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Tempo de incerteza mas também de esperança

António Oliveira | antmbo@gmail.com

Professor no Agrupamento de Escolas de Pedrouços

Se vim ao mundo, foi Só para desflorar florestas virgens, E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!

José Régio

Cumprem-se sessenta dias de confinamento! Sessenta dias de experiências e sentimentos únicos, porque único tem sido este tempo de COVID 19! Será, portanto, conduzido pelos sentimentos que fui (fomos) experienciando, que partilharei algumas das experiências vividas.

Entre a angústia e a preocupação

Não terei sido o único que, na semana que antecéu o fecho das escolas, fui vivendo com preocupação e alguma angústia… Nessa semana o “coronavírus” e o “COVID 19” tornaram-se o centro das conversas na sala de professores, no início e final de cada aula, nos corredores das escolas e do “poder” e… em casa quando ao jantar todos se reuniam! As notícias que nos chegavam iam fazendo aumentar diariamente a nossa preocupação, que se foi transformando em angústia à medida que ia crescendo o número de pessoas – sim, porque era e é de pessoas que falamos e não apenas de “casos”, como se de um estudo estatístico se tratasse – infetadas, nomeadamente em Itália e em Espanha.

Declarada a pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a saída para a escola – de todos lá em casa – passou a ser vivida com a preocupação própria de quem sabe que vai, mas não sabe ao que vai, nem o que o espera: «tem cuidado», «lava as mãos»… enfim, frases que passaram a ser habituais. Em cada regresso a casa a dúvida instalava-se, dúvida que se manteve/ mantinha/ mantém até que se cumpra a quarentena.

Como reagir perante o desconhecido? Como nos preparamos para o inesperado? Sim… foram (são) tempos de angústia e preocupação os que se viveram (vivem): connosco, com a família com quem partilhamos a casa, com os nossos pais e irmãos, com os nossos amigos, com os nossos colegas, com os nossos alunos… com todos os que

se cruzavam nos caminhos da nossa vida. Foi, sem dúvida, com algum alívio – e até com algum agrado – que acolhemos a notícia do fecho das escolas e do dever de recolhimento.

Com o tempo a angústia foi-se desvanecendo, mas permaneceu a preocupação – talvez não do mesmo tipo! Reconfortados pelo recolhimento no nosso lar, embora as notícias do agravamento da situação fossem diárias e nos assaltassem permanentemente fosse em que meio de comunicação fosse, a preocupação surgia agora acompanhada de um sentimento de solidariedade e da consciência de que era preciso reagir.

Entre a solidariedade e o dever

Os dias seguintes foram vividos entre este duplo sentimento: de solidariedade e de dever. Solidariedade para com todos os profissionais que se encontravam a combater ativamente a pandemia, fosse na área da saúde, fosse na da segurança ou nas outras áreas que permaneceram ativas quando o país literalmente “parou”. Solidariedade que se manifestou não apenas nas múltiplas mensagens de gratidão que pulularam nas redes sociais e nos órgãos de comunicação social, mas, pessoalmente, no levar muito a sério o dever de recolhimento, cuidando de mim e dos outros e saindo apenas para o estritamente necessário.

Concomitantemente, foi-se criando um sentimento de dever para com as famílias dos nossos alunos, para com os meus colegas… o dever de reagir e de procurar contribuir para a minimização dos efeitos da pandemia, fazendo chegar a escola a casa. Foi essa, também, uma forma muito particular de solidariedade.

De alguma forma, este também foi um tempo de descoberta e de aprendizagem. Novas palavras que entraram no nosso vocabulário, novos modos de comunicar, novas experiências… todo um “mundo digital” que se abria e que era preciso conhecer, dominar para dele podermos usufruir: poucos de nós até àquele final de março teriam ouvido falar de “zoom”, de “teams” ou de “meet”…

A solidariedade foi encaminhada para esse esforço de, no mais curto espaço de tempo, preparar e criar condições para todo um novo modo de estar, de agir e de interagir. Profissionalmente estive envolvido na criação dessas condições que permitissem, ao Agrupamento de Escolas (AE) onde sou professor, dar uma resposta

minimamente eficaz aos docentes, aos alunos e às suas famílias. As duas últimas semanas de março foram, por isso, de grande azáfama: i) escolhida a plataforma que iríamos utilizar, foi necessário inserir todos os dados de docentes e alunos; ii) entretanto, num esforço comum de Diretores de Turma e docentes das várias disciplinas, criaram-se turmas, disciplinas, canais de comunicação…; iii) foi tempo, então, de dar apoio e resposta às dúvidas dos colegas, fazendo parte de uma espécie de equipa de “suporte técnico”; iv) finalmente, tornou-se ainda necessário criar condições para a realização das reuniões de Conselho de Turma do final do 2º período. Tudo isto foi necessário fazer enquanto, também eu, me familiarizava com a plataforma, interagia com os alunos, com a equipa da direção… e procurava manter saudável a vida familiar, num espaço agora ocupado 24 horas pelos seus cinco membros.

