aulas. Olha pela janela do quarto, já pronto, e observa a escola do outro lado da praça: o campo de jogos, o recreio, o edifício. Respira fundo e liga o computador que o pai foi buscar à escola, a título de empréstimo, para ele e para a irmã mais nova. O João frequenta o 8º ano e sabe que, por enquanto, terá de ser assim; mas tem já muitas saudades da escola, dos amigos, dos intervalos, dos professores e até da D. Etelvina do corredor que lhe põe os cabelos em pé, com as manias das arrumações da sala de aula e os ralhetes da praxe. Porém, comparada com as irmãs, com quem tem estado em casa permanentemente…. o João até teve um sonho que contou na aula de Português, em que a D. Etelvina aparece com asas de anjo. Todos deram umas boas gargalhadas.

São quase 9 horas. A Mariana, irmã mais nova do João e aluna do 2º ano, entra na sala com a energia habitual para assistir ao #EstudoEmCasa pela televisão. Mal pode esperar pela Hora da Leitura! Sente muito a falta das histórias que a professora Clara Melro costumava ler-lhe e ao resto da turma, todas as manhãs, depois do intervalo: em dias de sol, no jardim; com chuva, na sala de aula. A professora lê, às vezes, pela plataforma e a Mariana gosta sempre muito de a ouvir, mas não é a mesma coisa! Não pode oferecer-lhe as folhinhas ou o desenho para agradecer a história do dia. Da janela do quarto dos pais a Mariana consegue ver o telhado da escola EB1 e um cantinho do recreio, lá muito ao fundo. Que saudades!

São 10 horas. A Ana entra na sala, onde a irmã mais nova assiste à Hora da Leitura. Pela porta entreaberta do quarto do irmão, João, reconhece no écran do computador o professor António Justo de matemática, também seu professor. Abana a cabeça enquanto pensa que ainda não se habituou verdadeiramente a esta rotina: “Que filme!”

Ao passar pela sala, a Ana esforça-se por se manter silenciosa, mas está numa inquietação fora do habitual. Acabou de ler um email da diretora de turma que anuncia o regresso às aulas a partir da próxima semana. Sente um frio na barriga, um misto de alegria – por saber que vai rever os colegas de turma e amigos de tantos anos – e de medo, por voltar à realidade numa fase em que ainda não há vacina para a Covid 19.

Da janela do seu quarto, a Ana bem assistiu à chegada de veículos militares que estacionaram na praça, em frente à escola, de onde saíram soldados com fatos brancos, encapuzados e mascarados, quais habitantes de outro planeta, que tomaram de assalto o edifício, “em processo de higienização e desinfeção”, como explicou a diretora de turma.

Todos os alunos da turma têm agora uma lista quilométrica de normas para ler, percursos para fixar, procedimentos para interiorizar e, aqui entre nós, a Ana acha que o contacto com os amigos a 2 ou mais metros de distância vai ser “simplesmente surreal”. “Tudo isto por 2 exames –, é a loucura!”, pensa para consigo. Não nutre especial simpatia pela nova normalidade!

Mãaae! Paai! Quando puderem interromper o teletrabalho, temos de falar.

Pelos Professores

“Cada dia me traz com que esperar O que dia nenhum poderá dar. Cada dia me cansa da esperança... Mas viver é esperar e se cansar.” Fernando Pessoa In Poesias Inéditas

São 11 horas. Clara Melro e António Justo, professores já nossos conhecidos, fazem um intervalo entre as aulas síncronas e os apoios assíncronos. São casados e têm 3 filhos em idade pré-escolar e escolar. Revezam-se na supervisão dos filhos em aulas e apoios. Não têm mãos a medir e o tempo é escasso: além dos alunos, há que orientar, esclarecer e apoiar, sempre que necessário.

A partir da próxima segunda feira, dia 18 de maio, o António terá de deslocar-se à escola para lecionar Matemática ao 12º ano, o que lhe causa alguma apreensão, pois, além dos filhos, vive lá em casa a mãe de Clara, idosa e considerada “de risco”.

“Além disso ficam “as tropas” a descoberto cá em casa, sem contar com a necessidade de nova definição do horário e a consequente desorientação. Em menos de

2 meses, cada um de nós, exceto a D. Piedade”, refere com um sorriso, “recebeu 3 horários diferentes para gerir. São 15 horários. Em confinamento, nestas condições…. é inacreditável. Pergunto-me se será esta a melhor solução para o 12º ano…”, continuou: “… é preciso que se faça o que for melhor para os alunos!”

A professora Clara Melro ouvia em silêncio: “Assim se ensina e aprende em tempo de COVID 19”, pensava. Aquela seria a hora do conto, num dia bonito como aquele, seguramente no jardim. Por momentos, pareceu-lhe sentir o cheiro das folhinhas que recebia no final como recompensa. Sentiu saudades da escola e de todos os alunos, mesmo dos que acabara de ver na aula; do mundo tal como o conhecia, da vida, da escola, de…

Respirou fundo, sorriu e voltou para as aulas, por enquanto, mesmo ali ao lado. António seguiu-lhe os passos ao encontro virtual dos alunos: “Fazer o que fazemos melhor!”, pensou…,“o que fazemos melhor…”.