Quando as reuniões de Conselho de Turma do final do 2º período chegaram ao seu término, tendo acompanhado diariamente a sua realização – ora como membro interveniente, ora como “equipa de suporte” –, procurando garantir que todos tinham acesso e que estavam criadas as condições para a sua realização, um outro sentimento me visitou: o cansaço!

Entre o cansaço e o desafio…

Esgotado, mas com o sentimento de dever cumprido, chegamos à semana da Páscoa com a consciência de que o desafio ainda não tinha terminado. Qual atleta, o descanso fez-se em plena competição! O “breve” sentimento de cansaço foi, subitamente, envolvido pela necessidade de corresponder ao repto que era cada vez mais esperado: o de criar condições para que as aulas do 3º período decorressem em ambiente digital! Uma coisa foi terminar o 2º período: faltavam duas semanas e, entre colocar a plataforma em funcionamento e chegar à maioria dos alunos, a interação tinha ocorrido quase em regime de apoio à distância. Agora, o desafio que se aproximava era de outra grandeza, pelo que de mudança representava! Lecionar todo um período à distância, “obrigava” não só a repensar a organização da escola, mas também a(s) prática(s) letiva(s), o modo de ensinar e de proporcionar aprendizagem.

Assim, foi uma Semana Santa bem diferente a que foi vivida este ano! Foi uma semana de trabalho intenso: reuniões de Direção, de Conselho Pedagógico, de Departamento e de Grupos disciplinares… e, ainda, construção do Plano de E@D (Ensino

à Distância) do AE: tudo para que, na data prevista, estivessem criadas as condições para se iniciar o 3º período. A primeira semana do último período e os dias que lhe antecederam foram de grande exigência, mas também de grande riqueza. Os docentes tiveram que agendar as suas aulas síncronas no “canal certo”, para que os alunos tivessem acesso e fazer a monitorização e apoio a esse processo foi interessante e motivador. Interessante porque pude constatar a capacidade de adaptação dos nossos professores que, apesar das adversidades, são capazes de dar resposta positiva. Motivador, pois testemunhei o esforço de colegas que, apesar de já vislumbrarem o final da sua carreira, sem computador disponível e apenas com recurso ao telemóvel, desenvolveram aulas síncronas com os seus alunos, interagindo e gerando aprendizagens.

Apesar das contrariedades, dos constrangimentos e dificuldades, o esforço de adaptação a esta nova realidade de E@D é visível e digno de reconhecimento e gratidão que, a seu tempo, a comunidade educativa saberá demonstrar.

A experiência profissional que tenho vivido tem gerado um gradual sentimento de satisfação e de esperança no futuro. Estou convicto que, parafraseando Fernando Pessoa, “tudo vale a pena se a alma não é pequena”. A resposta à pandemia que, como AE, fomos capazes de dar, faz crescer essa convicção – o número de alunos e famílias a quem chegámos e o apoio que lhes proporcionámos, procurando através das aulas síncronas diminuir a quantidade de tarefas assíncronas que exigiriam acompanhamento parental; a partilha de experiências entre docentes, bem como a sua familiarização crescente com aplicações e metodologias de E@D; mas também, o trabalho colaborativo desenvolvido, com maior partilha de tarefas e sentido de corresponsabilidade e compromisso, patentes na capacidade de antecipar problemas e de construir respostas flexíveis para lhes fazer face – e um sentimento de moderada satisfação.

Apesar de doloroso e angustiante pelo que representa, este tempo de crise pandémica foi-se constituindo como uma oportunidade de crescimento pessoal e profissional. Foi e é um tempo que não deixou de ser de preocupação e de angústia, de cansaço e de desafio, de incerteza… mas também de esperança. Um tempo de, como dizia José Régio, “desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!”.